domingo, 24 de março de 2013

Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso.


Só existe uma coisa importante em nossas vidas: viver a nossa lenda pessoal,
a missão que nos foi destinada. Mas sempre terminamos nos sobrecarregando
de ocupações inúteis, que acabam por destruir nossos sonhos (Maktub).

Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso.

“Terra do belo Olmeiro, lar do castor,
Lá onde o alce airoso, é Senhor,
Em um lago azul rochoso, eu voltarei de novo”!

                Era uma linda tarde de outono, mas Lisabel estava cansada. Afinal não era para menos. Quinze lobinhos ali soltos naquele sitio e só ela como responsável daria dor de cabeça em qualquer um. Lorraine e Javier na última hora disseram que só poderiam chegar no sábado à noite. Desmarcar o Acantonamento era impossível. Tudo tinha sido preparado. E lá foi Lisabel a enfrentar o desafio. Chegaram e logo arrancharam no Sitio Mimoso. Quinze lobos? Meu Deus, agora pareciam cem! Lisabel gritava chamando e logo eles corriam para todo lado. Conseguiu uma árvore próxima a casa e lá arvorou a Bandeira Nacional. Tinha no programa um estoque de jogos, brincadeiras, canções tudo que uma boa atividade deste porte requer. Mas não estava sendo fácil. Não mesmo. Ainda bem que dona Mercês mãe do Gustavo foi para a cozinha. Ela dava mais trabalho que seu filho. Queria ficar junto dele para protegê-lo, enfim uma mãe super-protetora.

              Após o almoço Lisabel reuniu os lobos e foram até próximo a um pequeno lago, e ao pé de um lindo Cajueiro, sentaram. Os lobinhos inquietos. Alguma coisa fazia ondas sobre as águas do lago. Lisabel não acreditou. Era um castor que logo mergulhou. Isto mesmo. Só se o proprietário do sitio o tivesse levado. Não havia no Brasil. Ela começou a cantar com eles uma canção. “A promessa de Mowgly”. Fizeram um jogo de faz de conta. Viu que a tarde se aproximava. Ainda bem. Logo seus assistentes chegariam e ela poderia descansar. Uma forte dor de cabeça. Os lobos sentaram em sua volta. Ia começar a contar uma história. Não lembrava. Assustou-se ao olhar novamente para o lago, parecia emergir de dentro das águas um velho com um chapéu e uma indumentária típica dos grandes caçadores de peles do passado. Um verdadeiro Mountain Men, ou melhor, um homem da montanha! Sorria, deu um olá simpático, chamou a atenção dos lobos. Eram seis meninas e nove meninos.

               - Sabem! Disse ele. Faz tempo que não vejo um Cub Scout. Quantas saudades! – O que é um CubScout logo perguntou uma lobinha. – Meninos lobinhos como vocês. – Lisabel ficou impressionada e assustada com ele. Uma figura imponente. Um cajado lindo. – Posso? Ele perguntou a Lisabel se poderia sentar com eles ali. – Claro que sim ela respondeu. – Por acaso viram um castorzinho deslizando há poucos instantes sobre o lago? Não? Vocês já ouviram falar de Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso? – Também não? - Não Senhor responderam todos. - Querem conhecer sua história? Palmas e gritos. A lobada gostava de uma boa historia. – Bem vou contar, mas é uma historia triste, muito triste. Faz tempo, muito tempo quando conheci o John, ou melhor, o John Colter. Um pioneiro e um dos primeiros caçadores de pele a ser chamado de “homem da montanha”. Ficamos amigos em St. Louis uma cidade americana, lá pelos idos de 1807. Com ele fizemos uma serie de expedições até o rio Missouri para caçar castores e tirar suas peles.

               Os lobinhos assustaram-se. – Calma, foi em um passado muito distante. Nós vivíamos disto. Chegamos até a montar uma empresa de nome Rocky Mountan Fur só para vender as peles que conseguíamos caçar. - Mas vamos ao que interessa. Eu e o velho John rodamos meio mundo. Das Montanhas Rochosas até os grandes lagos de Michigan, Huron, Erie e Ontário. Diziam que eu e o John só caçávamos peles dos castores, mas não era verdade. Amávamos explorar o Velho Oeste americano. Nunca esqueci quando conheci Pigmor, o castor manco. Para ser sincero eu e o meu amigo chegamos às margens do Lago Grande Urso numa tarde de novembro. Eu nunca tinha ido ali e nem ele. O frio intenso, pois nevava a mais de seis dias. Montamos uma pequena cabana e quando ascendi o fogo vi um castozinho chegando e mancando. Assustei, pois sabia que eram ariscos e não se aproximavam. Sabia que ele e seus companheiros formavam uma colônia deviam ter um dique no fundo do lago. Nunca andavam sozinhos. Nós sabíamos que enquanto não passasse a nevasca nunca poderíamos caçá-los.

              - Olhei para o John e disse rindo: Não parece o Pigmor aquele velho caçador de ouro que morreu em Blue River Valley? Coitado. Achou que a riqueza fácil seria dele ali na região das Montanhas Rochosas. Morreu abraçado a um grande urso que encontrou na caverna do Mandor. Belas lembranças da famosa corrida do ouro em Breckenridge. Mas voltemos a historia. Vi que vocês querem saber tudo! Pigmor chegou até próximo ao fogo. Achamos ele diferente. Logo batizamos com o nome do meu amigo já falecido. Eu e o John ficamos calados. Não valia a pena dar um tiro ou mesmo matá-lo com um facão. Era raquítico, pequeno e descarnado. Seus olhos pareciam vermelhos e sentia que chorava por dentro. Ficou ali horas aproveitando o calor do fogo. Foi quando levamos o maior susto. Pigmor de cabeça baixa, deitado bem próximo à fogueira soluçou várias vezes. Começou a contar uma historia estranha. Isto mesmo, Pigmor estava falando. Como não sei. Castor falante? Nunca ouvi falar.


              Lisabel não estava acreditando no que via. Um velho curtido, uma capa estranha, botas de pele de urso, um lenço azul amarrado ao pescoço e um boné de peles de castores, de cócoras no meio do circulo, contava aquela história de uma maneira tão linda que até ela mesmo estava sendo encantada pelas palavras daquele velho caçador de peles. Notou que em nenhum momento os lobinhos tiravam os olhos dele. Sua dor de cabeça e seu cansaço havia desaparecido. – O Velho caçador continuou – Isto mesmo. Pigmor contava uma história muito triste, que aconteceu uma semana antes. Ainda não estava nevando e ele e seus irmãos da Colônia tinham terminado o dique onde iriam passar o inverno e aconteceu uma matança. Dois homens chegaram atirando. Pigmor correu para uns arbustos, mas levou um tiro na perna direita. Seu pai e sua mãe morreram na hora. Viu que somente Nakim, Molevo, Pariá e Jasmiel tinham se salvado pulando nas águas geladas do lago. Os dois homens jogaram uma banana de dinamite e quase destruíram o dique. Os quatro castores escondidos lá ficaram presos.

                  - Pigmor levantou a cabeça e me olhou dentro dos meus olhos. Depois olhou para John e continuou – Mergulhei até lá, estavam presos em uma toca sem poder sair. Tentei tudo. Jasmiel a Castora que seria minha esposa estava quase morta. Não sabia o que fazer. Melhor morrer com eles. Subi a tona e vi vocês. Acreditei que iam atirar em mim. Podem atirar. Eles irão morrer e eu quero morrer com eles. Iremos nos encontrar nas Grandes Tocas do Navarra onde se encontram os nossos ancestrais. – Pigmor se calou. Só ouvia soluços. Olhem não sei o que deu em meu amigo John. Não sabia que ele um dia poderia gostar de bichos, animais, ou seja, lá o que for. Mas mesmo naquela nevasca, escuro feito breu, o frio de rachar ele tirou a roupa e mergulhou nas águas profundas do lago. Passaram-se segundos e minutos. Nada do John vir à tona. “Diabos” pensei, será que ele morreu? A água estava um gelo! – Eis que os primeiros castores apareceram e logo em seguida o John com um castor no colo que julguei ser Jasmiel, a namorada de Pigmor.

                       Todos eles correram para a beira do fogo. Olhe eu juro pelas barbas do Coyote mais arisco de Yellowstone, pelas corcundas de um Bufallo das pradarias próximas a Little Bighorn em Montana que é verdade. Ficaram dois dias conosco. Pigmor e os seus irmãos mergulhavam de vez em quando para consertar sua toca no dique do lago. Uma semana depois Pigmor deu adeus. Hora de partir. Mergulharam na água do lago Grande Urso e sumiram. Nunca mais voltei lá. Disse ao John que minha vida de caçador peles e de castores tinha se encerrado ali. Ele nada disse. Juntamos nossas tralhas e partimos. Sabíamos que no então Território do Dakota seria feita uma grande corrida do ouro. Em Montana, Arizona, Nevada e Colorado só se falava nisso. Milhares de garimpeiros acorreram. Acampamentos e cidades mineiras surgiam da noite para o dia. Fomos para Black HIlls e ficamos ricos. Um dia John se desentendeu com um fora da lei. Morreu em um duelo em Virginia City. Eu resolvi fazer uma cabana nas montanhas e passar lá o resto de minha vida. Tropecei em um lago ao sul de Sonora. Vi um castor manco. Seria Pigmor? O levei comigo. Estamos juntos até hoje.

                           Ninguém falava nada. Lisabel viu que o velho caçador se levantou, deu um leve sorriso e disse adeus. Foi em direção ao lago. Andando sobre as águas todos notaram cinco castores nadando ao seu lado. Em segundos despareceram no fundo daquele pequeno lago do Sitio Mimoso. Um barulho de carro. Deviam ser Lorraine e Javier chegando. Eles adoravam os lobos. Um grito: - Lobo, lobo, lobo? E os lobinhos como a acreditar que outra linda história estava programada para eles, correram em direção ao Balu e a Bagheera. Lisabel ficou ali. Olhando para as águas do lago, que agora já noitinha uma bruma cinza se espalhava por sobre as águas. – Eu sonhei? Pensou Lisabel. Se sonhei os lobos também sonharam. Mas não é bom sonhar? Com terras altas, montanhas geladas, picos altos e longínquos, grandes lagos, é bom sonhar sonhos como este. Gostaria de ter conhecido Pigmor o castor manco do lago Grande Urso. mas...



“Tenho saudades daqui, destas campinas...
Ao norte eu voltarei, para as colinas,
Em um lago azul rochoso eu voltarei de novo”!

Como na lenda da Águia, que arranca suas penas e bico pra renascer como uma Fênix das cinzas, eu gostaria de perder a memória, me desfazer dos paradigmas, das inseguranças e medos, me perder em mim mesmo e começar do zero! Já que não é possível voltar no tempo, que Deus me de a dádiva do esquecimento.


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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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