sábado, 25 de janeiro de 2014

As mil e uma noites de um acampamento de verão.



Todo mundo sabe qual a definição de um bom pouso: é quando você pode sair dele caminhando. Mas pouca gente sabe a definição de um ótimo pouso: é quando, além disso, você pode usar o avião outra vez.

Conversa ao pé do fogo.
As mil e uma noites de um acampamento de verão.

                              Chefe! Oh Chefe! Galo não tem dente! Eu falava e morria de rir. – Aquele tinha e olhe uma dentadura de fazer inveja. Dentes enormes. Eu ria todos nós riamos. Alí na beira do Riacho Grande nos encantávamos com as historias do Chefe Joe. Na cidade o chamavam de Comandante. Todos o respeitavam muito. Meu pai disse que ele foi piloto da F.E.B (Força Expedicionária Brasileira) e pilotava um P.51 – Mustang. Meu pai dizia que ele tinha muitas histórias para contar das esquadrilhas e ele ria quando diziam para ele – “Senta a Pua”. Ele sabia que isso significava que o piloto tinha coragem e que na hora da disputa aceleravam o avião o mais rápido possível. Tudo mudou depois que ele chegou. A tropa pequena, muitos escoteiros saindo, o nosso Chefe de grupo não sabia o que fazer. Chefe Nelson não quis mais ficar e não tínhamos ninguém. Nem sei como convidaram o Chefe Joe. Ele já estava entrando nos seus cinquenta anos. Loiro, alto e magro, cara lisa sem bigodes, cabelos embranquecendo, andava meio curvado apesar de ainda ser bastante esperto.

                                Naquela noite de verão a nossa Patrulha de Monitores estava acampada ha dois dias as margens do Riacho Grande. Cada dia mais nos divertíamos. O Chefe Joe tinha tudo para nos atrair. Ele era demais. Isto não existia antes. No grupo o Doutor Mamede o Chefe do Grupo estava preocupado. O Chefe Joe deu férias para todos os escoteiros, ou melhor, seis deles, pois ficou com oito. Dizia que sem bons Monitores e subs não podia haver uma tropa escoteira. Eu estava lá, não era Monitor nem sub, mas fui escolhido. Adorava o Chefe Joe. Chegava a sonhar com ele. Mudou tudo na tropa. Pouco nós ficávamos na sede. Era excursão, jornadas, bivaques e acampamentos. Cada um mais gostoso que o outro. Aprendemos com ele cada técnica mateira que nunca sonhávamos. A arte do uso do cipó foi por nós absorvida a ponto de abandonarmos inteiramente o sisal.

                               Passava das dez da noite. Uma brisa gostosa e o fogo se mantinha aos trancos e barrancos. Um céu estrelado e nossos olhos estavam fixos no Chefe Joe. – Continuando – disse ele - Ventania tinha dentes, tinha mesmo. Podem acreditar. Ele me olhou e eu olhei para ele. Precisava dos ovos e ele era o dono do galinheiro. Ficamos encarando um ao outro. Caminhei até o primeiro ninho e ele me deu uma mordida na perna e uma esporada no braço com sua perna direita. Sua espora era enorme – Olhei para ele e disse - Quer briga? Vais ver com quem está se metendo! Sou um Comandante! Estive na guerra! Um galinho de nada me desafiando? Levantei os dois braços e preparei para lhe um soco e ele de novo me deu outra esporada. A galinhada no galinheiro fazia uma anarquia danada. Galo maldito! Josenilton devia saber aonde ia me meter. Ele érea o dono do galinheiro. Comprei duas dúzias de ovos e ele disse estar com pressa – Vá lá ao galinheiro. Tem muitos ovos. É só pegar.

                              A Patrulha rolava de rir. Precisavam ver como o Chefe Joe contava a história. Sempre fora assim. Durante o dia em um jogo ele fantasiava de tal maneira que a gente se achava mocinho, polícia, soldado, índio, ou seja, lá o que for. Nossos acampamentos eram demais. Ele para nos adestrar a cada atividade trocava o sub. Monitor, dizia que ele era o Monitor dos Monitores. O sub precisava aprender a liderar. Quando foi minha vez tremi. Um medo enorme. Mas achei que me dei bem. Nas Conversas ao Pé do Fogo ele balançava a cabeça ficava em pé como se estivesse bêbado e dizia: - Tenho que liderar, tenho que liderar. Meu corpo depende de mim! Em pé! Firme! Então ele ficava ereto e andava em linha reta indo e voltando. – A gente não entendia, mas aos poucos seus exemplos e explanações nos faziam aprender a liderar com amor, com respeito e um belo dia ele disse:

- O Dia chegou. Vocês estão preparados. Mandei chamar os meninos que dei licença. Não voltarão todos e sei que a maioria vai voltar. Agora se vocês fizerem com eles o que fiz com vocês teremos em breve quatro patrulhas das melhores que existem. Dito e feito. Agora era outra reunião, outra motivação. Claro que não era só nós os responsáveis. Afinal o Chefe Joe era único. Ele sabia como dirigir a tropa. Só que ele dizia que não liderava e sim nós os Monitores sim. Ele acompanhava e orientava. – Mas Chefe! E o Senhor, conseguiu ou não os ovos no Galinheiro do Josenilton? – Ele ria, seu sorriso era contagiante. – Achei melhor deixar os ovos lá. Se o Ventania defendia com tanto vigor seu lar não seria eu quem iria obrigá-lo a fazer o que não queria. Quando sai do galinheiro, ele se reuniu com outros galos, chamou as galinhas e deram uma tremenda vaia em mim! Kkkkkkk!

                - Isto é mesmo verdade Chefe? – Claro ele dizia, quando voltei lá no galinheiro outro dia com o Josenildo ele se posicionou para briga. Eu não entrei. Não ia de novo brigar por uns ovos. Josenildo me trouxe três dúzias e um pintinho. – Como recordação Comandante. Se tiver um lugar pode criar sem susto. É filho do Ventania. E não é que era verdade? Com dois meses os dentes começaram a nascer.  Vendaval mora comigo até hoje. É meu amigo, meu companheiro e toma conta de minha casa como ninguém! – Pensei em pedir a ele para conhecer o galinho Vendaval, mas achei melhor que não. Ele ia se sentir insultado pela dúvida. Durante cinco meses a tropa cresceu, já estávamos com quatro patrulhas completa. Ninguém faltava.

                  Uma tarde de verão Chefe Joe chegou à sede. Abriu o porta mala do seu carro, fez uma saudação Escoteira. Ninguém entendia, saltou de lá um galinho. Cheio de dentes. Era o Vendaval. Tal pai tal filho. Ninguém podia se aproximar. Mas nós riamos a valer. O livro de Atas da Corte de Honra e de todas as patrulhas ficou cheio com os relatos dos escribas. – Olhava para o céu. Um cometa passou brilhando deixando um rastro de pedras preciosas. Estávamos todos em silêncio. Até o Chefe Joe agora estava calado. Ele também vidrado no céu brilhante. Pensei comigo que ele voltava ao passado, pilotando seu Mustang nas lutas infernais que participou. O Laranja dos foguetes zumbindo no ar, a cor purpura explodindo em um céu que iluminava o piloto tentando escapar com seu paraquedas. Seu avião uma bola e fogo a cair em meio da metralha da noite.

                       Lembro que em uma noite, estamos todos na porta de sua barraca, onde ele prazerosamente fez para nós, bancos baixos e nunca ficávamos sem um café na brasa um biscoito uma bala de hortelã. Nesta noite ele olhava para o céu estrelado e nos disse pensativo, voz baixa, olhos fixos no céu: – Sabem, quando precisarem compreender melhor uma situação, um problema, é preciso ver as coisas com certo distanciamento. Se tiverem aborrecimento, injustiças, desgostos, sonhem que estão em um Mustang, subam com seu avião às alturas e olhem lá embaixo as pessoas. Tão minúsculas. Pequeninas e nós somos tão grandes! Porque nos preocuparmos com pequenas coisas? Eu fazia isto e olhe, meu equilíbrio emocional voltava e a raiva desaparecia. Eu nunca tinha visto um Mustang. Eu forjava um na minha mente. Mas era um Teco-Teco o único que conhecia. Mas me sentia um verdadeiro piloto. Ria de mim mesmo ao me chamar de Comandante!

                   Deus sabe e o que faz. Trouxe-nos o melhor Chefe do mundo. Olhe não existe nenhum Escoteiro da Tropa Senta Pua que não se orgulha do nosso Chefe. Quando chega às noites de verão, Ele chama a Patrulha, e lá estamos nas montanhas verdejantes, nas campinas mais distantes em ravinas ou vales floridos a acampar com o Chefe Joe. A Patrulha de Monitores sempre está em ação. Gosto disto. Adoro ser Escoteiro e ter um Chefe como o meu Comandante me faz vibrar e me orgulhar do nosso querido movimento. E quer saber mesmo? Amo de montão o meu Comandante. O meu querido Chefe Joe.



Senta a Pua! é o símbolo e grito de guerra do 1º Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira, tendo suas origens na Segunda Guerra Mundial.

O símbolo foi criado pelo então Capitão Aviador, Major-Brigadeiro Fortunato Câmara de Oliveira, Comandante da Esquadrilha Azul.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Narkis, o Lobo Solitário do Vale da Serpente.


Lendas escoteiras.
Narkis, o Lobo Solitário do Vale da Serpente.

         Jonny Thorton tinha uma idade indecifrável. O que ele fazia para se manter sempre jovem ninguém nunca soube. Quando o vi pela primeira vez estava com doze anos. Levei o maior susto com ele. Fazíamos um jogo de tocaia e eu estava escondido na curva do Moinho e de tanto esperar que alguma patrulha passasse para anotar os nomes estava cochilando. Senti seus dedos tocando o meu ombro e quase cai do galho da árvore que estava aboletado. – Lá vem dois ele disse – Olhei na Estrada e vi Manfredo e Rosinaldo pé ante-pé tentando esconder dos índios selvagens. Eu era um índio selvagem. Quando o procurei novamente ele sumiu. Sumiu como? Ali era um topo onde para qualquer lado se via quem tentasse correr. Oito anos depois, eu estava já com meus 21 anos e fazia uma atividade aventureira que deu um trabalho enorme. Calculamos eu e os monitores que iriamos percorrer aproximadamente 42 quilômetros a pé. Nós erramos feio. De 42 foi para 65 quilômetros.

         O plano era seguir a estrada do Boiadeiro até o Vale da Serpente. Calculei que atrás do vale em uma pequena cadeia de montanhas passaria a nascente do Rio Esmeralda. Se fosse verdade e com uma boa jangada iriamos alcançar em um dia o Rio Doce e de lá mais um dia até nossa cidade. Uma bela volta. Uma bela atividade aventureira só com monitores. Eu era assistente do Chefe Laerte. Um dia antes me disse que não podia ir. Assumi e disse a ele que não se preocupasse. Após dez quilômetros de caminhada uma chuva rala começou. Esta sempre é a perigosa, pois já dizia um antigo Velho lobo que se tens vento e depois água, deixa andar que não faz mágoa, mas se tens água e depois vento põe-te em guarda e toma tento! Dito e feito, a chuva aumentou e passamos boa parte do dia debaixo dela. Nossas capas eram pequenas e sentia que todos estavam ensopados. Avistei as duas pedras do Jacu onde se iniciava o Vale da Serpente. Entrar lá com aquela chuva não era boa ideia. Não conhecia, mas em todo vale sempre tem um riacho. Uma cheia e poderíamos sofrer consequências graves.

         - Olá Chefe! Ouvi alguém falando atrás de mim, virei e lá estava Jonny Thorton. – Venham comigo, sei onde podem se abrigar. Com a chuva torrencial não disse nada e o segui. Uma hora depois avistei uma cabana. Entramos. Não era grande, mas dava para nos descansarmos e até dormir um pouco até a chuva passar. Jonny Thorton era um sujeito estranho. Usava uma espécie de macacão azul de brim mescla, acho que feito por ele mesmo, sem gola e sem mangas na camisa e boa parte dela presa por cipó trançado. Andava com uma espécie de Mocassim e quase não fazia barulho. Vi quando acedeu um fogo no seu fogão de barro e deixou um caldeirão grande com agua a esquentar. Foi até uma escada, subiu e retirou sobre a telha dois pedaços grandes de mandioca e um pedaço menor de uma carne seca. Quer saber? Nunca tomei uma sopa como aquela. Não sei se foi à fome ou o ambiente, lá fora chuvoso, dentro um ambiente gostoso e em pouco tempo todos dormiam a sono solto.

          Acordamos cedo. Não vi Jonny Thorton. Lá fora não chovia, mas o céu ainda nublado. Fizemos um conselho de patrulha e todos foram unânimes em não desistir. Quando abri a porta da cabana um enorme lobo estava em pé, serrando os dentes e voltamos correndo para a cabana. Enfrentar o lobo não dava. Duas horas depois Jonny Thorton chegou. O lobo deu um enorme salto em cima dele e ambos caíram no chão. Tinha que ajudar a quem nos ajudou. Com o bastão sai pronto a usá-lo no lobo. – Não faça isto! Gritou Jonny Thorton. Ele é nosso amigo! Parei e esperei. A patrulha ficou dentro da cabana. – Narkis! Ele gritou, o Escoteiro é nosso amigo! O lobo me olhou de soslaio. Narkis! Veja! Ele tem alimento como o meu. – Tirei do bornal um pedaço de linguiça e dei para ele. Nunca em minha vida vi um lobo assim. A chuva voltou a cair. Corremos para a cabana e o lobo foi atrás.

        Mais uma noite na cabana de Jonny Thorton. Desta vez em companhia de Narkis, o lobo amigo. – À noite comemos um delicioso quitute de tomate misturado com peixe cozido e uma farinha de milho de dar água na boca. Jonny Thorton tinha no vale um belo restaurante e viveres que nunca iriam faltar. – A noite ele começou a contar sua história. Nascera em uma pequena cidade às margens do Rio Mississipi nos Estados Unidos. Era filho de Cabelos Longos, um índio da tribo Chicksaw. Com nove anos subi a bordo de um barco em Terra Blanca e fui aprisionado por um capitão mau. Trabalhei a bordo por meses até que escondido desci em Port Gibson e mendiguei por anos. Com 14 anos consegui emprego em um navio cargueiro de ajudante de cozinha e vim parar no Brasil, em Vitória no Porto Tubarão. A pé subi as planícies do Vale do Rio Doce que lembravam-me minha terra e descobri este lugar. Não sei quem é dono destas terras, mas daqui não saio nunca mais.

         Narkis eu o conheci quase morto próximo ao Lago Salgado. Deram um tiro nele e consegui tirar a bala. Ficamos amigos e ele sempre me salvou de poucas e boas. Olhei para os monitores e subs, estavam de olhos arregalados na história de Jonny Thorton. - Narkis, continuou – Já pôs para correrem muitos malfeitores que fogem para este vale. Aqui não tem ouro e nem pedras preciosas, mas nunca irei sair daqui. Se me lembro bem devo estar com quase setenta anos. Não sei. Perdi a noção do tempo. O Lobo deitou aos seus pés e nós também fomos dormir. No dia seguinte o sol apareceu. Agradeci a Jonny Thorton a acolhida. Ele sorriu e disse que Narkis iria nos mostrar o caminho até o Rio Esmeralda. Ele riu. Existe sim, posso apostar, pois eu o conheço! Partimos. O lobo sempre à frente. De vez em quando olhava para trás. Uma hora parou com suas orelhas levantadas significava perigo. Bem acima de nós eu vi uma enorme onça parda. O dobro do peso do Lobo Narkis. Durante alguns minutos um olhava para o outro. Pareciam conversar. Narkis fez um sinal para seguirmos. Passamos a poucos metros da enorme Onça Parda.

        Atravessamos todo o Vale da Serpente sem nenhum tropeço. Se não fosse Narkis não sei se teríamos conseguido. O Rio Esmeralda era majestoso. Fizemos uma bela Jangada e tudo correu conforme os planos. Ficamos dois dias a mais que o planejado, mas valeu. Norberto um dos monitores me disse que os demais contam a todos os amigos sua aventura no Vale da Serpente. Só que não dizem onde ficam. Combinamos de preservar a identidade do Jonny Thorton. Por vários anos mantivemos um contato com Jonny. Um dia ele me procurou na sede do grupo e disse que ia partir. Seu pai agora era proprietário de uma vasta terra onde a tribo morava próxima a New Orleans. Ele morreu e o único herdeiro era ele. – E Narkis o Lobo? Perguntei – Ele vive ainda, mas muito Velho. Nunca dependeu de mim para sobreviver. O tempo passou e uma lenda se formou no Vale da Serpente. Dizem que um Lobo Solitário e uma Onça Parda dividem as noites de lua cheia e nenhum homem pode se aproximar.

           Verdade ou não eu sabia que a lenda era real. Pensei até em visitar Narkis, agora chamado de Lobo Solitário. Desisti, pois ele tinha uma vida, uma companheira e humanos nem sempre são bem vindos para estes animais.

Vida longa para Narkis o Lobo Solitário e sua amiga, uma Onça parda e que vivam para sempre no saudoso Vale da Serpente! 



quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Ser ou não ser, eis a questão!


A preguiça anda tão devagar, que a pobreza facilmente a alcança.

Conversa ao pé do fogo.
Ser ou não ser, eis a questão!

                Leon não tirava férias no final do ano e nem tampouco em julho. Sempre trabalhou duro, mas sabia que sem férias ele poderia dar um “piripaque”, pois seu trabalho exigia muito. Saia sim, por quinze dias em setembro. Comentou isto com a Assistente Social da empresa. Moça simpática, eles conversaram por horas e ele viu outra estrada em sua vida. Mais trabalho? - Outro tipo de trabalho Leon – ela disse. O voluntariado. Leon pensou muito sobre o assunto. Ela mesma fez questão de lhe dar uma lista onde precisavam de voluntários para ajudar. – Olhe Leon hoje em dia as empresas no mundo inteiro estão valorizando muito o colaborador da empresa que participa do trabalho voluntário. Não deu outra. Ia ser um voluntário. Olhou na lista e viu mais de 50 entidades assistenciais. Nenhuma lhe chamou a atenção. Lembrou que sempre interessou por aventuras, viagens, explorações em montanhas e atividades aventureiras. Quem sabe encontraria alguma assim? Sentado na poltrona de sua quitinete viu pela televisão uma turma de Escoteiros em reuniões de sede. Nunca foi e nunca pensou em ser. No seu microcomputador fez uma pesquisa. Estavam lá o fundador, as atividades, o método e como era o escotismo no Brasil.

          Leon pensou porque uma organização de jovens com um programa tão bonito não tinha um marketing mais agressivo para arregimentar voluntários. Viu que ela nem estava na lista da assistente social. Não havia um chamativo não havia nada a não ser se alguém se interessasse em procurar para saber o que era o Escotismo. Procurou na sua região o Grupo Escoteiro mais próximo. Isto aconteceu há três anos e os pormenores do que houve, do seu treinamento, dos cursos e da sua promoção a Chefe da Tropa não entraremos aqui em detalhes. Leon amou o escotismo. Entregou-se de corpo e alma e tinha uma meninada na tropa que o adorava. Em principio não houve questionamentos. Ele começou a aprender a fazer fazendo as técnicas escoteiras com seus monitores. Leu sobre isto nos livros do fundador. Transformou-se em um mestre. Só havia um problema que Leon questionava sempre. O tempo útil com seus Escoteiros. Ele somou os dias de reuniões no ano e achou que se dedicava apenas três ou quatro horas por dia num total de 36 dias. Pouco. Muito pouco. Isto não dava 120 horas por ano.

           Leon lembrou que tinha de somar os acampamentos, acantonamentos, excursões e atividades distritais e regionais e mesmo assim nunca passou de 200 horas por ano. Pesquisou outras formas de trabalho voluntário e viu que em todos eles o tempo despendido era bem maior. Na sua empresa 200 horas era o que fazia em vinte e poucos dias. Se o movimento Escoteiro queria mudar o jovem na sua formação individual, dando a ele oportunidade de desenvolver seu caráter, sua liderança por sim próprio o tempo dedicado era escasso. Pensou muito sobre as férias do Grupo Escoteiro. Acreditou que eles estavam se comparando a uma escola que sempre tinha mais de 4 horas de aulas por dia, cinco dias por semana. 30 dias corrido em julho. 60 em janeiro e fevereiro e sem contar dezembro dariam mais de 70 dias. Isto considerando que paravam em 15 de dezembro e só voltavam em março. Ele achava que era muito tempo perdido. Pensou muito em tudo isto e viu que nas reuniões de tropa se perdiam muito tempo com outras atividades que eram necessárias, mas que as mais importantes não eram feitas. Sempre dois ou três jogos, quase trinta minutos com cerimonial de abertura e encerramento. Notou que quase não sobrava tempo para as patrulhas se reunirem, conversarem, trocarem ideias e se adestrarem. Ele tinha sugerido que os monitores convencessem os demais a fazer uma reunião extra na semana. Só a patrulha. Podia ser na sede ou em casa de algum patrulheiro. Isto quem sabe podia ajudar.

             Ele lembrou-se das palavras de Confúcio que dizia – Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha. Não queria raciocinar sozinho. Queria ouvir as patrulhas e os monitores. Ele tinha dois assistentes. Alessandro e Ramon. Ambos casados e ambos com filhos no grupo. Sabia que viajavam sempre nas férias um para o litoral e outro para o interior. Eles ficaram ressabiados quando Leon tocou no assunto. Mas Leon não forçou. Se houvesse uma mudança ela teria que ser feita sem pressa e bem pensada. Não foi Shakespeare quem comentou que se todo ano fosse de férias alegres, divertirmo-nos tornar-se-ia mais aborrecido do que trabalhar? Estavam em meados de setembro. Leon levantou o tema com os monitores. Que eles discutissem em suas patrulhas – Disse para todos que gostaria de opiniões sobre as férias que eles tinham e a tropa ficava inativa. O que eles achavam? Ele por experiência sabia que no retorno das férias para voltar ao normal demorava-se três ou quatro reuniões, ou seja, um mês e isto sem contar muitos faltantes.

         O assunto extrapolou a tropa. Foi interpelado pelo Diretor Técnico. Ainda bem que era um Chefe compreensivo. A princípio propôs que poderiam estudar dois grandes acampamentos em julho, janeiro ou fevereiro. Ele comentou que os acampamentos de tropa eram de dois ou três dias e poucas vezes ficaram quatro dias. - Já pensaram disse fazermos um acampamento de seis ou oito dias?
Seus assistentes o olharam de esguelha. – Calma ele disse, poderemos nos revezar. Podemos fazer uma pesquisa com os pais quando eles iriam voltar de férias. Não vai ser difícil chegar a um denominador comum. Vocês devem saber que os acampamentos de férias particulares oferecem pouco por um valor enorme. E sempre os jovens que vão ficam mais de sete dias e sei que quase não tem vagas nestas épocas. Leon sorriu e viu que sua ideia germinava. Os poucos acampamentos que faziam eram muito corridos. Lá também se perdia tempo. Quase não dava para fazer o que ele sempre sonhou. Viver e conhecer a natureza. Grandes aventuras. Grandes pioneiras, caçadas com armadilhas e grandes pescarias. Ele adorava pescar. Queria ensinar sua tropa a pescar assar e comer o próprio peixe pescado.

          Não foi Pitágoras quem disse que com organização e tempo, acha-se o segredo de fazer tudo bem feito? Leon sabia por experiência que tudo tem de haver um começo. Se na primeira dificuldade ele desistisse era melhor desistir de tudo agora. Custou um ano a preparação, a pesquisa com os pais, convencer os demais chefes no grupo e então Leon viu seu sonho realizado. Em julho ele fez um acampamento de seis dias, em janeiro quase no final do mês outro de oito dias! Todos os jovens da tropa contavam a dedo quando chegariam às férias. Agora seriam outras férias. Adoraram pescar, eles aprenderam a seguir pista de animais, Roque o Monitor se encantou quando conseguiu chegar perto de um quati aprendendo a usar o vento a seu favor. Descobrir ninhos e ver como eram feitos levou um dia. Fazer amizade com uma coruja não foi fácil. Aprender o canto dos pássaros e dos animais demorou-se bastante tempo. Descobrir aberturas nas matas, atravessar riachos, tudo feito por eles mesmos sem chefes por perto eram uma aventura. Achar uma orquídea num vale distante deu o que falar. E a jornada? Um dia inteiro com mapas e croquis e claro com uma Bússola Silva velha de guerra e uma Prismática. Fizeram um grande jogo de madrugada, um apito de socorro acordou todo mundo. A ajuda ao próximo com os olhinhos mortos de sono valeu qualquer jogo que fizeram antes. A construção de uma passagem aérea com cipós e o ninho de águia foi demais. O elevador deu o que falar.

           Leon sorria quando se lembrava de técnicas que todos falavam e nunca usaram ou aprenderam. Agora tinham tempo. Nada de correrias de levantar muito cedo, fazer a inspeção sim, bandeira almoço jantar tudo feito com calma. Joguinhos sem graça foram colocados no fundo do bornal. Agora era tudo diferente. Aprenderam a dar um nó de evasão de cabeça para baixo, ficar pendurado em uma corda e fazer uma amarra quadrada ou diagonal na construção de uma torre, e os nós? Feitos na prática. As costuras de arremate eram feitas com rapidez. Aprenderam a lavar a roupa e passar no estilo Escoteiro. Um volta de fiel duplo no alto da arvore, um arnês, um balso pelo seio e tantos outros agora era divertido fazer. Aprenderam a acender e fazer uma bela fogueira sem fósforos ou isqueiros. Eles ficaram técnicos em percursos de Giwell, orientação pelas estrelas e constelações à noite sem bussola, treinaram até cansar o passo Escoteiro, o passo duplo. O jogo de transmissão noturno com Morse foi um sucesso. E o Semáforo? Eles riam a valer com os erros e acertos. Treinaram provas de cozinha, o frango no barro, o arroz sem panelas, assar um peixe na brasa, fazer café sem coador e tantas outras iguarias que quase todos queriam também ter sua especialidade de cozinheiro. Agora eles tinham tempo. As patrulhas ficavam mais tempo juntos. Os chefes deixavam sempre eles aprender fazendo. Leon conseguiu um belo serrote de carpinteiro e um Traçador. Deram belas risadas quando foram serrar uma tora já cortada na mata. Era para serrar 28 bancos com os tocos e no primeiro dia nenhum. Risos. A turma aprendeu tudo com amor, pois ele levou um marceneiro amigo de um pai Escoteiro.

            Valeu a pena e se valeu. A união das patrulhas aumentou ninguém naquele ano desistiu do grupo, vários outros jovens quando souberam destes acampamentos aventureiros procuraram entrar e em pouco tempo as patrulhas estavam completas. Não foi tanta modificação que Leon fez, mas os dois acampamentos nunca serão esquecidos por nenhum dos jovens que tiveram a oportunidade de participar deles. Os pais até se alegravam, pois ter os filhos em casa, sem reuniões e sem escola dava trabalho. Leon continuava seu trabalho na empresa. Comentou com a Assistente social. Ela ria da alegria de Leon. Ela mesma disse que vários na fábrica gostariam de participar. Devagar, devagar ele disse. Tudo há seu tempo. Férias? Pensou Leon, 90 dias parados? É coisa do passado. Ser ou não ser? A questão não é essa. A questão é quem sabe o que faz e procura vencer nos seus sonhos tem seu dia de glória!     

Tempo: - Só no escotismo que o voluntário tira férias de três meses ou mais. Os demais voluntários que ajudam em outras obras assistenciais param sim, nos dias que vão viajar. Depois na volta continua seu trabalho a que se propôs fazer. E afinal, 90 ou 60 dias? Quem viaja tanto?             
  
Aqueles que não fazem nada estão sempre dispostos a criticar os que fazem algo.



segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Um sonho de liberdade.


"A cada novo minuto você tem a liberdade e a responsabilidade de escolher para onde quer seguir, mas é bom lembrar que tudo na vida tem seu preço."

Conversa ao pé do fogo.
Um sonho de liberdade.

        Jacob desde pequeno sonhava em ser Escoteiro. Sua cidade Ramallah na Palestina nunca teve um Grupo Escoteiro. Eles viviam em sobressalto devido às divergências entre países e Jacob não entendia o porquê eles não davam as mãos e fossem viver em paz e como irmãos. Jacob nasceu em Flores da Cunha uma pequena cidade no interior de Pernambuco. Um dia seu pai juntou a família e partiu para a Palestina. Disse que lá era seu lugar. Seus avós nasceram lá e lutaram até a morte para serem livres. – Livres? E quem é livre? Jacob pensava. Ele mesmo tinha lido em um livro que a verdadeira liberdade é um ato puramente interior, como a verdadeira solidão: devemos aprender a sentir-nos livres até num cárcere, e a estar sozinhos até no meio da multidão. Jacob nos seus onze anos era um sonhador. Nunca imaginou viver em uma cidade onde o medo de morrer era uma constante. Medo? Mas qual palestino tinha medo? Eles sempre não diziam que dariam sua vida pela liberdade de sua terra?

      No inicio a curiosidade e o modo de vida chamou a atenção de Jacob. Viu sua mãe e sua irmã Natividad mudarem completamente. Agora viviam fechadas dentro de casa e quando saiam colocavam véus para ninguém poder reconhecê-las. Assim ele pensava. Alguns meses depois acostumou com tudo. Gente andando para qualquer lado com um fuzil no ombro e gritando palavras de morte ao usurpador. Jacob não entendia nada. Lembrava-se de sua terra onde nasceu, uma cidade cheia de paz e harmonia. Lembrava-se das histórias que seu pai contava e como ele ria quando viajava nos seus pensamentos vivendo as aventuras escoteiras de seu pai. Ele tinha sido Escoteiro. Contou que fora Monitor de patrulha, fizeram centenas de acampamentos, beberam água da fonte, nadaram contra a correnteza para pegar peixes grandes com a mão na época da piracema. Jacob com seus olhinhos miúdos não os tirava do pai. Adorava seu pai quando contava histórias de escoteiros e Jacob vibrava.

     Jacob sonhava quando chegasse a Ramallah ia ser um Escoteiro. Ele aprendeu com seu pai as leis e a promessa. Um dia seu pai lhe mostrou o uniforme e Jacob pediu humildemente ao seu pai para vesti-lo. Foi autorizado, mas só dentro de casa. Nunca na rua ou nos montes próximos. Ele tentava entender esta guerra sem fim. Seu pai lhe disse que as Terras lhes pertenciam. Era a Terra Prometida. Ia do Mar Mediterrâneo ao Rio Jordão. Havia mais de cinco milhões de judeus vivendo lá, e chamavam a terra de Israel. Outros tantos árabes que se julgavam donos da terra, que chamavam Palestina também acharam que eram os donos da terra. Diziam seus antepassados que chegaram lá primeiro. Seu pai dizia que eles lutavam pela liberdade. Dizia que para ter a liberdade teriam de lutar muito. Seria uma luta difícil, pois só se alcança quando nosso estado de consciência nos torna imune aos sofrimentos de nossa consciência. Um bom Palestino ele dizia devia ser imune aos sofrimentos, do orgulho, do ciúme e da vaidade. 

         Eleazar tinha dezenove anos. Ele era um soldado Israelense. Morava em um kibutz de nome Kfar Aza. Era bem próxima a Faixa de Gaza. Eleazar era brasileiro. Morava em Terra Nova uma cidade ao norte da capital do estado do Paraná. Nasceu lá. Tinha uma vida tranquila e feliz. Pudera, Eleazar era sênior e sem ninguém saber amava Angelina. Angelina era Guia e todos queriam ser seu príncipe encantado. Eleazar tinha conquistado o Lis de Ouro e partia agora para o Escoteiro da Pátria. Eleazar sonhava em casar com Angelina e ter sua casinha pintada de branco com muitas flores. Teriam muitos filhos também. Sonhos de menino homem que ainda não tinha abandonado a puberdade. Um dia estava com ela de mãos dadas. Levou uma pancada nas costas. Era o senhor Mujahid o Pai dela. Um homem mau. Soube que foram embora da cidade. Voltaram a sua terra na Palestina.

       Quando Eleazar fez dezoito anos procurou o Consulado de Israel. Queria ir para lá e garantiu que seria um bom soldado. Sempre foi um Escoteiro. Conhecia as técnicas de travessias, da camuflagem, de campismo e sempre fora obediente e disciplinado. Dois meses depois Eleazar foi embora para Israel. Sua mãe nunca aceitou sua ida. Seu pai calado não disse nada. Eleazar só tinha uma missão, encontrar Angelina. Ele iria atrás dela onde quer que fosse. Seu amor era grande demais para esquecer. Iria dizer ao senhor Mujahid que não tinha ódio. Ele era um Escoteiro, puro nos seus pensamentos nas suas palavras e nas suas ações. Passaram-se seis meses e nenhuma noticia de Angelina. Ele ia disfarçado de cidade em cidade na Palestina e nada. No Kibutz era bem considerado e todos o achavam um bom soldado.

       Um dia Eleazar vestiu seu uniforme Escoteiro. Gostava de vestir. Sentia-se bem com ele e sempre ia para os montes próximos e lá recordava de sua juventude, de seus sonhos do seu amor que como o vento se foi para nunca mais voltar. Ele gostava de deitar em baixo de uma Oliveira e ver as estrelas brilhando no céu. Seu instinto lhe mostrou que alguém se aproximava. Olhou com atenção. Era um menino de uniforme escoteiro. Impossível pensou, ali não tinha nenhum grupo escoteiro. Ele não sabia que era Jacob, o filho de um palestino que desobedecendo às ordens do pai subiu na montanha com uma pequena bandeira do Brasil que ele achou nas coisas do pai. Cada um viu o outro por um prisma. Um achando que encontrou um irmão Escoteiro e outro desconfiado do adulto uniformizado com um fuzil engatilhado.

           Aharon era um bom piloto.  Serviu na Força Aérea Brasileira por muitos anos. Deixou Guaratinguetá e foi para São José dos Campos como piloto de testes dos novos caças encomendados pela FAB. Gostava do que fazia e muito mais do Grupo Escoteiro Flores Vermelhas onde ajudava na Alcateia. Um dia um Major da força Aérea da Palestina disse que precisavam de bons pilotos para treinar a nova esquadrilha de caças que compraram. Seria por cinco anos e o salário era muito bom. Não titubeou e partiu. Um ano depois ele sentia muitas saudades de sua terra e de seu grupo Escoteiro. Em uma inspeção de rotina na fronteira ele estava em um Super Tucano EMB-314 da Embraer ele avistou o impossível. Dois Escoteiros se abraçando no Monte Ararat. Quem seria? Um era um Escoteiro e o outro devia ser um Chefe. Fez um voo rasante para dar as boas vindas e dar o seu sempre alerta. Uma bateria de mísseis israelenses viu a aproximação do Tucano em baixa altitude e abriu fogo.

             O Super Tucano explodiu e atingiu os dois Escoteiros que se confraternizavam naquele monte onde diziam Noé aportou sua Arca. A história termina. Cada um tinha um sonho que não se realizou. No céu uma nuvem azul e branca levou três Escoteiros cujos destinos ninguém nunca pensou que poderiam ficar juntos para o céu. Um dia quem sabe teremos liberdade suficiente para podermos decidir nosso destino conforme nossos sonhos. Todos ansiamos desde muito cedo na vida por mais liberdade. Quando ainda muito jovens, a liberdade é, para nós, essencialmente relacionada à realização de nossos desejos. Queremos fazer tudo, experimentar tudo, sem sermos tolhidos em nossos anseios de descoberta do mundo por quem quer que seja. 
Escotismo, um sonho de liberdade!

A esperança é uma coisa boa, talvez a melhor de todas, e nada que é bom, deve morrer. 



Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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