terça-feira, 27 de maio de 2014

Ele era apenas um índio... Um índio brasileiro!


Nós não herdamos a Terra de nossos antecessores, nós a pegamos emprestada de nossas crianças.

Lendas escoteiras.
Ele era apenas um índio... Um índio brasileiro!

                    Ele sabia que não era de uma extirpe de índios famosos, seus antepassados se foram e agora eram uma tribo de gente triste e sem futuro. Seu nome era José Raposo. Seus pais disseram que o primeiro nome dele era Guaraciaba, aquele que tem cabelos de sol. Loiro? Diziam que sim. Zé com seus dezoito anos era um índio simples, curtido de sol, usava um calção verde e com ele ficava por uma semana ou mais. Tinha um corpo jovem, mas um medo atroz de uma doença maldita que quase acabou com sua tribo. Kerexu ainda contava belas histórias dos índios Botocudos, quando eram fortes e famosos e habitavam a Serra do Onça no Alto Rio Doce. Kerexu dizia ter duzentos anos, mas não era verdade. Devia chegar nos 105 anos não mais. Ninguém entendia porque ele não morria. Era tudo na tribo, o Pajé, o doutor, o psicanalista e o religioso. À noitinha a meninada corria para a porta de sua Oca, e ali ficavam esperando a hora que ele com seu cachimbo enorme, com folhas de tabaco ressequidas soltava gostosos rolos de fumaça que fazia os olhinhos da turma seguirem o O ou o U que ele fazia com a fumaça que expelia do cachimbo. Kerexu era uma alma boa. Jose Raposo o considerava como um pai.

                Zé não tinha o que fazer. Zanzava para um lado e outro da aldeia e seus arredores. Sempre de olho nas águas modorrentas do Rio Doce. Ele sabia que terminando a estação das chuvas Anajé o Branco poderia aparecer. Eles se conheceram quando Zé viu-os acampados próximo à cachoeira do Limão, logo abaixo da curva da serpente. Ficou a olhar de longe os meninos brancos de chapéu longo, de lenços no pescoço e tentava em sua pequena compreensão ver o que iriam fazer. Alguém o cutucou por trás e Zé deu um salto se preparando para a luta. Anajé riu quando viu que ele se encrespava todo. – Paz amigo, muita paz! E sem ele esperar o Branco lhe deu um abraço. – Como se chama? Zé pensou que devia dizer seu nome indígena, quase disse – Apenas Zé... Mas orgulhoso falou alto: - Guaraciaba, o homem dos cabelos do sol! - Muito prazer Guaraciaba, meu nome é Josiel, mas me chame por Anajé, o gavião das montanhas! Recebi este nome há dois anos quando saltei o Fogo do Conselho no Vale das Corujas.

                Ficaram amigos e a noite, quando eles fizeram um fogo, Anajé cortou acima de seu pulso com a faca, repetiu o mesmo com o seu e dos demais brancos da patrulha. Juntou as junções que sangravam e disse – Guaraciaba, você e eu Anajé e os Patrulheiros da Raposa agora somos irmãos de sangue para sempre. Guaraciaba sorriu. Nunca teve amigos brancos e viu que os jovens de caqui lenço e chapelão bateram palmas. Guaraciaba os convidou para visitar a aldeia.  Meu amigo Anajé, não espere ver tendas de lona redondas feitas de pele de búfalo ou cavalos malhados a saciarem a sede na beira do nosso rio. Não espere roupas coloridas, colares feito de pedras preciosas, penachos de penas de pássaros que só nas mais altas montanhas se encontram. Nada disto, nossas tradições se perderam no tempo, hoje somos à sombra de uma famosa tribo dos Botocudos que um dia se orgulharam de suas histórias e lendas que desapareceram com o vento. Anajé riu. – Amigo e irmão Guaraciaba, não quero ver grandiosidades, basta o amor que vocês têm no coração. Anajé voltou lá por muitas luas. Fez muitos amigos na tribo e conversa constantemente com Kerexu.

            Guando Guaraciaba e Anajé estavam juntos, eles corriam pelas campinas, pisando em flores macias, saltando riachos de águas cristalinas, escalando montanhas e picos próximos a Nanuque, Crenaque ou na Mata do Condor. Nunca Guaraciaba foi tão feliz. Kerexu fez boas previsões para a amizade dos dois, mas preveniu Guaraciaba que um dia Anajé iria desaparecer como o vento da chuva para sempre. Anajé o levou a visitar sua cidade, o alojou em sua própria casa, ele sentou em uma mesa com a mãe de Anajé e seu pai, se sentiu importante por fazer as refeições junto aos brancos. No passado ele não gostava de brancos. Zumbiara o Chefe da FUNAI era traiçoeiro. Nunca atravessou o rio. Sempre mandava chamar o seu pai o Cacique Aritana para dar ordens, remédios e mantimentos. O fazia com desprezo, como se estivesse dando do próprio bolso. Mas ali, junto à família de Anajé Guaraciaba se sentiu outro. Tinha orgulho agora de ser um índio. Ele sabia que seu coração era feito de sangue vermelho, sangue dos antepassados e agora mais ainda sorria por ser quem era.

              Naquele sábado que ele foi apresentado a Tropa, a Alcateia, ao Grupo Guaraciaba chorou. Não queria demonstrar fraqueza, pois diziam que índios são fortes valentes e não choram. Sentiu a força dos meninos de amarelos e azuis, de lenço e chapéu grande. Sentiu uma amizade entre eles incrível. Quem sabe ele poderia fazer isto na sua tribo? Retornou pensando em mudar. Em voltar no tempo dos guerreiros fortes, sorridentes e que manteriam para sempre seu passado e se orgulhassem dos seus antepassados. Guaraciaba casou com Avati e com ela teve dois filhos homens. Mandou vinte guerreiros estudar na capital. Dois voltaram doutores. A tribo mudou da água para o vinho. Agora a Aldeia tinha uma escola e um posto de saúde e Guaraciaba corria pelos campos, pelos rios e riachos a procura dos gazeteiros. Dava um sermão e eles de cabeça baixa voltavam para a escola. Anajé um dia disse a ele: - Guaraciaba um dia não vou voltar. Tenho que partir para longe em busca do meu destino. Mas quero que lembre que meu sangue está junto com o seu. Em espirito aqui irei morar para sempre.

              Anajé partiu. Muitas luas se passaram e Guaraciaba ficou doente. Seus doutores e Kerexu fizeram tudo para salvá-lo, mas não conseguiram. Os filhos de Guaraciaba agora adultos juraram ao seu pai que os antepassados dos Botocudos iriam se orgulhar na nova tribo para sempre. Uma semana depois Guaraciaba estava nas últimas. Seus olhos quase não abriam. A taba cheia de índios rezando. Alguém pediu passagem e ninguém mais ninguém menos que Anajé apareceu. Deu um abraço aperto em Guaraciaba. – Meu amigo, eu estava longe e uma noite Caapora e Catu me apareceram em sonhos. Disseram que você precisava de mim e logo sumiram em uma nuvem branca no céu. Aqui estou e vim trazer para você o meu amor Escoteiro onde um dia nossos sangues se cruzaram para que pudéssemos ser amigos até no firmamento na terra dos seus antepassados. Quando você partir o sol vai sorrir, quando você chegar ao meio do céu Tupanã o Deus do Universo vai abraçar você. Então Tupanã vai soprar sobre você e vai dizer – Aqui Guaraciaba você vai esfriar sua sede, aqui o fogo do céu vai aquecer seu corpo quando sentir frio, aqui você vai correr pela terra junto aos seus antepassados. 

                 Guaraciaba morreu sorrindo. A tribo começou a cantar aos sons de tambores, chocalhos, guizos e cabaças. No céu de brigadeiro um trovão anunciou a chegada de Guaraciaba junto a Tupanã.  Anajé partiu três dias depois. Abraçou Piatã e Apuã os filhos de Guaraciaba – Estarei com vocês em todas as horas e em todos os momentos. Pensem em mim quando precisarem de ajuda. Anajé colocou seu chapéu de abas largas, firmou seu lenço verde e amarelo no pescoço, amarrou sua bota negra e alçou sua mochila verde nas costas. Em uma simples jangada atravessou as águas tranquilas do Rio Doce levando consigo as saudades de um índio que sempre amou!


“Porque o meu irmão índio também me ensinou o valor da terra, o amor pelo chão e por seus frutos”.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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