sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Ashanti, uma pioneira no Rio da Esperança.


Lendas Escoteiras.
Ashanti, uma pioneira no Rio da Esperança.

      A chalana seguia seu curso rio abaixo. Dos dois lados mata fechada. Já tínhamos passado por dezenas de igarapés. As barrancas mostravam a cheia do ano passado. O rio Madeira ali não era majestoso, dizem que ele tem mais de 2.500 quilômetros de extensão. Dizem ainda ser o maior afluente do rio Amazonas. Diziam também que se chamava Cuyari, assim conhecido pela grande nação dos Tupinambás a muitos e muitos anos atrás. Meu nome é Ashanti e sou uma pioneira. Com mais alguns pioneiros estávamos fazendo a aventura de nossas vidas. - Dois dias haviam se passado desde a saída de Humaitá (terra da Mangaba) no norte do Pará. Passamos pela BR-319 que liga Porto "Velho" a Manaus. Bem próximo, a Usina hidroelétrica do Jirau parecia que não ia sair do papel nunca. Um conflito entre o sagrado e profano. Ninguém sabia mais se ali era a Cachoeira do Padre ou o Caldeirão do Inferno. Mas essa é outra historia. O comandante do barco, o Velho Mestre Antoninho das Mercês se tornou um grande amigo.

          Eu me divertia com as pequenas vilas ribeirinhas antes de chegar a Santarém. Trata-Sério Macacos e Ilha Teotônio. Em Santarém pretendíamos ver se conseguiríamos um vôo da Força Aérea Brasileira até Cuiabá ou São Paulo. Não foi difícil um tenente que fora Escoteiro se prontificou a nos ajudar. No inicio foi uma viagem encantadora. Ver a floresta Amazônica era um grande espetáculo. Ashanti foi um apelido que eu ganhei de Leo um pioneiro amigo. Meu nome era Loreta Montes. Gostava do apelido, pois já tinha lido a história. Os Ashanti Foram muito influentes na colonização europeia. Éramos doze pioneiros, mas frequente menos de seis. Clãs nem sempre temos todos. Faculdade trabalho cada um estava em busca do seu futuro. Uma curva forte e todos sentiram uma batida forte e um estrondo. O barco adernou e boa parte ficou submersa.


        - Quando o barco adernou e fui para dentro do rio contava Ashanti. Em minutos parte dele ficou submersa. A sorte era que todos os pioneiros estavam juntos no convés. Nadaram até a margem e voltaram para procurar sobreviventes. Graças a Deus todos se salvaram. - A noite chegou e com ela o frio. Na margem a floresta escura não tínhamos como ver nada. Leo organizou tudo. Uma fogueira, secar as roupas de todos. Perguntei ao mestre Antoninho se conseguiu mandar o S.O. S. a capitania. Disse que não, mas que no dia seguinte com o atraso viriam procurar. Ashanti gostava do Leo. Uma paixão escondida. Ele era um verdadeiro líder. Contava para nós histórias fantásticas quando foi Escoteiro e sênior. Chefe Bartilio e Chefe Edna eram os mestres pioneiros. Marido e mulher, mas não entendiam quase nada de pioneirismo. Leo quando fez a investidura, deu um novo ânimo ao Clã. Passou a entusiasmar a todos, criou atividades diferentes. As atividades depois de sua chegada mudaram por completo. A última no pico do Itatiaia valeu por tudo. O fogo foi aceso na Alguém achou um isqueiro.

           - Éramos mais de quarenta passageiros. Alguns conseguiram dormir outros não. O dia amanheceu. Lindo, um sol maravilhoso. Mestre Antoninho calculou que lá pelas duas ou três horas deveria chegar ajuda. Parentes e encarregados dos portos onde o barco devia apoitar deveriam estar preocupados e avisariam a capitania. Dito e feito, antes das duas o barco patrulha da marinha e um da capitania, surgiram na curva do rio. Pela manhã alguns pioneiros mergulharam em busca de nossas mochilas e das malas e sacolas dos passageiros. Com fome embarcamos no barco da Capitania. Não tínhamos comido nada. No barco nos ofereceram um lanche. Chegamos a Santarém a noitinha. Eu sinceramente amava o Leo. Ele era meu ídolo no Clã. Tinha uma namorada que não se interessava em ser pioneira e ele bondoso compreendia. Era difícil ficar ao lado dele sem ter esperança.

                Ele a levava em muitas atividades, ela sempre com olhar de enfado. Tinha um ciúme doentio quando ele estava conosco. Em Santarém a  Capitania nos ofereceu hospedagem em quartos até razoáveis. Não saímos pela cidade. Permanecemos ali, pois o sono era enorme. Aproveitamos para telefonar aos nossos familiares. A noticia do naufrágio já era do domínio público. No dia seguinte eu e o Léo ficamos conversando muito tempo sobre um lindo céu estrelado. Dizia que iria terminar o namoro. Eu não disse nada.  Fui dormir pensando no Leo. Sonhei com ele um sonho de amor. Pela manhã fomos ao aeroporto. Demos sorte, um capitão da aeronáutica tinha sido escoteiro e conseguiu um vôo para São Paulo às duas da tarde. A viagem tranquila logo se transformou em um inferno. O comandante pediu para colocar o cinto e ficar em posição abaixada. Tremi de medo. Rezei muito. Olhei para o Leo e os demais. Ficamos assustados. Um tenente disse para ficarmos calmos, pois iram fazer um pouso de emergência. A pista encontrada cheia de buracos, feito pelo exercito com dinamite para que aviões de contrabandistas não usassem. Descemos. Uma pancada forte, fortíssima. O avião rodopiou e se partiu ao meio. Leo foi jogado a grande distancia preso à poltrona. Mais ninguém teve ferimentos graves. Corremos até lá. Leo tinha um corte profundo na perna e outro no couro cabeludo. Muito sangue.

     Um dos tripulantes era medico. Fez ali os primeiros socorros. Senti uma pontada enorme no coração. Não podia perder o Leo. Nada foi planejado assim. Fiquei ao lado dele o tempo todo. Não demorou um helicóptero da FAB chegou. Levou-nos todos até Belém do Pará. Tivemos que ficar mais cinco dias lá. Léo recuperava bem e deu para retornarmos a nossa cidade. A vida voltou ao normal em nossas vidas e no clã. Foi então que tive uma bela surpresa. No final da reunião ele me procurou e convidou para um cinema. Meu coração explodiu. Ele me disse que tinha terminado tudo. Descobrira que me amava. Incrível! Tudo que eu queria e sonhava. Nosso namoro era lindo. No Clã todos se regozijavam.

    Ficamos juntos no Clã até os vinte e um anos. Léo se formou em Engenharia mecatrônica. Recebeu uma proposta de um conglomerado de Hospitais sediados em Boston, nos Estados Unidos. Pediu-me em casamento. Queria que eu fosse com ele. Não titubeei um minuto. Meus pais acharam que eu devia me formar. Meu coração bateu mais forte. Em Boston moramos em uma bela casinha. Vi diversas vezes jovens da Boy Scouts, mas não senti atração em participar com eles. Quem sabe aqui temos entre nós escoteiros aquele carinho, aquele sorriso franco. Faz oito anos que estou aqui. Sempre relembro com saudades os belos momentos da minha vida escoteira. Meu antigo Clã não sai nunca da minha mente. Meus amigos também. Aquela aventura no Rio Madeira ficou gravada em minha memória para sempre. Não o chamo de Madeira, para mim é o Rio da Esperança. Foi ali que minha vida mudou. Quando conto isso para amigos que temos aqui, eles não acreditam.


                A esperança é a maior e a mais difícil vitória que a gente pode ter sobre a alma. Ela existe, está sempre fincada em nosso pensamento. Antes eu dizia que a esperança poderia alterar qualquer coisa. Claro, no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro. Seria isso mesmo? Sei o que é absoluto porque existo e sou relativa. Minha ignorância é realmente a minha esperança: não sei adjetivar. Olhando para o céu fico tonta de mim mesma. Tenho dois filhos lindos, são a minha vida. Sempre conto para eles a noite, deitada no tapete azul da sala que chamo de Rio Esperança, em frente à lareira, tudo que senti, vi e aconteceu comigo no escotismo. Eles me olham de maneira enigmática. Não entendem nada do que eu falo. Afinal um tem quatro e o outro cinco anos. Mas olho para eles, sorrio, e digo: - Meus filhos nunca percam a esperança. E então me lembro do poeta Fernando Pessoa, que dizia: - Ser feliz é encontrar força no perdão, esperanças nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros. É agradecer a Deus a cada minuto pelo milagre da vida. Amo o escotismo. Sempre amei e nunca irei esquecer os momentos felizes que lá passei no meu Clã...

terça-feira, 25 de novembro de 2014

O Castelo Medieval e a famosa espada samurai.


Lendas Escoteiras.
O Castelo Medieval e a famosa espada samurai.

                 Eu conheci os cinco há alguns anos. Tinham a petulância de se chamarem os CINCO MAGNIFICOS. Ri quando me disseram isto. Eram cinco rapazes, bem uniformizados, sorridentes e me pareciam ótimos seniores. Convidaram-me a participara da reunião deles. Porque não? Estava naquela cidade a serviço e Escoteiro que sou não vou dizer não. Muito boa à reunião com três patrulhas bem formadas. No final após abraços e saudações já ia partir quando me convidaram para uma pizzaria de um Chefe do grupo. Porque não? Fomos para lá. Local agradável e ali ficamos horas conversando. Léo o Monitor era o mais velho, com dezessete preparava sua transferência para os pioneiros. Ned era o sub. E muito simpático. Junior com desesseis anos era o mais calado. Jan um negro simpático era um perfeito contador de histórias. Todos diziam que era o matemático e o pesquisador da patrulha. Por último o Max. Sorridente e falastrão. Ficamos até meia noite conversando. Perguntaram-me o que ia fazer no dia seguinte. – Nada eu disse. Embarco só segunda. – Porque não vamos visitar a Pedra Filosofal? – Não entendi, mas aceitei o convite. 

             Partimos cedo. Fomos todos no meu carro uma velha rural Willis que eu conservava e adorava. A pedra ficava em um monte, cercada por enormes Jequitibás e olhe juro que nunca vi igual. – Sentamos na pedra e foi Jan, o filósofo da patrulha que começou a contar a história mais fantástica que já ouvi. Como gosto de escrever e escrevo muita ficção prestei muita atenção o que ele dizia. Ned usou da palavra e me pediu discrição na história. Eu não deveria contar para ninguém. A patrulha poderia ser desacreditada. – Continuou Jan com sua história – Chefe no ano passado descobri em um site de Óvnis, que no dia doze de setembro, às quinze horas em ponto, uma atividade temporal iria acontecer. Uma conjunção de oito planetas, todos em sintonia com o XB14A (nome dado pela NASA em um hipotético planeta que se aproximava da terra), se estivéssemos no paralelo doze, uma força centrifuga nos levaria ao passado sem data determinada. Estudei bem e vi que seu raio seria aqui na Pedra Filosofal e proximo a nossa cidade.

             Todos da patrulha se interessaram. Afinal não somos seniores aventureiros? Não deu outra, no dia doze de setembro chegamos cedo aqui. Como era perto nem mochilas levamos, só estávamos de uniforme. Sentados na pedra não sabíamos se o horário seria obedecido. Às quinze horas em ponto pensando que o horário se fora começados a dar belas gargalhadas, mas não perderíamos tempo. Perto ficava o riacho Prateado e porque não dar uns mergulhos? O impossível aconteceu. Passado dois minutos do horário, já íamos levantar quando uma nuvem envolta em um redemoinho imenso nos alcançou. Girando como um peão gigantesco, nada vimos ou sentimos. Em questão de segundos estávamos todos os cincos deitados em uma grama verde, próximo a uma imensa árvore frondosa. O dia era sem sol, cinzento e fazia frio sem chegar ao extremo.

                Ficamos em pé e surpresos vimos um jovem de uns 17 anos descer rápido da árvore e ligeiro se pôs a correr morro abaixo. Max foi até o pé da arvore e olhando para cima avistou o que seria uma grande espada. Linda mesmo. Ele mesmo aboletou árvore acima e desamarrou-a com dificuldade, pois as cordas eram feitas de couro trançado e difíceis de manuseio. Devagar a deixou cair até o chão. Uma bela espada de um metro e setenta, com cabo de osso branco de leopardo, tendo encravado em algumas partes pedras preciosas que não soubemos deduzir e desconhecíamos tal arte. Leo tentou levantar a espada e viu que seu peso era enorme. Neste ínterim, Junior chamou a atenção de todos, pois tinha avistado no vale abaixo, um enorme castelo. Em volta um rio largo, que serpenteava entre vales e algumas pequenas florestas em sua volta. Aturdidos com tudo aquilo não faziam à mínima idéia onde estávamos.  Foi Jan o mais estudioso que sugeriu ser um Castelo Francês. Disse que tinha visto uma foto de um castelo que chamavam de Chambord, que ficava em Loir-et-Cher na França. Estilo Renascentista tinha formas medievais e ficava as margens do rio Loire.

                Tudo levava a crer que poderia ser real e pela falta de estradas e movimento aéreo, deviam estar de volta aos anos de 1519 data da construção ou então próximo ao século XVII onde foi freqüentemente usado pelo Imperador Carlos V. Chegamos à conclusão que tínhamos voltado no tempo. Pelo sim ou pelo não, o melhor era ir até Lá. Leo levava a espada às costas, tipo carregar machados grandes tão habilmente transportados pelos escoteiros. Foi uma boa descida. Entramos em uma pequena estrada forrada de pedras, que mal dava passagem a uma carruagem ou dois cavalos. Chegamos próximo ao Castelo. Várias casas de adobe e cobertas de capim seco. Crianças e aldeões espantados com nossa chegada. Tentamos conversar e vi que eles não falavam nossa língua. Uns cavaleiros se aproximaram e brutalmente tomaram a espada de Leo. Amarraram-nos e nos levaram ao interior do castelo. Dentro Chefe era espetacular. Enorme escadaria em dupla-hélice, muitas fachadas nas alturas, colunas esculpidas e um telhado decorado. O castelo depois ficamos sabendo que comportava mais de dois mil hospedes.

                 Logo que nos aproximamos da enorme escadaria, um homem bem vestido, que identificamos ser natural do Japão se aproximou correndo e logo se apoderou da espada. Em seguida nos levaram a presença do que julgamos ser o Senhor do Castelo. Nunca ficamos sabendo seu nome. Sempre falando em francês parecia ser compreensivo e mais educado, pois se tratavam de cinco rapazes com uniformes estranhos e precisavam saber quem éramos. Como não obtinha respostas e só falávamos em português e claro gaguejando, ele nada entendia. Ned metido usou um pouco do inglês que sabia. A história foi contada. Queriam saber por que tínhamos roubado a espada samurai do Senhor Feudal Kajimoto natural do Japão, convidado especial do Imperador Carlos V. Disseram que estávamos infringindo leis severas contra roubos e principalmente com um convidado tão ilustre. O furto de sua espada nunca seria perdoado e de acordo com a lei francesa, seria punida com a morte na guilhotina. Agora é que estavam embananados. Muitos de nós levamos as mãos até o pescoço.

                Ned tentou explicar, mas eles nem aí. Seria um disparate roubar a espada e voltar ao castelo. O Senhor do Castelo sorriu com a explicação e com a resposta. Mas logo o tal do Kajimoto, que parecia muito influente falou uma torrente de palavras, totalmente inteligíveis, mas pela sua expressão entendíamos que queria punição sem piedade. Amaldiçoado Japona. Queria ver a todo custo que arrancassem nosso couro cabeludo. Ou melhor, nossas cabeças do corpo. Levaram-nos para cima do castelo, onde havia uma enorme masmorra, toda feita de pedra, com uma pequena janelinha e nos empurraram nos jogando ao chão. Alguns minutos depois vimos com surpresa o jovem que pulou da árvore, o provável ladrão da espada samurai e atrás uma mocinha de seus quinze anos, com uma beleza que deixou a todos abestalhados. Era linda demais. Se naquela época existem beleza assim, era melhor ficarem por ali e não voltarem mais ao presente. Com os dedos nos lábios pediram silêncio. Abriu a porta e pediu que a seguíssemos. Assim foi feito. Passamos por escadas íngremes, portas abrindo à leve toque, tuneis intermináveis, até que chegamos fora do castelo, distantes uns quinhentos metros.

                Eles pouco falaram conosco. Só sabiam francês. Para nós não importava e só queríamos distância do castelo. Andamos alguns quilômetros e eles nos disseram adeus e partiram. Ficamos empacados, sem saber o que fazer. Um pequeno Conselho de Patrulha e nenhuma idéia ou sugestão. Para onde ir? Ir aonde? Não tinham a mínima idéia onde estavam, e pelos seus cálculos se passariam pelo menos quatro horas antes do retorno, isto é claro se fosse verdade o tal site. Seguimos para norte. Duas horas depois vimos o que seria uma estalagem, na porta uma taboa de madeira pendurada em um poste onde se lia “Le Figarô”. Com fome e sede nos aproximamos. Como pagar? Se juntássemos tudo teríamos menos de sessenta reais. Aceitariam? Nem pensar. A porta da estalagem abriu e um homem de uns 80 anos, cabelos brancos apareceu. Chefe podíamos jurar que se ele estivesse de uniforme seria Baden-Powell sem tirar e nem por. Igualzinho! Sorriu para nós e em um belo e limpo português, nos convidou a entrar. Piscou com os olhos para todos e subiu conosco ao segundo andar, onde havia uma mesa, seis cadeiras e duas camas. Mandou aguardar e logo veio um jovem com uma excelente galinha caipira, tostada e em sua volta tomates cortados e um terrina de arroz ainda saindo fumaça.
           

                      Comemos apressadamente, pois o Ned dizia que faltava menos de dez minutos para o nosso retorno ao presente. Aguardamos ali ansiosos. Deu a hora, nada, 5 minutos nada, 10 minutos nada. O desespero apareceu. Ficar ali para sempre! Rezamos pedindo a Deus que não deixasse acontecer. Um redemoinho gigante apareceu. Entramos em parafuso. Acordamos na Pedra Filosofal dando urros de alegria. Já estava escuro. Na volta pensamos no jovem e na jovem que nos salvaram. Pensamos também no tal Senhor Feudal do Japão. Para um samurai ele parecia mais um coisa ruim. Que ele se lasque, pensamos. Uma semana depois ficamos sempre matutando tudo que aconteceu. Baden-Powell nos salvou? – Olhei para todos eles e juro que estavam sérios como se tudo que contaram foi verdade. Voltamos à tardinha não sem antes um mergulho no Riacho  Prateado. Despedi deles e no dia seguinte voltei para minha terra. No caminho pensava no velhinho que os salvou. Sem perceber vi um Velho sorridente na beira da estrada. Parei para dar uma carona. Que susto! Poderia jurar que era o sósia de Baden Powell. Deus do Céu! Até eu? Até eu?

sábado, 22 de novembro de 2014

A morte de João Liborno teve uma festa no céu.


Lendas Escoteiras.
A morte de João Liborno teve uma festa no céu.

                  Quer saber? Eu conheci João Liborno. Tudo bem, eu sei que muitos que o conheceram se arrependeram. Mas eu não. Disseram-me que ele era prepotente, metido a besta e não sabia abaixar a cabeça, e ainda  se achava o dono do mundo. Nunca pensei assim, quem sabe por que entrei em sua alma, seu coração e sua vida. Não pensem que tenho premonição, conhecimentos de psicologia, que sou um adivinho ou um religioso a ponto de conhecer alguém por dentro. Mas João Liborno tinha algum especial. Seu olhar. Olhar? Podem me dizer o que quiserem, ele era mesmo alguém especial. Mal educado eu sei que era. Valente então? Sempre tinha uma resposta na ponta da língua, mas meu Deus! Que faria o que ele fez? Juro que já vi igual, mas melhor não. Quando o Prefeito Zeca do Som sabia que ele estava na prefeitura a sua procura se escondia no banheiro. Quando o delegado Jacutinga era informado que ele estava aprontando, pegava sua varinha e ia pescar no córrego do Cavalo Doido.

                  Tudo porque detestava um não. Achava que todos deviam ser como ele. Afinal o que João Liborno fazia? Nada que as autoridades deviam fazer e não faziam. Ele recolhia os pedintes, os enfermos jogados na rua e os levava para seu galpão. Isto mesmo ele com as próprias mãos fez um galpão. Não tão grande, mas com a nossa ajuda e dos pioneiros dava para quebrar o galho. Dizem que seu galpão era igual coração de mãe, sempre cabe mais um. Nunca que passei por lá ele estava vazio. E sempre cheio de gente. Gente? Indigentes isto sim. Doença de chagas, doentes de pulmão, doentes de AIDS, pobres que não tinham onde dormir. João Liborno nunca foi médico e nem enfermeiro. Dizem que ele era um excelente Chefe Escoteiro até que um dia o mandaram embora do grupo que ajudava. E quer saber? Foi tudo futrica fofoca da oposição. Não tem no escotismo? Oposição? Pois sim que não tem.

                  João Liborno foi Escoteiro sênior e pioneiro. Assumiu a Tropa Sênior em meados de abril de 1956. Os seniores faltavam pouco carregá-lo de tão contentes. O danado nem ligava, mas pegava os seniores e ia sempre onde ninguém nunca foi. A inveja começou aí. O disse me disse das comadres no Grupo Escoteiro. – Um dia ele vai trazer nos braços alguém morto, dizia uma, não duvido dizia outra. Mas João Liborno tinha feito as pazes com Deus. Dizem que hoje em dia não tem mais comadres nos Grupos Escoteiros. Sei não! – Tonico Caroço que o diga. Chefe da Tropa Escoteira exigiu que todos fossem tratados igualmente e ninguém iria receber nenhum distintivo se não o merecessem. O Pai de Constantino ficou uma fera. Procurou o Chefe Tibúrcio e disse – Ou ele ou eu! O que houve Natalino? Meu filho Chefe, o senhor sabe que me mato aqui no grupo, faço tudo, levo para os acampamentos em minha Kombi, pago em dia minhas mensalidades e agora ele está negando dois distintivos e cinco especialidades ao meu filho.

                 O caldo cresceu e entornou. A chefaiada dividida. Na reunião de chefes do grupo metade pedia sua saída, a outra metade dizia que se saísse sairia com ele. Melhor procurar o distrito. Este tinha enorme simpatia por Natalino. Afinal era Juiz de Direito da cidade e diziam que seria o futuro prefeito. Dizem que politica e escotismo não se misturam, mas ali em Pau D’Alho era diferente. João Liborno foi chamado. O distrital já o tinha encravado na garganta. Quantas vezes aprontou? Quantas vezes criou caso por uma simples questão de semântica? Agora o prefeito Bafudonça lhe telefonando todo dia porque ele fez um galpão e lá esta alojando a “peste negra” da cidade. Não tinha jeito. Mandou uma carta para João Liborno avisando que um processo estava em andamento e enquanto isto ele estava suspenso de suas funções. Dois dias depois recebeu uma resposta de João Liborno. Duas palavras somente. Nada mais. – “Vá à merda”! Foi à conta. A carta foi xerografada. Deus e o mundo recebeu uma copia. A UEB não se manifestou. Disse ser problema da região e do distrito.

                     João Liborno todos os sábados impreterivelmente às duas da tarde lá estava na sede Escoteira. Isto sem contar a ultima excursão que fez com os seniores que ficou na história. Alugou dois carros de bois do Chico Landi, um fazendeiro amigo dos Escoteiros e com uma dúzia de bons Guzerá lá foi ele com seus seniores para fazerem a mais aventura de suas vidas. Japielton me contou que nunca se divertiu tanto. Adorava o lamento ou canto que as rodas faziam. Todos aprenderam a colocar a canga, o canzil, a arreia, o cabeçalho, manuseavam com perfeição a cheda, a cantadeira, o cocão, o fueiro, e quando não estavam assentados na mesa lá ia eles se revezando com a vara do ferrão a gritar: - Vamo Risoleta, vai que vai Tira Forno. Foram quinze dias inesquecíveis pelas estradas e serras do sertão. Quando voltou lá estava na sede o distrital e dois soldados. – Fora, fora, você esta exonerado. Me entregue seus distintivos e uniforme. João Liborno ficou branco. Ia falar um palavrão mas deu as costas a todos e foi embora.

                       Não voltou mais ao grupo. Agora se dedicava aos seus doentes e os sem sorte na vida. Não dava sossego a ninguém. Sempre pedindo para seus pobres. Claro que o galpão não acomodava mais ninguém mas João Liborno não desistia. Nas eleições de novembro ele disse a um candidato a governador: - Me ajuda com meus pobres? Doutor Pasquacio foi eleito. Não esqueceu o pedido de João Liborno. Mandou fazer um prédio enorme, com todas as condições para ser o melhor hospital da cidade. João acompanhava as obras sempre sorrindo, claro que os seniores não o abandonaram. O dia da inauguração chegou. João Liborno colocou seu uniforme caqui e seu Chapelão, e lá foi ele tomar posse do que era seu. Coitado do João. Nem o deixaram entrar. Ficou estupefato com a traição do Presidente Pasquacio. Foi para casa tão triste que resolveu fazer o ato que nunca teria feito. Afinal ele era um bom Escoteiro, um bom companheiro. Dizem que os seniores o ajudaram, eu não acredito.

                      Não era duas da manhã e o Hospital novo estava em chamas. Não havia ainda bombeiros naquela época. Ninguém sabe o que aconteceu. Os seniores não moveram uma palha para ajudar a apagar o fogo. Tudo foi destruído. Todos já sabiam que só podia ser João Liborno. Mas ninguém podia provar e ninguém o viu de novo na cidade. Só pode ter fugido. Ao fazer a limpeza das chamas encontraram seu corpo Em uma placa de metal ele deixou escrito. Escoteiro eu fui. Sua filosofia morou em meu coração. Mas que Deus me desculpe, não suporto a traição. Quem com ferro fere com ferro será ferido. Dizem eu não sei se foi verdade que mesmo com o hospital destruído o Prefeito Bafodonça decretou três dias de festividade. Ele mesmo fez uma festança em sua fazenda. Livre dele era ficar feliz para sempre!


                          No auge da festa, uma fumaceira tomou conta, sua casa na Fazenda Boi Manco pegava fogo. Quando iam para lá, a prefeitura ardia em chamas. Todo mundo corria para todo lado. Ninguém sabia o que fazer e o fórum também pegou fogo sem esquecer O Palácio dos vereadores.  Não podia ser João Liborno. Ele estava mortinho da silva. No outro dia todos pensavam a mesma coisa. Seria coisa do João Liborno, veio do outro mundo para botar fogo no sertão? Se ele estava morto que seria o culpado? Até hoje ninguém soube. Se não foi João Liborno e sua alma penada quem foi? Decida você leitor.    

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A cruz do meu destino.


Lendas Escoteiras.
A cruz do meu destino.

                    - Sentei na beira do riacho no lusco fusco daquela tarde fria. Meus olhos estavam cheios de lágrimas, pensei comigo que não devia ter ido e teria sido melhor ter ficado em casa. Mas eu precisava pensar. Eu tinha de tomar uma decisão e não sabia qual. Meus amigos não sabiam como aconselhar, pois nenhum deles passou pelo que eu estava passando naquele momento. Qual caminho tomar? Quando cheguei em casa depois da reunião dos Escoteiros encontrei em cima da mesinha seu bilhete, bilhete não, uma carta. Longa, triste, ela disse tudo que queria dizer. Bateu fundo em meu coração. Machucou, mas eu merecia. Aquela noite eu chorei. Eu um homem feito com meus trinta e cinco anos e chorando. Foi uma semana difícil no meu trabalho. No sábado cedo avisei ao Lucas Monitor da Lobo que não iria a reunião. Ele meu vizinho ficou ressabiado, não perguntou nada. Como Escoteiro e Monitor acho que sabia o porquê. Eu precisava pensar e nada melhor que procurar um lugar longe, onde o vento e a brisa da madrugada pudessem ser um bálsamo para curar minha dor e quem sabe o meu coração.

                        Ali naquela montanha cujo nome eu não sabia, com a cabeça baixa, só ouvindo o cantar dos pássaros e o barulho borbulhante da cascata meus pensamentos iam a mil. Não fiz meu almoço. Não tinha fome. Bebia a água da bica, pois achei que ela poderia purificar minha alma que sofria. Nem mesmo um pintassilgo que resolveu pousar perto de mim ajudou. Se não fosse quem fosse eu preferia morrer a passar pelo que estava passando. Mas era tão difícil assim? Quantos chefes passaram por isto? Afinal só existe a felicidade entre as famílias Escoteiras que participam juntos? Eu sabia que Verinha tinha razão. Ela sempre fora uma alma caridosa a tentar entender meu novo estilo de vida. Ela sempre foi uma companheira de verdade. Não posso até hoje reclamar. Fez tudo por mim e eu achava que também fazia por ela, mas dinheiro e palavras não foram suficientes. Ela queria carinho, minha presença, passear por aí, tirar férias na praia, ela adorava Juliano, nosso único filho. Mas eu cego e estupido achei que meu caminho era aquele em ajudar o escotismo. Agora via que enganava a mim mesmo. Olhando o cair da água cristalina da cascata levanto meus olhos para o céu e ele parece me dizer: Você não soube escolher. Escolheu errado meu amigo. Meus olhos marejados de lágrimas. Que vontade de gritar de dizer que não era o que queria!

                         Tudo teve inicio há três anos, eu era feliz e depois achei também que minha felicidade aumentou. Eu passeava sempre com ela e meu filho todos os fins de semana, íamos à casa de amigos, visitava sempre a mãe dela que morava longe, uma viagem de avião gostosa e nunca faltei com a minha mãe. Sempre íamos ao shopping, um restaurante, até em teatro fomos diversas vezes. Viajamos a Cabo Frio, na Bahia, no Ceará e eu tinha planos de ir a Disney com eles. Afinal não era rico, mas como Gerente da Fábrica eu tinha um bom salário. Um sábado Juliano veio me pedir para participar em um Grupo Escoteiro. Minha mente voltou ao passado quando sempre sonhei em ser um e nunca fui. Trabalhava com meu pai, lutávamos com dificuldade e os dias que a féria era melhor sempre fora nos fins de semana. Porque não? Pensei. Lá fui eu com ele. Uma meninada alegre, adultos educados, jogos incríveis e eu me vi ali com eles a correr nos tempos do meu passado. Agora esquecia que  era um adulto. Juliano entrou. O Chefe Joy insistiu para que eu entrasse também. Eles estavam com dificuldade de voluntários e ele pensou que eu poderia ajudar.

                        Para minha promessa foi um pulo. Logo assumi a tropa, pois Everaldo o Chefe se desentendeu com os outros e foi embora. Para mim foi à glória. Agora sim eu era o Chefe. A meninada passou a me chamar de Chefe Corisco. Porque Corisco? Não sei, mas eu gostava. Não perdia um curso, ia em todos, adorava ficar com eles conversando correndo brincando. Nestas horas eu não era Chefe era um menino. Tudo mudou em minha vida, parei de visitar meus pais e os pais dela. Quase não saímos mais, pois estava sempre fora nos finais de semana. Reuniões, acampamentos, excursões, indabas e tudo piorou quando fui para o Jamboree. Na volta Verinha não falou comigo. Vi que ela estava magoada. Pensei comigo que no dia seguinte tudo iria mudar. Verinha era sistemática. Não falava, não reclamava, mas seu semblante era um livro aberto.

                          Tudo piorou muito mais quando Juliano pediu para sair. Fui ríspido com ele. Chamei-o de mole, sem força de vontade, disse a ele que não tinha Espírito Escoteiro. Nunca soube por que ele desistiu. Foi Lucas o Monitor quem me contou – Olhe Chefe, Juliano cansou. Não quer mais. Acha que o senhor é muito exigente. Sempre a cobrar dele as provas sempre falando que ele tinha de conseguir o Lis de Ouro! – Será mesmo que era isto? Porque não conversar com ele? A conversa nunca aconteceu. A vida de um Chefe Escoteiro hoje eu sei que tem altos e baixos. Exigimos muito de nós e esquecemos daqueles que nos querem bem e são a razão de ser de nossa vida. Mas sair do escotismo? Nunca, eu amava o movimento. Depois que entrei me transformei. O escotismo passou a ser minha filosofia de vida. Juliano não voltou. Verinha conversava em monossílabos. Tudo estava acabando e eu cego não via. No grupo ninguém percebia, afinal nestas horas dificilmente temos alguém com experiência para nos orientar.

                       Sentado a noite em um toco que achei, aproveitando uma pequena fogueira que agora era só brasas, olhei para o céu estrelado pedindo um novo caminho. Pedi ao Senhor pedi a Deus, pedi aos santos amigos. Meus olhos vermelhos, lágrimas caiam e molhavam a terra. Tirei do bolso o bilhete de Verinha – Meu amor, eu te amo, demais mesmo, mas você parece não mais nos amar. Esqueceu que sou sua mulher e até de Juliano esqueceu. Não fala mais com ele. Nunca aceitei entrar com você no escotismo. Eu não sentia o mesmo que você. Nem todos nasceram para isto. Sei que você dificilmente vai deixar de ser um deles. Você já demonstrou isto na festa de aniversário do meu pai quando foi para a Assembleia, também esqueceu que sua mãe passava mal e mesmo assim foi para um Acampamento Distrital. Ela pedia sua presença naquele quarto do hospital e você não apareceu. Só chegou depois que ela partiu para outros rumos nas estrelas. Desculpe-me meu amor, mas não dá mais, estou indo embora. Aqui não volto mais. Juliano vai comigo. Quando contei para ele chorou muito, mas não voltou atrás. Saiba que eu te amo, amo demais, mas desejo que você seja feliz com seus amigos do escotismo.

                   Era meia noite quando juntei minhas tralhas e desci a serra. Minha decisão estava tomada. Eu não ia perder minha família. Amava o escotismo, mas até então eles não estavam em primeiro lugar. Agora não seria mais assim. Entre um e outro ficaria com quem convivi uma vida. Sei que o escotismo não tem culpa, mas quando participamos nos entregamos demais e esquecemo-nos dos nossos entes queridos. Vou atrás de Verinha e Juliano. Irei pedir perdão a eles de joelhos. Farei tudo para ela voltar. Não irei fazer promessas, pois minha escolha estava feita. Espero que Deus me ajude neste novo recomeço. Quando desci do avião e bati na porta da casa da mãe de Verinha eu me lembrei de Chico Xavier - Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A felicidade não se compra!


Lendas Escoteiras.
A felicidade não se compra!

                    - Antonio Marcus, não insista. Já disse que não. Olhe sua posição, veja você em que colégio estuda, olhe suas roupas e pense na sua família meu filho. Somos pertencentes a uma classe social diferente. Você é um Portilho legitimo de reis franceses. A Condensa Daiana pela terceira vez dizia não para o menino Antonio Marcus seu filho. Ela não entendia como ele agora ficava atormentando com um pedido tão sem coerência. Para ela o matricular em um Grupo Escoteiro próximo a sua mansão era impossível. Ora bolas! Pensava. Uma meninada de cor, um grupo em uma igreja de periferia, um padre comunista, dizem que o Chefe era ateu e eles não tinham nada e ainda achavam que iriam formar o caráter de seu filho? Nem pensar! Ele tinha professores ingleses, estudava piano com o Maestro Galliano, e quando completasse 17 anos iria matriculá-lo na Universidade de Oxford na Inglaterra. Nunca seria de bom alvitre ele se misturar com aquela gentalha. Se pelo menos fosse um Grupo Escoteiro de elite vá lá, mas aquele ali? Nunca!

                     Antonio Marcus tinha dez anos. Quase não tinha amigos, pois no Colégio Grand Torino onde estudava tudo era muito reservado. Eram oito horas diárias e ele recebia uma carga enorme de conhecimentos. Até que nos dias que faziam atividades recreativas ele se divertia. Nunca foi bom de bola, era péssimo no vôlei e mal corria cem metros. Sua complexão física não era boa. Vivia preso na Mansão dos Portilhos e lá não tinha amigos. Uma tarde chegou do colégio e viu o Senhor Aparício o jardineiro com um jovem da sua idade vestido de Escoteiro. Achou bonito e foi até eles perguntar o que eles faziam. O Senhor Aparício era o pai de Ronaldinho o Escoteiro. Falou para ele das aventuras que faziam dos acampamentos, das jangadas, das construções que chamavam pioneirias, das patrulhas que formavam verdadeiras equipes de fraternidade, das noites lindas em volta de um fogo, das canções, de dormir em uma barraca, de poder contar estrelas no céu.  

                       Antonio Marcus sentiu seus olhos brilharem. Que lindo era isto pensou! A noite sonhou que estava de uniforme a desbravar as florestas, a atravessar rios enormes em jangadas, em subir nas árvores enormes, descer por um nó Escoteiro em uma corda grossa, ah! Meu Deus! Seria bom demais. Quando falou com sua mãe foi um verdadeiro estouro. Não gritado é claro, pois a Condensa tinha toda a carisma de uma senhora educada na corte e que nunca levantava a voz. – De onde você tirou isto meu filho? Antonio Marcus pensou em contar, mas se absteve. Sabia que ela iria demitir na hora o Jardineiro Aparício. Mas não desistiu. Todos os dias à noite, após o jantar solene, onde ele deveria estar presente sempre de terno e gravata, onde havia um cerimonial para ser servido pelas dezenas de empregadas, só ele e a mãe naquela enorme mesa, pois seu pai sempre viajando ele pensava. – Já pensou? Eu lá na orla da floresta, fazendo meu jantar em um fogão de barro? Comendo a comida que eu fiz? Seria delicioso, mas era um sonho impossível de se realizar.

                     - Olhe Antonio Marcus se você quer mesmo ser um vamos fundar um grupo só para você. Vamos convidar seus amigos do colégio e do Clube, gente do mesmo naipe que nós. Falarei com meus amigos presidentes das multinacionais, falarei com o Comendador Joubert, claro incluirei Os Manfredos do Banco Mundial. Contrataremos chefes Escoteiros formados em grandes universidades do exterior, receberão os melhores salários e você vai fazer tudo que eles fazem supervisionados por professores e chefes preparados. Contrataremos bons chefs de cozinha para fazer suas refeições e claro, onde forem terão um enorme gerador para gerar a luz elétrica. Você quer assim? Antonio Marcus olhou para ela, seus olhos perderam a esperança em saber que nunca seria um Escoteiro como deveria ser. Muitas vezes escondido ficava conversando com Ronaldinho o Escoteiro. Ele contava todas as histórias que fazia brilhar as pupilas dele.

                        Não desistiu. Nunca iria desistir. Se ela achava que eles eram uns Portilhos que seja. Mas ele queria era ser mais um e não um que seria dono de tudo. Queria ser um Escoteiro de coração, de corpo e alma amigo e irmão de todos sem distinção. O Doutor Professor Edmundo se dirigiu a ele naquele dia e perguntou – O que está havendo Antonio Marcus? Você hoje não prestou atenção à aula? – Ele não disse nada. O Doutor Professor Edmundo não iria entender os seus sonhos. Foi um dia fatídico. Ao sair do colégio recebeu a noticia. Sua mãe fora sequestrada e baleada. Dois bandidos mataram dois seguranças super treinados em questão de segundos. Quando iam saindo com ela dois meninos pularam dentro da limusine e tentaram tomar a arma dos bandidos. Uma idiotice sem tamanho, mas que deu tempo do terceiro segurança matar os dois bandidos e o terceiro fugir. Um dos meninos levou um tiro de raspão. Ela no braço direito.

                         Os jornais e as TVs não perderam tempo. Histórias foram contadas de norte a sul. Os meninos exaltados como heróis. Em uma entrevista com um famoso apresentador os dois jovens contaram que eram Escoteiros. Aprenderam a não fugir das dificuldades. Sabiam viver sozinhos em uma floresta, enfrentavam cobras e jacarés. Será que ajudar uma senhora não fazia parte da boa ação que deveriam fazer todos os dias? Os dois meninos Escoteiros da noite para o dia ficaram famosos. A Condensa Daiana ao sair do hospital disse que nunca tinha visto tal heroísmo. Falou mais ainda dizendo que agora até ela iria ser Escoteira. Seu filho Antonio Marcus seria também um deles. Uma organização que ensina a fazer o bem, a formar caráter não poderia ficar de fora na formação do seu filho. Antonio Marcus não cabia em si de contente. Sonhava esperando o sábado feliz. Pedia a Deus para sua mãe não mudar de ideia. Disse para ela sobre o Aparício que era pai de Ronaldinho escoteiro.

                         O Chefe Pikard estranhou quando aquela Madame bem vestida cercada de seguranças adentrou no pátio da sede. Não era comum. Ele  um Velho explorador europeu resolveu ajudar aquele Grupo Escoteiro humilde da Vila Pasqualé. Ele adorava aquela vida adorava aqueles meninos e quando soube que Piquitito e Joelhudo foram heróis ajudando em um assalto ele ficou com medo e ao mesmo tempo orgulhoso. Ensinou a todos que devem agir dentro das circunstâncias que a prudência ensina. A Condensa Daiana humildemente pediu uma vaga para seu filho. Ronaldinho da Patrulha Coruja veio correndo abraçá-lo. O Senhor Aparício que fazia limpeza na sede se sentiu importante quando ela o abraçou e o parabenizou pelo seu excelente filho. O Grupo ganhou mais um filho. A Grande Família Escoteira cresceu e o escotismo fizera as pazes com a realeza.


 Se você encontrar um caminho sem obstáculos, ele provavelmente não leva a lugar nenhum. Devemos lembrar que as riquezas não vão conosco quando formos para as estrelas. A felicidade não se compra e da vida nada se leva a não ser as boas obras, os bons momentos e as coisas belas da vida que aprendemos a fazer. Lutamos pela vida como a vida luta ao nosso lado para nos dar o que lutamos para conseguir. Aos arrogantes deixemos que o destino os levem a naufragarem no próprio mar de sua insignificância.

sábado, 15 de novembro de 2014

A grande festa de Lagoa dos Açores. O Escoteiro Chefe lusitano vai chegar!


Lendas Escoteiras.
A grande festa de Lagoa dos Açores.
O Escoteiro Chefe lusitano vai chegar!

                        Dizem e me garantiram ser verdade que esta história aconteceu em uma cidade do sul. Cidade pequena, pessoas bem intencionadas e belos grupos escoteiros. A boataria dizia que Lagoa dos Açores iria receber a visita do Escoteiro Chefe de Portugal. Foi à conta. Preparam uma festança. Comissão de recepção, comissão do baile e a maioria dos chefes fizeram uniformes novos.  Dona Flancácia e Dona Bucycleide corriam de casa em casa contando a novidade e pedindo donativos para a festança. Dona Pamonia e dona Naninha enfeitavam ruas e avenidas. O Senhor Tomenodes da Vendinha dissera que ele era duque. Descendente do Marques de Pombal. Doutor Macbeti o prefeito se reuniu-se com o Delegado Pancrácio, Doutor Jacumé o Juiz e os chefes dos Grupos Escoteiros. Ali todos eram amigos. UEB, FET, AEBP, Bandeirantes, Escoteiros Florestais. Todos amigos, ali não havia divergências. Don Panchito das Torres Altas o fundador da cidade devia estar orgulhoso.

                         Dizem que festa como esta só quando Lagoa dos Açores recebeu a Ferrovia e a presença do Presidente da Republica Doutor Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca. Quando a Jamiloca a primeira locomotiva chegou soltaram foguetes, banda de música ouve desfile dos estudantes e dos Escoteiros. Uma comidaria sem precedentes que durou três dias. Seu Samuel Ramalho Ramires Ramos, o mais antigo padeiro de Lagoa dos Açores dava risadas o dia inteiro. – Um patrício! Graças a Deus! Se  for um Duque vou dar a ele uma corrente de ouro de São Fidelis. Chefe Micaleide Soraia convidou os chefes de todos os grupos escoteiros para uma reunião. A reunião no Theatro Municipal foi perfeita. Todos discutiram a programação e a recepção ao Duque Escoteiro Chefe de Portugal. As bandeirantes prepararam bandeirolas vermelha verde, amarelo, azul branco e preto. O Professor Arquimomedes disse ser as cores de Portugal.

               Piquitito Modinha era um escroque. Varias vezes foi preso por enganar os outros. No fundo não era um mau sujeito. Afinal seus pais foram os maiores fraudadores e vigaristas que o estado conheceu. Dizem que até hoje estão no xilindró na Ilha de Alcatraz. Isto mesmo. Piquitito Modinha nunca matou ninguém, mas adorava passar a pernas em quem pudesse. Afinal enquanto houver idiotas São Jorge não anda a pé ele dizia. Foi preso muitas vezes, mas sempre era solto. Piquitito Modinha cortava o cabelo quando viu em um jornal na barbearia que Lagoa dos Açores iria receber um príncipe. Era o Escoteiro Chefe Dom Manuel Pero Vaz de Caminha de Portugal. O maior Escoteiro Chefe de todos os tempos! Minino! Meu Deus! Pensou Piquitito Modinha. Desta vez vou enricar mesmo. Olhou no espelho da barbearia, sorriu e disse: Piquitito Modinha você é bom cara, muito bom! - Cacilda! Desta vai vou acender charuto com nota de cem! Bolou um plano. Ficou dias pensando. Prá dar certo tenho de fazer um uniforme, mas eles lá da terrinha usam outro. Melhor fazer igual o deles. Calça marrom, sapato preto, camisa marrom clara e um chapéu. Não vai ser mole. Mas tenho tempo. Procurou Praquitinha sua noiva. - Me empresta um dinheiro? Vais receber em dobro. Praquitinha sabia que não ia receber nada de volta mais ela gostava de Piquitito. Não ia negar.

                  Enviou um telegrama para Seu Samuel Ramalho Ramires Ramos da padaria dizendo o dia e a hora que ia chegar. Cilene Maria era lobinha. Quieta. Quase não falava. Adorava os lobinhos e era da Matilha Azul. Quando iam acantonar ela ficava encantada com as árvores, com a grama, com os lagos e riachos de águas frias e gostosas. Adorava ver  por e o nascer do sol. Conhecia uma por uma as constelações no céu. Naquele sábado a Akelá Juely comentou sobre a honra que todos teriam em conhecer o Escoteiro Chefe de Portugal. Contou para os lobos que ele lá em Portugal ele era querido, todos faziam continência, era carregado quando visitava os grupos escoteiros, enfim era um Escoteiro inigualável.                Cilene Maria ficou desconfiada. Sua mente rebuscava na memoria todos os livros escoteiros que lera. Sabia que havia não só uma, mas três associações escoteiras em Portugal. De qual ele representava? Viu o nome dele. Enorme, isto hoje em dia não mais existe. Conde com Duque, com infante, com príncipe regente que só Dom Pedro II foi quando seu pai voltou para Portugal. Não estava certo. Muita coisa errada. Soube que ele o Escoteiro Chefe mandou varias fotos de Baden Powell que ele chamava de Lordi Badi Pawell. Ele era analfabeto? Era de um homem magrelo, novo, cabelo preto, e uma das fotos sorrindo. Era banguelo. Faltava dois dentes na frente. Aquele não era e nunca foi Lord Baden Powell.

                 Cilene Maria procurou a Akelá Barafunda e comentou. Não adiantou. Falou com o Chefe Micaleide Mosquiteiro Soraia. Ele também duvidou. Ninguém acreditava nela Ela sabia que o talzinho que se fazia passar por Escoteiro Chefe era um enganador. Procurou então o Seu Samuel Ramalho Ramires Ramos da padaria. Ele a ouviu calmamente pensando. Também tinha duvidado do primeiro telegrama. Disse a Cilene Maria que ia investigar. Passou um telegrama para seu irmão em Coimbra e pediu que investigasse. Cinco dias mais tarde chegou à resposta. Chamou Cilene Maria e mostrou o que seu irmão escreveu. Ela também havia investigado a foto do tal Lordi Badi Pawell. Agora era armar um plano. O delegado entrou no meio. O dia chegou!

                      O Trem serpenteava na beira do Rio Luar do Sertão. Uma fumaceira danada na chaminé anunciava a modernidade. Berlamino o maquinista sabia que uma alta “otoridade” estava viajando no seu trem. Piquitito Modinha viajava de Primeira Classe. Com seu uniforme de Escoteiro lusitano e seu chapéu que custou uma nota. Mandou fazer um lindo lenço dourado. Amarelo, verde e um pouco de azul. Comprou um anel grande de brilhantes para prender o lenço. Na mala alguns presentes que conseguiu comprar nas mãos do Caixeiro Paraguaise.                         Quando atravessaram à ponte do Rio Luar do Sertão ele viu pela janela a cidade. Riu de leve. Depois riu mais. Agora gargalhava. Disse para sí baixinho – Piquitito Modinha, você é brilhante. Será o maior golpe de todos os tempos. Desta vez tu vais encher as burras de dinheiro. Praquitinha sua noiva pensava quando ele voltasse. Iria visitar a “horopa” com ela. Ela ia ver a Torri efailde. O Arco do Truque. Contaram para ele maravilhas do tal Palácio das Vertentes. Iria mostrar para ela o Bigue Bende. E depois nas Américas ela ia ver a Estatueta qui liberta tamem. Eles iriam falar gringo, falar françoá, ingreis. Seriam recebidos por reis e rainhas e quem sabe teriam um tituro de pobresa? Já pensou? - Lord Duque Piquitito Modinha? Misse Duquesa de Orleanas dona Praquitinha Castiana? E assim ele sonhava. O trem apitando. A cidade chegando. Ele sorrindo de oreia a orêia.

                Olhou pela janela, a estação apinhada de gente. Uma escoteirada sem tamanho. Todo mundo ali para vê-lo. O trem parou. Silêncio. E a Banda que pediu? Pegou sua mala, desceu. Ninguém bateu palma. Cacilda, o que houve? Onde eu errei? Meu uniforme está impecável aprendi a fazer o nó de escoita e barso pelo seilo. Até sei fazer a saudação deles e eles estão me olhando deste jeito? Uma mão bateu em seu ombro. – Olá Piquitito Modinha. Quanto tempo eim? Meu Deus! Era a voz do delegado Caroço de Manga! Uma longa salva de palmas. O delegado agradeceu. Colocou as algemas em Pitito Modinha. Entraram de novo no trem. Uma vaia sem tamanho.


                   Por muitos anos Piquitito Modinha foi cantado em prosa e verso em todos os fogos de conselhos que a cidade conheceu. Cilene Maria recebeu todas as honras possíveis. Não só do Grupo Escoteiro, mas de toda a cidade. Ela dizia que não tinha feito mais que sua obrigação, era lobinha, mas não dizem que os escoteiros estão Sempre Alerta e os lobinhos abrem os olhos e os ouvidos? Alguém disse para ela - Parabéns Cilene! Valeu! São assim os Escoteiros. Eles sempre estão Sempre alerta vivendo a lei e a promessa que um dia fizeram.  Nunca mais esqueci de  Pitito Modinha. Sei que até hoje está preso em Alcatraz e dizem que quando for solto vai aprontar de novo. Que o diga Praquitinha que o esperava todos os dias na porta da Cadeia. Seus sonhos de condessa acabou. Disseram-me que esperou por muitos e muitos anos a soltura de Piquitito Modinha. Um Escoteiro Chefe que nunca foi.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Patu o Caolho, o bandido cruel da Caverna do Morcego.


Lendas Escoteiras.
Patu o Caolho, o bandido cruel da Caverna do Morcego.

“Conta-se uma lenda que um bandido cruel se escondia na Caverna do Morcego. Saia sempre à noite para matar qualquer coisa viva que encontrava em sua frente. A lenda dizia que ele nunca foi encontrado e vive perdido perambulando pelas margens do Rio Amarelo próximo a caverna do Morcego que se tornou sua morada”.

          Passava das dez da noite e ainda estávamos papeando em volta do fogo comendo bananas assadas e tomando um delicioso café no bule que não saia das brasas da fogueira. Cortiço um sênior magro e alto, cabelos encaracolados estava em pé de costas para a floresta contando uma história fantástica. Cortiço tinha o dom da palavra, dos gestos e da imaginação. Todos nós da patrulha Serpente tínhamos admiração por ele. Nunca conheceu seus pais e foi criado pela Avó que lhe deu um carinho enorme e que todos nós invejávamos. Cortiço terminou dizendo: - Se quiserem podemos ir lá agora. Em nossas bicicletas se conseguirmos atravessar O Pontilhão Negro da estrada de ferro, em menos de uma hora chegamos a Riacho Grande. De lá é fácil atingir a curva do Índio, pois dizem que bem embaixo da pequena ponte de madeira do rio Amarelo as cavernas estão lá para quem quiser explorar!

         Um silêncio  profundo se fez. Todos pensavam a mesma coisa. Será que iria valer a pena? A lenda que Cortiço contou poderia não ser verdade, mas e se fosse? Não seria fácil atravessar o Pontilhão da estrada de ferro. Nele não existia saída e se um comboio de minério aparecesse para não morrer todos tinham que pular no rio. E as bicicletas? Perder tudo? O que dizer aos nossos pais? – Vagonete o Escriba falou baixinho: - Uma aventura e tanto, mas atravessar a ponte? Se o fantasma do Patu o Caolho estivesse lá tudo bem, a gente já enfrentou fantasmas antes, mas a ponte era um desafio infernal. Pikitito que pouco falava concordou e foi mais além. – Se conseguirmos será uma história e tanto para contar aos demais seniores. Orelhudo o Monitor não disse nada. Porteira o sub riu baixinho. – Sei não disse – Se conseguirmos nós seremos os primeiros a aventurar em uma travessia mortal. Que eu saiba ninguém nunca tentou. Não deu outra, todos se levantaram, fecharam suas barracas com cipó bem preso para evitar bichos, vestiram seus casacos simples e sem ostentação, montaram em suas bicicletas e partiram. Eram dez e meia da noite.

               Se alguém viu Patu o Caolho lá pelas bandas de Derribadinha e Riacho Grande seria sensacional se eles vissem também. Já pensou falar com um bandido como ele? Em meia hora avistaram a ponte. Pararam na entrada. Nenhum som. Cada um olhou para o outro e o coração disparou. – Orelhudo pediu que usassem os cabos que usavam na cintura para amarrar uma bicicleta na outra. Se tivermos que pular pelo menos nós poderemos recuperar nossa condução. Assim foi feito e ao dar os primeiros passos ouviram o apito do trem. Sorriram. Se esperassem ele passar teriam alguns minutos para correr dentro do túnel escuro da ponte até o outro lado. O trem passou. Como coriscos em menos de oito minutos chegaram ao outro lado. Sorriram aliviados. Vinte minutos depois margeando o rio Amarelo viram a entrada da caverna. Escura, fantasmagórica. A noite parecia a morada do demônio. Eram seniores acostumados. Medo para eles era uma palavra que não existe.

               Levaram um lampião pequeno a querosene. Foi aceso e não iluminava mais que dois metros à frente. E daí? Era o suficiente. Pikitito ficou responsável para marcar o caminho. A certeza da volta sem sobressaltos dependia dele. Ele sabia de sua responsabilidade. Cortiço tentava recordara o que lhe contaram. Havia duas bifurcações na caverna. Uma levava a sala dos morcegos assassinos. Milhares deles. Quem chegou ali foi morto em segundos picados por eles. A outra levava a um salão enorme. Diziam que Patu o Caolho dormia lá. Sempre com a sua winchester e seu parabélum na mão. Contaram mais ainda que o teto da caverna onde ele morava era enfeitada de caveiras penduradas, meganhas que ele matou. Diziam que mesmo sem vento balançavam como se estivessem dançando quando um inimigo aparecia. Pé ante pé eles seguiram a caverna e avistaram a bifurcação. Qual escolher? Na moeda? Não tinham nenhuma. Eram os seniores mais duros que existiam, mas para eles dinheiro nunca foi problema. Orelhudo mostrou que era o Chefe. Vamos pela direita! Falou. Ninguém disse nada e o seguiram.

              Quinze minutos depois uma visão do inferno. No salão, bem no meio, Patu o Caolho sentado à moda índia, de costas para eles falou baixinho – Aproximem-se! Eu sabia que vinham! Porteira que sempre ria queria chorar. - E agora? Pensou? O bandido vai matar um por um! Vagonete parecia ser o único a não ter medo. Aproximou-se do bandido e sentou ao lado dele. Um pequeno fogo um tropeiro simples e uma artimanha assando o animal qualquer. – Comam a vontade disse o Bandido. Parecia apetitoso. Pescoço tirou sua faca e tirou uma lasquinha. – No ponto pensou. Todos fizeram o mesmo. Ninguém falava. – Meia hora depois Patu o Caolho contou sua história. Nunca fui bandido, Capitão Micunha da Policia de captura se “arrebicou” pela minha mulher. Não me respeitou como homem. Ele foi obrigado a cortar a garganta do meganha filho da mãe. Escondeu-se ali. De vez em quando um pequeno batalhão aparecia. Ele fechava a entrada da direita e eles caiam direitinho no salão dos morcegos assassinos. Nunca escapou ninguém. Saia à noite até Derribadinha ou Riacho Grande para pegar alguma comida. Não tinha dinheiro. Na entrada das cidades dava uns tiros para cima e ninguém incomodava. Servia-se no armazém com víveres para um ou dois meses.

              Orelhudo, Porteira, Pescoço, Vagonete, Pikitito, Cortiço e Pé de Chumbo da patrulha Serpente estavam calados ouvindo a história de Patu o Caolho. Não tinham nada para dizer. Ficaram em pé e Orelhudo agradeceu o petisco que comeram. Era hora de voltar. Pé de Chumbo fez a pergunta que todos queriam fazer: - E as caveiras senhor Patu? – Ele fez um gesto. Ainda sentado à moda índia o salão se iluminou. Centenas de caveiras penduradas no teto. Todos balançando. Todas com o uniforme da policia de captura! – Obrigado e até senhor Patu. Que vamo que vamo para nosso acampamento. Patu olhou para eles – Boa viagem. Sempre os vi lá acampando. Todos se entreolharam. Cada um em fila indiana percorreu o caminho de volta. No Pontilhão da estrada de ferro não deu outra. Na metade da ponte um trem enorme, com faróis incríveis apareceu sobre eles. Pularam no rio. Quase vinte e cinco metros de altura. Moleza para aqueles seniores. Foram até a margem tiraram as roupas e voltaram para buscar suas bicicletas no fundo do rio.


              Sou amigo de Orelhudo e Cortiço. Dou-me bem com Pescoço e Vagonete. Contaram-me esta história. Nunca duvidei. Escoteiros seniores não tem medo de nada. Aceitam qualquer desafio. Conversei com minha patrulha. Toparam. Vamos lá à caverna do Patu o Caolho fazer uma visita. Pelo sim e pelo não vamos dar a volta na Ponte do Santo Ângelo da rodovia. São mais setenta quilômetros, mas fichinha para os seniores que fazem de suas bicicletas seus bólidos voadores. Quando voltarmos claro que vou contar a todos como foi. Se Patu o Caolho ficou amigo dos Escoteiros precisamos manter boas relações com ele. Mudamos a história do Bandido para um homem perseguido que merecia nosso respeito. Coronel Saldanha do Batalhão militar não gostou. Deu um ultimato: - Se continuarem com esta história acabo com vocês! Pelo sim e pelo não calamos. Afinal respeito é bom e todos nos gostamos. Kkkkkkkkk!                    

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

E a vida continua...


Lendas Escoteiras.
E a vida continua...

              Zepeto deu um soco no ar. Nada de anormal, pois gostava de fazer isto. Quem o conhec
ia sabia seu estilo fanfarrão. Era um bom sujeito, nunca fez mal a ninguém, mas dava a impressão errada. Fingia ser uma esfinge, que não se importava e por dentro a gente sabia que ele chorava. Isto mesmo. Ele perdeu seu pai num acidente bobo, um acidente que ele nunca poderia imaginar acontecer. Seu pai pisou em um prego enferrujado e nem sabia que precisava vacinar. Morreu em quinze dias dizendo que nunca entrara em um hospital e nunca entraria. Zepeto ficou uma semana fora de casa. Sua mãe morrera de parto e ele agora estava sozinho. Ele estava com quinze anos quando a fatalidade o pegou de pronto. Quando menino entrou para os lobinhos. Ficou alguns meses e saiu. Precisava trabalhar para ajudar o pai. Deu duro com sua caixa de engraxate por muitos anos. Aos doze voltou ao grupo desta vez como Escoteiro.

              O escotismo transformou a vida de Zepeto. Mesmo amando tudo que o escotismo lhe oferecia ele ainda sentia uma revolta interior. Não conversava com ninguém sobre ela. Ficou muito amigo de Juanito o escriba. A ele falou muito do que sentia, mas pediu segredo. Ele e Juanito haviam feito o juramento de sangue em um acampamento no Vale da Redenção. Saíram ao entardecer para buscar lenha e ficaram fora do campo por mais de uma hora. Zé Poliano os encontrou desmaiados sangrando. Cortaram na veia errada e quase morreram. Ninguém nunca soube do juramento e nem explicaram por que se cortaram. O tempo passou. Zepeto entrou na patrulha Itatiaia. Nunca foi submonitor nem Monitor. Ele nunca pensou nisto. Como sênior achou que poderia ter o Escoteiro da Pátria. Tentou mas não conseguiu. Mesmo assim não abandonou o escotismo. Não foi pioneiro o grupo ainda não tinha um Clã. Havia interesse, mas faltou chefia.

                Lembrou quando largou a caixa de engraxate e trabalhou por uns tempos como carregador de malas na estação e na rodoviária. Pouco dinheiro e mesmo sozinho ele tinha de economizar para viver. Dona Eulália mãe de Geraldinho da tropa o convidou para trabalhar no hotel das Flores. Aceitou. Um salário mínimo e meio. Para ele uma fortuna. Ela entendia e dava folga todas as vezes que a tropa ia acampar. Mãe é mãe e sempre a dizer: - Zepeto fique de olho no Geraldinho. A vida continuava para Zepeto. Ele não reclamava, pois voltou a estudar a noite. Sonhava em ser Professor. Muitos diziam que não valia a pena, mas ele agora um Chefe Escoteiro sabia do seu destino. Queria ensinar, ajudar participar da vida dos jovens. Padre Nivaldo o convidou para ser padre: - Zepeto! Oito anos em um seminário e lá você irá aprender tudo. Zepeto pensou na possibilidade. Padre Nivaldo disse que ele teria de decidir até o fim do ano.

               Duas semanas depois disse sim ao padre Nivaldo. Ficou tudo combinado para o inicio do proximo ano. A escoteirada da tropa brincava com ele chamado de Padre Zepeto. Ele amava aquela turma. Naquele sábado o Chefe Besouro perguntou a ele se queria fazer um curso escoteiro na capital. Seriam três dias. Ele sorriu e sabia que Dona Eulália daria a licença para ele viajar. Muitos Escoteiros foram com ele até a estão e quando o trem partiu ele sentiu um enorme vazio. Conseguiu dormir algumas vezes e quando o condutor anunciou a capital ele sentiu um tremor no corpo. Desceu na estação com a mochila quando alguém lhe bateu nas costas. Olhou e viu quatro policiais de revolver em punho. Colocaram nele uma algema e o jogaram em um camburão. Tentou explicar, mas só levou tapas na boca e no rosto. Foi jogado numa cela imunda com mais vinte bandidos. Pela primeira vez Zepeto chorou. Não sabia o que estava acontecendo.

                Cinco dias depois o delegado o chamou. Tentou explicar, mas o delegado ria. Mostrou para ele uma foto – É você? Ele olhou e viu que era ele sem tirar nem por. Mas como? O delegado o chamou de tudo. Ele pensava o que estava sendo acusado. Estuprador, formação de quadrilha e oito assassinatos. Falou para o delegado que era inocente, morava em uma cidade do interior e sua identidade e CPF podiam provar. – Falso, muito falso como você é seu filho da mãe! Três anos depois foi a júri. Viu o Padre Nivaldo e o Chefe Besouro assistindo o julgamento com lágrimas nos olhos. Foi condenado a 28 anos de cadeia. Recebeu a visita de ambos e eles lhe disseram que sabiam ele ser inocente. Tentariam provar, mas estava difícil. Contrataram um advogado e ele queria muito dinheiro para colaborar. Eles ficaram de voltar, pois pretendiam fazer uma quermesse e pedir donativos para ajudar a contratar um advogado.

                Passaram-se doze anos. A vida de Zepeto acabou. Comeu o pão que o diabo amassou. Apanhou, sofreu sevicias e pegou uma tuberculose que o jogou na cama. Uma tarde recebeu a visita de uma senhora. Ela era advogada e Chefe Escoteira de um grupo na capital, e ficou soube do seu caso. Não iria cobrar nada. Conferiu seus documentos. Nenhum batia com o do bandido. Um ano depois Zepeto foi solto. Chefe Norma disse a ele que poderia pedir uma indenização do estado. Ele chorou. Só queria voltar para sua cidade. Ela quando ele partiu naquela noite no trem noturno, lhe deu a mão esquerda dizendo – Meu amigo, você é um Escoteiro valente. Coloque na sua cabeça que isto foi você quem pediu quando nasceu aqui na terra. Não guarde magoas de ninguém. Sei que vai ser difícil mas tente. Zepeto chorou e chorava baixinho durante toda a viagem. Chegou em sua cidade de manhã. Ninguém o esperava claro, não avisou ninguém. Pegou sua mochila e foi a pé até sua casa. Encontrou lá uma senhora com seis filhos. Ela disse que tomou conta da casa mas não tinha aonde ir. E ele? Ia morar onde?

                 Ela pediu se podia ficar ali, ele também podia ser mais um dos seus seis filhos. Dizer o que? Zepeto deixou a mochila e foi atrás de Juanito. Não morava mais lá. Procurou o Padre Nivaldo. Foi para outra cidade. O Chefe Besouro também não morava mais lá. No hotel de dona Eulália ela o recebeu ressabiada. Ele viu que não só ela mas todos os antigos amigos do grupo faziam o mesmo. A cidade não era mais a mesma. Seu destino? Não sabia. Sabia sim que emprego ali nunca iria conseguir. Partiu duas semanas depois sem nada como chegou. Não sei o que aconteceu com ele mas sei que a vida não foi o que ele sonhou. Um dia li no jornal que mataram um famoso bandido na capital. Vi a foto, parecia Zepeto. Depois soube que não era ele. O vi um dia trabalhando como peão de obra em uma construção na capital. Não falei com ele. Não havia o que falar...

                Hã! Vida. Como dizia Carina Machado à vida nos reserva tantas surpresas, coisas que jamais imaginamos acontecer, lugares que jamais imaginamos conhecer, sentimentos que jamais pensamos em sentir... A vida é tão maravilhosa e ao mesmo tempo tão injusta... Perguntas, inúmeras perguntas sem respostas... Por enquanto...



            

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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