sábado, 22 de novembro de 2014

A morte de João Liborno teve uma festa no céu.


Lendas Escoteiras.
A morte de João Liborno teve uma festa no céu.

                  Quer saber? Eu conheci João Liborno. Tudo bem, eu sei que muitos que o conheceram se arrependeram. Mas eu não. Disseram-me que ele era prepotente, metido a besta e não sabia abaixar a cabeça, e ainda  se achava o dono do mundo. Nunca pensei assim, quem sabe por que entrei em sua alma, seu coração e sua vida. Não pensem que tenho premonição, conhecimentos de psicologia, que sou um adivinho ou um religioso a ponto de conhecer alguém por dentro. Mas João Liborno tinha algum especial. Seu olhar. Olhar? Podem me dizer o que quiserem, ele era mesmo alguém especial. Mal educado eu sei que era. Valente então? Sempre tinha uma resposta na ponta da língua, mas meu Deus! Que faria o que ele fez? Juro que já vi igual, mas melhor não. Quando o Prefeito Zeca do Som sabia que ele estava na prefeitura a sua procura se escondia no banheiro. Quando o delegado Jacutinga era informado que ele estava aprontando, pegava sua varinha e ia pescar no córrego do Cavalo Doido.

                  Tudo porque detestava um não. Achava que todos deviam ser como ele. Afinal o que João Liborno fazia? Nada que as autoridades deviam fazer e não faziam. Ele recolhia os pedintes, os enfermos jogados na rua e os levava para seu galpão. Isto mesmo ele com as próprias mãos fez um galpão. Não tão grande, mas com a nossa ajuda e dos pioneiros dava para quebrar o galho. Dizem que seu galpão era igual coração de mãe, sempre cabe mais um. Nunca que passei por lá ele estava vazio. E sempre cheio de gente. Gente? Indigentes isto sim. Doença de chagas, doentes de pulmão, doentes de AIDS, pobres que não tinham onde dormir. João Liborno nunca foi médico e nem enfermeiro. Dizem que ele era um excelente Chefe Escoteiro até que um dia o mandaram embora do grupo que ajudava. E quer saber? Foi tudo futrica fofoca da oposição. Não tem no escotismo? Oposição? Pois sim que não tem.

                  João Liborno foi Escoteiro sênior e pioneiro. Assumiu a Tropa Sênior em meados de abril de 1956. Os seniores faltavam pouco carregá-lo de tão contentes. O danado nem ligava, mas pegava os seniores e ia sempre onde ninguém nunca foi. A inveja começou aí. O disse me disse das comadres no Grupo Escoteiro. – Um dia ele vai trazer nos braços alguém morto, dizia uma, não duvido dizia outra. Mas João Liborno tinha feito as pazes com Deus. Dizem que hoje em dia não tem mais comadres nos Grupos Escoteiros. Sei não! – Tonico Caroço que o diga. Chefe da Tropa Escoteira exigiu que todos fossem tratados igualmente e ninguém iria receber nenhum distintivo se não o merecessem. O Pai de Constantino ficou uma fera. Procurou o Chefe Tibúrcio e disse – Ou ele ou eu! O que houve Natalino? Meu filho Chefe, o senhor sabe que me mato aqui no grupo, faço tudo, levo para os acampamentos em minha Kombi, pago em dia minhas mensalidades e agora ele está negando dois distintivos e cinco especialidades ao meu filho.

                 O caldo cresceu e entornou. A chefaiada dividida. Na reunião de chefes do grupo metade pedia sua saída, a outra metade dizia que se saísse sairia com ele. Melhor procurar o distrito. Este tinha enorme simpatia por Natalino. Afinal era Juiz de Direito da cidade e diziam que seria o futuro prefeito. Dizem que politica e escotismo não se misturam, mas ali em Pau D’Alho era diferente. João Liborno foi chamado. O distrital já o tinha encravado na garganta. Quantas vezes aprontou? Quantas vezes criou caso por uma simples questão de semântica? Agora o prefeito Bafudonça lhe telefonando todo dia porque ele fez um galpão e lá esta alojando a “peste negra” da cidade. Não tinha jeito. Mandou uma carta para João Liborno avisando que um processo estava em andamento e enquanto isto ele estava suspenso de suas funções. Dois dias depois recebeu uma resposta de João Liborno. Duas palavras somente. Nada mais. – “Vá à merda”! Foi à conta. A carta foi xerografada. Deus e o mundo recebeu uma copia. A UEB não se manifestou. Disse ser problema da região e do distrito.

                     João Liborno todos os sábados impreterivelmente às duas da tarde lá estava na sede Escoteira. Isto sem contar a ultima excursão que fez com os seniores que ficou na história. Alugou dois carros de bois do Chico Landi, um fazendeiro amigo dos Escoteiros e com uma dúzia de bons Guzerá lá foi ele com seus seniores para fazerem a mais aventura de suas vidas. Japielton me contou que nunca se divertiu tanto. Adorava o lamento ou canto que as rodas faziam. Todos aprenderam a colocar a canga, o canzil, a arreia, o cabeçalho, manuseavam com perfeição a cheda, a cantadeira, o cocão, o fueiro, e quando não estavam assentados na mesa lá ia eles se revezando com a vara do ferrão a gritar: - Vamo Risoleta, vai que vai Tira Forno. Foram quinze dias inesquecíveis pelas estradas e serras do sertão. Quando voltou lá estava na sede o distrital e dois soldados. – Fora, fora, você esta exonerado. Me entregue seus distintivos e uniforme. João Liborno ficou branco. Ia falar um palavrão mas deu as costas a todos e foi embora.

                       Não voltou mais ao grupo. Agora se dedicava aos seus doentes e os sem sorte na vida. Não dava sossego a ninguém. Sempre pedindo para seus pobres. Claro que o galpão não acomodava mais ninguém mas João Liborno não desistia. Nas eleições de novembro ele disse a um candidato a governador: - Me ajuda com meus pobres? Doutor Pasquacio foi eleito. Não esqueceu o pedido de João Liborno. Mandou fazer um prédio enorme, com todas as condições para ser o melhor hospital da cidade. João acompanhava as obras sempre sorrindo, claro que os seniores não o abandonaram. O dia da inauguração chegou. João Liborno colocou seu uniforme caqui e seu Chapelão, e lá foi ele tomar posse do que era seu. Coitado do João. Nem o deixaram entrar. Ficou estupefato com a traição do Presidente Pasquacio. Foi para casa tão triste que resolveu fazer o ato que nunca teria feito. Afinal ele era um bom Escoteiro, um bom companheiro. Dizem que os seniores o ajudaram, eu não acredito.

                      Não era duas da manhã e o Hospital novo estava em chamas. Não havia ainda bombeiros naquela época. Ninguém sabe o que aconteceu. Os seniores não moveram uma palha para ajudar a apagar o fogo. Tudo foi destruído. Todos já sabiam que só podia ser João Liborno. Mas ninguém podia provar e ninguém o viu de novo na cidade. Só pode ter fugido. Ao fazer a limpeza das chamas encontraram seu corpo Em uma placa de metal ele deixou escrito. Escoteiro eu fui. Sua filosofia morou em meu coração. Mas que Deus me desculpe, não suporto a traição. Quem com ferro fere com ferro será ferido. Dizem eu não sei se foi verdade que mesmo com o hospital destruído o Prefeito Bafodonça decretou três dias de festividade. Ele mesmo fez uma festança em sua fazenda. Livre dele era ficar feliz para sempre!


                          No auge da festa, uma fumaceira tomou conta, sua casa na Fazenda Boi Manco pegava fogo. Quando iam para lá, a prefeitura ardia em chamas. Todo mundo corria para todo lado. Ninguém sabia o que fazer e o fórum também pegou fogo sem esquecer O Palácio dos vereadores.  Não podia ser João Liborno. Ele estava mortinho da silva. No outro dia todos pensavam a mesma coisa. Seria coisa do João Liborno, veio do outro mundo para botar fogo no sertão? Se ele estava morto que seria o culpado? Até hoje ninguém soube. Se não foi João Liborno e sua alma penada quem foi? Decida você leitor.    

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