sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A Árvore da Montanha. (Um tributo à canção símbolo dos escoteiros do Brasil)


Lendas escoteiras.
A Árvore da Montanha.
(Um tributo à canção símbolo dos escoteiros do Brasil)

¶ A árvore da montanha
Ole-li aio...

        Não se mede o tempo. O tempo não pode ser medido. O tempo eu o trago comigo presente nas minhas lembranças como se fosse ontem, tudo está ali na minha frente como se estivesse gravado em minha mente em um filme que nunca esquecerei. Tanto tempo se passou? Alguns dizem que sim, mas para mim cada história do meu passado se torna presente quando eu começo a lembrar. Foi em um acampamento na Chapada dos Lagos Negros. Naquela estradinha de terra a carretinha não tinha o barulho peculiar das rodas na engrenagem. Nas retas dois bastavam para empurrar e nas subidas todos colaboravam. Moleque o intendente sabia do seu ofício. Ganhou do Seu Toledo do Posto de Gasolina um galão de graxa. Das boas. Sei que ela durou anos. Todo mês Moleque lavava a carretinha e lubrificava. Fazia isto com um carinho enorme. A carretinha era como se fosse sua vida. Grande sujeito o Moleque.

¶ Esta árvore tinha um galho O que galho, belo galho.
Ai, ai, ai que amor de galho. E o galho da árvore...

        A jornada era para todos os sete patrulheiros uma diversão. O acampamento nós sabíamos que deixaria saudades. Duas coisas chamavam a nossa atenção quando acampávamos na Chapada dos Lagos Negros. Logo depois da Curva do Lobo Cinzento avistaríamos o Sitio do Seu Modesto. Gente boa, grande amigo. Gostava da gente como se fossemos seus filhos. Tinha dois e eles cresceram, mudaram para a capital e o deixaram sozinho. Dona Salete morrera há muitos anos e ele fazia de tudo não só para os filhos como para os amigos que lhe davam a gratidão de uma visita. Ele não estava na varanda, mas ela lá estava imponente, enorme mais de seis metros, há mais linda Porteira que tinha visto. Dava um ar clássico e acolhedor às paisagens do campo. Entre as duas sebes os mourões de madeira de lei se sobressaiam. Quem a fez era um artista. Ela era verde, uma verde oliva que se sobressaia na entrada do sitio. Corremos até ela, tiramos as mochilas e sem avisar ao Seu Modesto encarapitamos em cima dela no primeiro vão entre uma taboa e outra. Um de nós empurrava até o barranco, dava seu pulo certeiro e lá ia ela correndo ao vão do outro lado com aqueles sete Escoteiros sorrindo e com um cantar que nunca esquecemos.

¶ A arvore da montanha
Ole-li aio...

      O barulho que ela fazia era uma melodia doce e suave para nossa audição de Escoteiros mateiros. Na varanda Seu Modesto chegava e nos cumprimentava. Querem almoçar? – Grato Seu Modesto, temos de partir, queremos chegar até às duas da tarde! E despedindo dele e da porteira partíamos. Agora era o Morro da Saudade. Quase dois quilômetros de subida. Todos em volta da carretinha empurrando. Sabíamos que logo após a Curva da Nascente ela estaria lá, imponente, a desafiar a natureza com sua arrogância de uma altura e copa sem igual. A Castanheira se destacava sozinha naqueles pastos verdejantes. Única a desfilar pelas terras dos sonhos.  Ela com sua magnífica pose reinava sozinha. Era hora de encher os cantis na nascente e molhar o rosto, tirar os sapatos e sentir a água fria nos pés. Uma delicia incomparável! Depois um descanso embaixo dela, descanso que muitas vezes ficamos até o raiar do outro dia. A Castanheira nos fazia sonhar, uma Árvore na Montanha que chegava aos céus.

¶ Este galho tinha um broto Ó que broto, belo broto.
Ai, ai, ai que amor de broto. E o broto do galho E o galho da árvore.

          Nossas mochilas nossos travesseiros saudosos nos fazia sonhar ali embaixo daquele sombreiro maravilhoso. A Árvore da Montanha parecia sorrir. Desta vez não ficaríamos muito tempo. Hora de partir, podia chover ou escurecer e precisávamos chegar. Partimos. Sempre olhando para trás como a dizer a Castanheira que não era mais que um até logo, não era mais que um breve adeus. A volta já estava marcada. No topo da serra onde a Árvore da Montanha reinava avistamos a Chapada dos Lagos Negros. Dois lagos pequenos com um grande bosque em volta. Quantas vezes fomos ali? Nem lembro mais. Eu só lembrava da Montanha onde tinha uma Árvore.

¶ A arvore da montanha
Ole-li aio (bis)...

           Sonhos não morrem jamais, sonhos vividos são lembranças firmes na mente que dificilmente deixaremos fugir com alguma outra recordação que não queremos perder. Acampamentos? Foram tantos! Todos marcados no livro da vida. Os campos que nos receberam sorrindo, as selvas que se apaixonaram por nós, os vales que se deleitavam com nossas presenças. Uma noite, duas um punhado. Sem novidades no Front. Ali na Chapada dos Lagos Negros nos divertíamos em um acampamento gostoso, um vento sul com brisas frescas, sem chuvas, lagos a pedirem que banhássemos em suas águas cristalinas. Foi no penúltimo dia quando a noite chegou fizemos um fogo estrela no centro do campo de patrulha, Escoteiros sorrindo, uma conversa ao pé do fogo, canções indo e vindo e ao cantarmos a Árvore da Montanha veio à lembrança. Olhamos uns para os outros. Não havia o que discutir. Iriamos partir um dia antes.

¶Este broto tinha uma folha. E esta folha tinha um ninho.
E este ninho tinha um ovo.

            O acampamento estava supimpa, gostoso, mas não sei por que nos deu uma saudade enorme da Árvore da Montanha. Partimos à tardinha. Lá estava ela, pomposa, imponente como a nos dizer – Sabia que viriam! Montamos rancho ali, um jantar delicioso, um fogo quadrante sem fumaça para não machucar a Castanheira. A noite chegou. Não tinha problemas... Sete Escoteiros ali sob a Árvore iriam tê-la junto às estrelas cintilantes como sua barraca, dormir e sonhar com a vida escoteira. A Árvore da Montanha estava feliz. E ela junto aquelas sete almas nobres também dormiu. Era como se estivessem abraçados. Tornaram-se um só. Brancas nuvens no céu sorriram. A estrela Dalva apareceu como se fosse um anjo para olhar aqueles heróis e aquela Árvore centenária que abrigou para sempre todos os Escoteiros do Brasil. Da árvore do silêncio pende seu fruto, a paz.

¶ E este ovo tinha uma ave. E esta ave tinha uma pluma. E esta pluma tinha um índio.
¶ E este índio tinha um arco. E este arco tinha uma flecha. Esta flecha foi na árvore ó que árvore, bela árvore. ¶ Ai, ai, ai que amor de árvore.
E a árvore da montanha
Olé-li-aio (bis).



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A saga de Plutão o labrador de Thereza.


Cego não é o deficiente visual; Mas, sim: - Aquele que a plena luz do dia anda na escuridão de suas indecisões e objetivos.

Lendas escoteiras.
A saga de Plutão o labrador de Thereza.

              Eu conheci Thereza há muitos e muitos anos. Minha família era amiga dos seus pais e eu já estava com meus vinte cinco anos. Quando nasceu ninguém poderia supor que ela tinha deficiências visuais. A visão é um dos sentidos que nos ajuda a compreender o mundo a nossa volta. A comunicação por meio de imagens e elementos visuais nos faz compreender melhor o mundo que vivemos. Thereza aos dois anos ainda não fora descoberta ser portadora de nenhuma visão. Seus pais faziam dela a rainha do lar e davam tudo para ela. Foi um choque o dia que descobriram que ela não enxergava nada. Lagrimas não paravam de cair. Parentes não acreditavam e corriam a casa de Thereza para saber o que houve, se foi deste que nasceu ou depois. Quatro meses se passaram até que ela foi levada a um especialista. Ninguém da família tinha qualquer conhecimento ou treinamento para ajudar e todos só sabiam reclamar de Deus reclamar da vida e pensavam sempre em sí próprios perguntando por que tiveram tal infortúnio.

            Thereza cresceu sem amigos. Os pais deram o que podiam a ela. Aulas de adaptações e deducionais para os deficientes visuais com bons programas e até recebendo o apoio de um Professor especializado. Thereza tentava a todo custo superar as barreiras, pois a sensação de impedimento frente a tantas barreiras era uma dificuldade enorme para ela. A superproteção dos seus familiares sempre a desacreditarem em sua capacidade de independência trazia enorme mal, pois ela nunca podia provar que era capaz de andar sozinha e ver o que não via usando os seus sentidos restantes. Sua autoconfiança não conseguia superar os medos e as desconfianças. Ela tentava e fazia um esforço descomunal para vencer estas questões. A escola que frequentava era fraca e as alternativas para superar isto deviam partir da família o que não acontecia.

           Thereza cresceu taciturna, falava baixinho, não saia na porta de sua casa. Dentro ela conseguia superar todas suas limitações. Seus pais dificilmente conseguiam um sorriso dela e sua mãe foi por todos os anos de sua vida, uma professa incansável e Thereza era uma aluna de uma vivacidade incrível. Ninguém da família nunca a incentivou a sair, conhecer através de relatos pontos turísticos de sua cidade. Um dia ela sentava no portão de sua casa ouviu alguém a cumprimentar. – Ola moça, meu nome é Patrice e sou seu vizinho. Quase não a vejo sair e pensei se não gostaria de conhecer meu mundo Escoteiro onde participo e onde tenho as alegrias que antes não tinha. Ela sorriu e ele percebeu que ela tinha deficiência visual. Nunca percebeu isto. Mas insistiu no convite. Quando ela comentou com sua mãe foi um Deus nos acuda. – Nem pensar minha filha. O que vai fazer lá no meio daquela meninada que vão para a floresta, para as montanhas e fazem suas aventuras? Você nunca poderá ser uma deles.

          Thereza não chorou. Estava acostumada com estas negativas. Uma semana depois alguém bateu a porta. – Boa tarde senhora, ela ouviu a voz de alguém falando para sua mãe. Minha patrulha fez uma vaquinha e compramos um labrador para Thereza. A mãe assustou. Seu pai levantou e foi ver o Cão. Lindo, negro, pele macia, um olhar doce e um respirar faceiro. Thereza já tinha ouvido falado em cães para deficientes visuais. Mas ficou assustada com esta possibilidade. Patrice riu quando ela tremeu e disse – Venha comigo vamos fazer a primeira experiência. Seus pais tentaram impedir, mas Patrice explicou que seu pai era veterinário e um adestrador de cães. Eles não precisavam ter medo. – Thereza resolveu enfrentar esta nova etapa da sua vida. Com suas mãos macias sentiu o pelo do labrador e sem perceber o chamou de Plutão. Foi amor à primeira vista.

           Durante vários dias Patrice saia com Thereza e passeava com ela puxada pelo seu cão, ou melhor, por Plutão. Pareciam que tinham nascido um para o outro. O treinamento foi intensivo e Thereza passou a ter um grande amor por Plutão. Patrice sabia que ela agora poderia desbravar novos caminhos, era uma questão de tempo, necessidade e disposição. A locomoção de uma pessoa cega é muito mais fácil do que parece, mas isto depende exclusivamente dela. Em um mês Thereza perdeu o medo, mas seus pais nunca acreditaram que ela poderia sair por aí sozinha. Eles tinham visto sua transformação, já brotava sorriso em seus lábios e tinham medo. Muito medo de ela sofrer um acidente. No sábado seguinte Patrice apareceu em sua casa e a convidou a visitar o Grupo Escoteiro. – Patrice, o que eu vou fazer lá? – Vai conhecer gente Thereza, vai conhecer seus amigos que ajudaram a comprar o Plutão. E claro vai participar conosco. - Eu? Como? – Esqueça seus medos Thereza, acredite em você!

          Mesmo contrariando seus pais Thereza foi. Plutão estava aprendendo caminho e a protegia sempre. Thereza nunca se sentiu tão feliz. Nunca esperou fazer amigos tão rápido. Ela adorou os seniores e as guias. Sentiu-se em uma grande irmandade. Cantou com eles e até fez jogos simples. A Patrulha Olavo Bilac fez dela um dos seus. Ela agora se sentia em casa. Eles não a tocavam. Deixava-a acompanhar a patrulha. Plutão sempre a seu lado. No shopping todos riam da alegria daquela turma alegre e disciplinada. Ficavam embasbacados por verem uma mocinha com um cão correndo aqui e ali e dando belas gargalhadas. Quando se preparavam para o acampamento anual distrito seus pais foram contra. Não adiantou o Chefe Manfredo e a Chefe Nair irem até lá e explicarem que não haveria perigo. Eles foram irredutíveis.

          Thereza parou de falar, de rir e sempre com expressão sombria. Plutão não saia do lado dela. Punha suas patas em seu colo e lambia seu rosto. Ela afagava Plutão com tristeza. Sentiu que não havia ninguém em casa. Pegou a correia de Plutão e saiu com ele. Queria ir para a praça. Queria desabafar, pensar que ela nunca poderia fazer o que gostaria de fazer. Não se revoltou com seus pais. Plutão saiu animado e ela sabia que estava em boas mãos. Atravessaram a rua no sinal e no parque ela sentou na grama em uma sombra. Sentiu uma mão em seu ombro. Uma voz cavernosa lhe disse que ela era linda. As mãos dele começaram a descer pelo seu corpo. Ela levantou e tentou correr, mas foi subjugada. Gritou por socorro, mas naquela hora não havia ninguém perto no parque. Ela ouviu um gemido, um grito de dor e o marginal pedindo socorro. Agora tudo tinha mudado. Plutão prendeu seus dentes no seu pescoço.

         A policia a levou em casa. Seus pais alvoraçados e Thereza sorrindo. Os policiais contaram o que houve. A mãe de Thereza disse que ela não saia mais sozinha. – Mãe eu nunca estou sozinha. Tenho Plutão. Thereza foi ao acampamento. Como foi lindo. Ouvir o cantar dos pássaros, sentindo o vento no rosto, sentir á água fria da nascente, o aroma das flores silvestres. Thereza não precisa ver. Ela sentia mais que alguém que tinha olhos e nunca enxergaram as belezas vivas da natureza. Thereza ajudou na cozinha, ia buscar água com Plutão que se divertia até fez muitas amarras e costuras de arremate nas pioneiras da patrulha. Thereza voltou outra. Sua mente não esquecia a maravilhosa noite do Fogo de Conselho.

        Nunca mais vi Thereza. Soube que ela mudou com a família. Um dia no jornal da cidade vi sua foto. Ela se tornou escritora e estava ficando famosa. Vi que Plutão estava com ela. Bem velhinho e sorridente. Atrás dela vi o Patrice. Não sei se casaram ninguém nunca me disse. Mas quem conheceu Thereza como era e possa vê-la agora, sabe que o mundo dos Escoteiros é único. É maravilhoso. Se ela que não podia enxergar sentiu isto quando viveu na natureza e os outros que veem e com seu olfato sentem o cheiro da terra? E com seu tato podem tocar as flores? E como é doce ouvir o cantar da Ventania no cerrado, os pingos da chuva numa tarde de verão.  Bendito seja Deus por nos dar esta oportunidade. Cada um escolhe seu caminho. Não importa se enxerga ou não, mas importa que aceita o que é sem reclamar. Palmas para Thereza!

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!




terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

As flores da primavera voltaram, pois o verdadeiro amor nunca morre.


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
As flores da primavera voltaram, pois o verdadeiro amor nunca morre.

Na mesma pedra se encontram, conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela, quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam hão de emendar-nos assim:
 “Ponham-me a cruz no princípio... E a luz da es
trela no fim!”.

        Naquela pequena clareira a pequena fogueira estava apagada. Nem brasas havia mais. A lua esquecera-se que ele estava ali e se escondeu em uma montanha distante. As estrelas no céu desistiram de tentar alegrá-lo e ficaram paradas no céu sem brilhar. Ele não tinha forças para ao menos colocar mais um galho seco, soprar e quem sabe o calor do fogo poderia ajudar na sua imensa dor. Uma dor cruel, uma perda que marcaria seu coração para sempre. Chorar? Ele chorou muito. Chorou quando soube, pensou em se matar em suas exéquias, sentiu a vida se esvair nos meses que ficou só sem ter ela sorrindo ao seu lado como sempre fazia. Os amigos escoteiros tentaram consolar, palavras bonitas surgiram e ele sabia que seu coração estava morto. Não ligava. Porque falar do artigo da lei? O que sabem da dor de uma perda de alguém que nunca mais vai voltar? Sorrir? Para que sorrir se nunca mais ela estará junto dele? Preferia estar morto e não se matou por que acreditava em Deus.

          O vento soprava de leve e a brisa da noite começou a cair. Ele não sentia frio e nem calor, seu corpo embruteceu-se nas suas necessidades mais simples. Tentava, chorava e por dentro gritava para si que precisava esquecer se não ficaria louco. Os tempos das alegrias se fora. Há tempos não acampava mais com a tropa. Não tinha motivos mesmo porque parou de frequentar as reuniões. Seus Escoteiros o procuraram, mas só viam lágrimas nos seus olhos. Sentia-se bem acampando sozinho. Sem vozes, sem alguém com sua piedade que não o satisfazia. A dor vinha mais forte ele sabia, mas pelo menos a natureza poderia lhe trazer a calma que ele precisava. Durante o dia tentava fazer uma pioneiría maior para passar o tempo. Mesmo que a fome não era tanta ele pouco ligava para ela. Pescara sim bons peixes que apodreceram na mesa rustica da cozinha que construiu. Ele gostava das noites sombrias. Nem ligava para a lua, para as estrelas e esquecera completamente o encanto do nascer e do por do sol.

          Não podia esquecer aquele dia quando a viu pela primeira vez. A chuva caia torrencial e ela brincava na chuva cantando e dançado com uma alegria tal que o encantou para sempre. Quem era ela? Não importava ele sabia que foi assim do nada que surgiu um grande amor. Ele sempre acreditou que os Escoteiros são fortes, sabem pular uma dificuldade e sabem sorrir. Quem sabe ele pensou que era um deles e nunca foi? Era sua reunião terminar e ele corria apressado a dar os avisos aos monitores e partia célere para encontrar-se com ela. Rosamaria, seu nome era Rosa rainha das flores e Maria mãe de Jesus que diziam ter uma beleza sem igual. Passeavam de mãos dadas, viviam sorrindo um para o outro, iam a mil lugares e ele nunca a tocou a não ser roçar seus lábios vermelhos molhados como o néctar das flores. Ele gostava do cheiro dela. Gostava do seu modo de sorrir de olhar e de sua voz de anjo.

       Seu casamento foi inesquecível. Para ele o melhor dia de sua vida. A escoteirada lá sorrindo, brincando com seus bastões sobre suas cabeças, cantando o Rataplã e palmas escoteiras repaginando as folhas do livro da história que nunca existiu. Quando ele e ela ficaram sós ele não sabia o que fazer. Ela estava linda em uma camisola branca como sua pele e sorria envergonhada. Amaram-se sobre a proteção de Deus. Os dias mais felizes de sua vida ele nunca mais iria esquecer. A escoteirada sentia sua força e sua nova forma de viver. Seu Chefe agora era outro. As atividades eram feitas com alegria tal que todos vibravam querendo mais. A pequena cidade ovacionava aquele casal maravilhoso e quando ela fez sua promessa foi uma apoteose. Parecia que o tempo reverenciava aquela moça dos olhos negros com seu sorriso enorme e sua vontade de amar para sempre o jovem Chefe Escoteiro que jurou ser seu companheiro por toda a eternidade. 

       Ninguém soube realmente o que aconteceu. Ela começou a definhar e morreu em poucos meses. O tempo parou no espaço infinito. Ninguém sabia o que dizer e mesmo as palavras do Velho Pároco, aquele que o batizou a dizer que viver com a ideia fixa no próprio sofrimento seria o mais puro egoísmo. – Meu filho sofrer pelos outros é caridade, sofrer voluntariamente por motivo próprio é egoísmo! Meu Deus, não deixe que ela morra, ele dizia. Mas ela estava morta. Ele se transformou em um zumbi a correr as ruas da sua cidade sem saber para onde ir. Cada pessoa tem determinada resistência à dor. O que para uns é uma coisa terrível, para outros é apenas um pequeno choque; o que para certas pessoas é uma verdadeira tragédia, para outras não passa de um golpe contornável, mas para ele era como se fosse uma faca transpassando a cada minuto seu coração que ele dera para ela.

           Naquele ultimo dia ele fez a fogueira como se fosse uma máquina que não pensava. Era seu ultimo dia, pois ele precisava voltar. Precisava trabalhar já que suas pequenas economias estavam no fim. As chamas subiram aos céus e juntas as fagulhas faziam seu espetáculo que ele hoje esquecera e que um dia achava um espetáculo à parte. Havia um bule de café fumegante, pois era sua rotina de anos e anos. Mas ele sabia que quando o fogo terminasse o café se esfriaria e ficaria ali junto com ele esperando o amanhecer. Abaixou a cabeça e começou a chorar. Veio um soluço forte. Estava engasgado de emoção e dos seus sonhos que se foram. Um barulho de um galho quebrado lhe chamou a atenção. Em uma trilha que levava ao Lago Dourado ele viu se aproximado um Velho Escoteiro, Barbas brancas, cabelos brancos e trazia na mão um Velho e tosco chapéu escoteiro. Ele olhou com espanto aquela figura que não lhe era desconhecida. Ele sabia que o tinha visto em algum lugar.

            O Velho Escoteiro o saudou carinhosamente e sentou em sua frente em uma pequena tora que há anos estava ali. Ele não disse nada. Sorria, um sorriso cativante como se sua vida fosse um mar de rosas. O Velho Escoteiro olhou para o fogo que rejuvenesceu. As chamas aumentaram. O Velho Escoteiro olhou para o céu e ele nunca viu um céu tão brilhante onde as estrelas no firmamento davam seu espetáculo sem cobrar. Os cometas cruzavam o céu como a saudar aquele Velho Escoteiro que resolveu voltar ao mundo onde viveu há muitos e muitos anos. A lua saiu de trás das montanhas e uma brisa suave começou a roçar seu rosto trazendo o perfume das flores silvestres. Ninguém disse nada. Ele não sabia o que dizer. Começou a sentir uma paz que nunca sentiu antes. Frases começaram a pipocar em seu cérebro – Há uma espécie de conforto na autocondenação. Quando nos condenamos, pensamos que ninguém mais tem o direito de fazê-lo. Eram vozes que ele não conhecia.

          Ele segurava-se em suas lembranças. Não queria esquecer-se delas. Rosamaria não podia ser esquecida. Sem perceber lembrou-se das palavras de uma poetiza que disse: O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher. Lagrimas começaram a cair, mas diferente das lágrimas doidas de antes. O Velho Escoteiro estava em pé. Sorria para ele da mesma maneira que chegou. Foi até onde ele estava. Colocou a mão em seu coração e no dele. Somos irmãos de sangue, tu e eu! Ele disse e partiu. Ele o viu andando sobre o Lago Dourado e desaparecer nas sombras da noite. Nesta noite ele dormiu. Sonhou com ela. Ela sorria e dizia que o nosso amor era eterno. Estava escrito nas estrelas que seria assim. Ele acordou rejuvenescido. Nunca esqueceu Rosamaria e sabia que eles se encontrariam em muitas vidas que Deus lhe reservou. Estariam juntos para sempre em toda a eternidade.

        Quando ele chegou naquela tarde ao Grupo Escoteiro ninguém perguntou, ninguém tentou mudar a rotina que sempre teve. Ele se incorporou a ela. O mundo não para e todos nós seguimos o passo do mundo. Ele sabia que ia lembrar-se dela para sempre, mas como uma alegria que iria continuar na eternidade. Ao sair do portão para retornar a sua casa ele viu em uma esquina o Velho Escoteiro. Ele estava sorrindo e lhe fazendo o sinal Escoteiro. Ele retribuiu. O Velho Escoteiro partiu subindo até uma nuvem banca e ele nem perguntou quem era de onde veio e para onde ia. Ele só sabia que sua vida mudou para sempre! 

Um Sentimento verdadeiro não morre.
Por decepcionado que fique, por machucado que seja
Pode até esfriar
Ou adormecer
Mas tal como o vento, jamais deixa de soprar:
Um Amor de verdade retém em si a própria essência do Tempo e do Universo
- É imortal, é Infinito
É Eterno...



Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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