quinta-feira, 9 de abril de 2015

A grande festa de Lagoa dos Açores. O Escoteiro Chefe lusitano vai chegar!



Lendas Escoteiras.
A grande festa de Lagoa dos Açores.
O Escoteiro Chefe lusitano vai chegar!

                     O boato correu de boca em boca em Lagoa dos Açores. O Escoteiro Chefe de Portugal vinha ao Brasil! Mas precisamente em nossa cidade. Um clima de festa tomou conta. Ninguém sabia quem contou e como souberam. Dizem, ou melhor, dona Flancácia quem sabia de tudo quem contou para dona Naninha que contou para dona Bucycleide, que contou para dona Pamonia... Bem isto não importa. Afinal devia ser uma figura importante. O Brasil não tem Escoteiro Chefe e eles os portugueses tem. Maravilha. Acho que foi Tumenodes da venda Dom Cabral quem disse que ele era Duque. Descendente do Marques de Pombal. Mas qual o nome dele? Que dia ia chegar? Doutor Macbeti o prefeito mandou chamar o Delegado Pancrácio, Dona Flancácia, Doutor Jacumé o Juiz de Direito e os Chefes dos Grupos escoteiros da cidade. Uma grande reunião foi feita. Cada um ficou responsável por uma responsabilidade.

                 Lagoa dos Açores passava conforme o último senso de trinta e cinco mil habitantes. Foi fundada em mil novecentos e cinco por Don Panchito Das Torres Altas, um português que aqui chegou com uma mão na  frente e outra atrás, mas logo enricou. Seus patrícios vieram em peso. Lagoa dos Açores pela sua pujança em produzir café de primeira qualidade, teve o privilegio de receber a visita do Presidente da Republica o Doutor Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca. Ninguém nunca soube dizer o que ele foi fazer lá. Dizem que foi a mando de Don Panchito. Será? Mas isto ninguém perguntou e nem se interessou. Só sabiam que ele prometera a ferrovia até a cidade. Foi uma festa quando a Estrada de Ferro Leopoldina Railway mandou o primeiro comboio com a “Jamiloca” a primeira Maria Fumaça a aportar na Estação Linda Coimbra. Soltaram foguetes, Bandas de Musica, danças, desfiles e uma “comidaria”  que durou mais de três dias. Agora sim, podia-se ir a capital em apenas vinte e duas horas e dormindo! Havia vagões dormitórios, um luxo que poucas cidades tinham.

                Seu Samuel Ramalho Ramires Ramos, o mais antigo padeiro de Lagoa dos Açores dava risadas o dia inteiro. – Um patrício! Graças a Deus! Se  for um Duque vou dar a ele uma corrente de ouro de São Fidelis. Chefe Micaleide Soraia convidou os chefes de todos os grupos escoteiros para uma reunião. Lagoa dos Açores se orgulhava dos seus seis grupos escoteiros. Todos irmãos. Eram dois da UEB, dois da FET e dois da AEBP. Dois Pastores planejavam criar no Templo Evangélico da Rua Mascarenhas um grupo de desbravadores. Quem viessem. Seriam bem vindos. A cidade poderia ser chamada de cidade escoteira. Quase todas as autoridades foram ou participaram por pouco ou muito tempo em algum grupo escoteiro. Nada faltava para eles. Todas as contribuições eram religiosamente dividas entre os seis. A verba da prefeitura era gorda. Nunca faltou.

                Os chefes reuniram-se no domingo no Theatro Municipal Don Panchito. Pena que ha mais de dez anos nada se apresentou no Theatro, mas Totonho o vigia o mantinha limpo e bem arrumado. Estavam presentes mais de oitenta chefes. Cada grupo esbanjava seus voluntários que sofreram para ser aceitos. Não era qualquer um que podia participar da equipe de chefes. Diziam, não posso afirmar que muitos davam boas gorjetas para serem aceitos. Chefe Ronsato falava pelos AEBP. Chefe Jarisol pelos FET e o Chefe Micaleide pelos UEB. Uma discussão gostosa. O que fazer – como fazer – quando fazer e quem vai fazer. Um esboço do programa foi levado ao Doutor Macbeti o prefeito. Ele olhou, pegou um enorme carimbo, molhou com tinta, deu uma forte carimbada e disse: - Aprovado! Moçoilas corriam as ruas de Lagoa dos Açores para em grupo enfeitarem a cidade de bandeirolas – Qual a cor da Bandeira de Portugal? Vermelho, verde, amarelo, azul, branco e preto disse o Professor Arquimomedes o sábio da cidade.

               Pitito Modinha era um escroque. Varias vezes foi preso por enganar os outros. No fundo não era um mau sujeito. Afinal seus pais foram os maiores fraudadores e vigaristas que o estado conheceu. Dizem que até hoje estão no xilindró na Ilha de Alcatraz. Isto mesmo. Tentaram enganar o famoso General Douglas Mac Arthur um americano e se danaram. Pitito Modinha nunca matou ninguém. Enganar sim. Afinal para que trabalhar? Ele dizia. Ria quando era preso e o delegado Caroço de Manga dava uma prensa nele. Pitito mude de vida. Um dia alguém vai te dar um balaço bem nas “orêias” o tiro vai entrar em uma e sair cheio de cera na outra para não dizer outra coisa. Pitito fingia que ia mudar, mas ao entrar na cela sua velha conhecida dizia – Enquanto houver otário São Judas não anda a pé. – O delegado ria e dizia - São Jorge Pitito, São Jorge! Putz! Não interessa. E ficava cinco trinta dias preso. Uma vez ficou  um ano atrás das grades. Pitito Modinha leu a noticia quando cortava o cabelo na Barbearia do Carioto Cariado quando pegou um jornal velho e leu – Lagoa dos Açores vai entrar em festa por três dias. Vai chegar à cidade em julho de 1959 o Marquês de Pombal, Conde de Caravelas, Infante Duque de Bragança, Príncipe Regente, Grão-prior do Crato, Escoteiro Chefe Dom Manuel Pero Vaz de Caminha de Portugal e do mundo o maior Escoteiro Chefe de todos os tempos!

               Minino! Meu Deus! Deu certo! Desta vez vou enricar mesmo. Olhou no espelho da barbearia, sorriu e disse: Pitito Modinha você é bom cara, muito bom! - Tudo começou quando ele na biblioteca atrás do fazendeiro Bom Senso a que queria surrupiar a carteira, sentou em uma cadeira num canto e viu na mesa um livro escoteiro de Portugal. Viu a foto de um lusitano a quem chamavam Escoteiro Chefe. Pitito não era bobo. Correu as páginas do inicio ao fim. Leu tudo sobre os escoteiros da terrinha. Cacilda! Desta vai vou acender charuto com nota de cem! Bolou um plano. Ficou dias pensando. Prá dar certo tenho de fazer um uniforme, mas eles lá da terrinha usam outro. Melhor fazer igual o deles. Calça marrom, sapato preto, camisa marrom clara e um chapéu. Não vai ser mole. Mas tenho tempo. Procurou Praquitinha sua noiva. - Me empresta um dinheiro? Vais receber em dobro. Praquitinha sabia que não ia receber nada de volta mais ela gostava de Pitito. Não ia negar.

                  Enviou um telegrama para Seu Samuel Ramalho Ramires Ramos da padaria. Daí as viúvas lavadeiras, era um pulo. Logo a cidade toda sabia. A escoteirada ficaria alvoraçada e assim o plano começou. – Mais um telegrama e Seu Samuel correu até a prefeitura da cidade. Seu prefeito o Doutor Makbeti suava, gordo, barrigudo sonhava que agora Lagoa dos Açores seria conhecida “nos estrangeiros” -  O telegrama dizia - Chego no dia nove de julho próximo. Irei só. Quero conhecer a cidade dos meus conterrâneos os escoteiros. Diga a eles que vou levar uma grande foto do nosso Fundador. Lordi Badi Pawell. As ruas enfeitadas. A praça um brinco. A escoteirada pintou tudo. Não havia um toco de cigarro jogado. As filhas de Maria ensaiaram uma canção Escoteira. Zé Calango dos Vicentinos fez uma poesia. Nos grupos escoteiros  uma preparação enorme. – Todos de luvas brancas. Treinaram evolução, a banda, a turma da bandeira, Todos iriam com suas mochilas e montaram em cima de cinco caminhões diversas pioneiras, pois sabiam que os português eram bambas no assunto.

                 Cilene Maria era lobinha. Quieta. Quase não falava. Diziam que era uma menina possuída. Só porque lia tudo que encontrava desde os dois anos. Na escola com oito já tinha feito o ginásio. Nos lobinhos adorava. Sentia-se bem na matilha azul. Poderia ser prima, mas achou melhor não. Evitava ler os livros escoteiros para que os outros não se sentissem humilhados. Ela não queria isto. Queria que eles a considerassem uma irmã, uma amiga que gostava de todos eles. Quando iam acantonar ela ficava encantada com as árvores, com a grama, com os lagos e riachos de águas frias e gostosas. Adorava ver  por e o nascer do sol. Conhecia uma por uma as constelações no céu. Naquele sábado a Akelá Juely comentou sobre a honra que todos teriam em conhecer o Escoteiro Chefe de Portugal. Contou para os lobos que ele lá em Portugal era querido, todos faziam continência, era carregado quando visitava os grupos escoteiros, enfim era um Escoteiro inigualável.

                 Cilene Maria ficou desconfiada. Sua mente rebuscava na memoria todos os livros escoteiros que lera. Sabia que havia não só uma, mas três associações escoteiras em Portugal. De qual ele representava? Sabia também que ninguém tinha mais esta enormidade de nome como o dele. -  Marquês de Pombal, Conde de Caravelas, Infante Duque de Bragança, Príncipe Regente. Grão-prior do Crato, Escoteiro Chefe Dom Manuel Pero Vaz de Caminha de Portugal e do mundo. Impossível. Só reis tinham tanto nome. E ele misturava tudo. Conde com Duque, com infante, com príncipe regente que só Dom Pedro II foi quando seu pai voltou para Portugal. Não estava certo. Muita coisa errada. Soube que ele o Escoteiro Chefe mandou varias fotos de Baden Powell que ele chamava de Lordi Badi Pawell. Ele era analfabeto? Impossível! E a foto? Não tinha nada do fundador. Era de um homem magrelo, novo, cabelo preto, e uma das fotos sorrindo. Era banguelo. Faltava dois dentes na frente. Aquele não era e nunca foi Lord Baden Powell.

                 Cilene Maria procurou a Akelá. Ela não acreditou. Procurou o Chefe  Micaleide Soraia. Ele também duvidou. Ninguém acreditava nela. Sabia que o talzinho que se fazia passar por Escoteiro Chefe era um enganador. Procurou então o Seu Samuel Ramalho Ramires Ramos da padaria. Ele a ouviu calmamente pensando. Também tinha duvidado do primeiro telegrama. O que ele vinha fazer aqui? Porque não na capital? Disse a Cilene Maria que ia investigar. Passou um telegrama para seu irmão em Coimbra e pediu que investigasse. Cinco dias mais tarde chegou à resposta. Chamou Cilene Maria e mostrou o que seu irmão escreveu. Ela também havia investigado a foto do tal Lordi Badi Pawell. Agora era armar um plano. O delegado entrou no meio. O dia chegou!

                      O Trem serpenteava na beira do Rio Luar do Sertão. Em cada curva o Seu Japinondas o maquinista apitava. Na beira da linha a molecada corria com o trem. Uma fumaceira danada na chaminé anunciava a modernidade. Ele sabia que uma alta autoridade estava viajando no seu trem. Seu bisavó Tutunael sempre contou quando era maquinista que trouxe muitas “otoridades” para Lagoa dos Açores. Agora ele podia contar para seus netos que também carregou um. Pitito Modinha viajava de Primeira Classe. Com seu uniforme de Escoteiro lusitano e seu chapéu que custou a encontrar para comprar todos o tratavam como um rei. Quando levantava todos levantavam. Mandou fazer um lindo lenço dourado. Amarelo, verde e um pouco de azul. Comprou um anel grande de brilhantes para prender o lenço. Na mala alguns presentes que conseguiu comprar nas mãos do Caixeiro Paraguaise.

                         Quando atravessaram à ponte do Rio Luar do Sertão ele viu pela janela a cidade. Riu de leve. Depois riu mais. Agora gargalhava. Disse para sí baixinho – Pitito Modinha, você é brilhante. Será o maior golpe de todos os tempos. Desta vez vou encher as burras de dinheiro. Praquitinha iria saber quem ele era. Iria visitar a “horopa” com ela. Ela ia ver a Torri efailde. O Arco do Truque. Contaram para ele maravilhas do tal Palácio das Vertentes. Iria mostrar para ela o Bigue Bend. E depois nas Américas ela ia ver a Estatueta qui liberta tamem. Eles iriam falar gringo, falar françoá, ingreis. Seriam recebidos por reis e rainhas e quem sabe teriam um tituro de pobresa? Já pensou? - Lord Duque Pitito Modinha? Misse Duquesa de Orleanas dona Praquitinha Castiana? E assim ele sonhava. O trem apitando. A cidade chegando. Ele sorrindo de oreia a orêia.

                Olhou pela janela, a estação apinhada de gente. Uma escoteirada sem tamanho. Todo mundo ali para vê-lo. Pensou de novo consigo mesmo. Pau que nasce torno não tem jeito morre torno. Ops! Nada disto. Pau que nasce torto e é sabidão e morre ricasso. E ria, e ria. O trem parou. Silêncio. E a Banda que pediu? Pegou sua mala, desceu. Ninguém bateu palma. Cacilda, o que houve? Onde eu errei? Meu uniforme está impecável aprendi a fazer o nó de escoita e barso pelo seio. Até sei fazer a saudação deles e eles estão me olhando deste jeito? Uma mão bateu em seu ombro. – Olá Pitito Modinha. Quanto tempo eim? Meu Deus! Era a voz do delegado Caroço de Manga! Uma longa salva de palmas. O delegado agradeceu. Colocou as algemas em Pitito Modinha. Entraram de novo no trem. Uma vaia sem tamanho.


                   Por muitos anos Pitito Modinha foi cantado em prosa em todos os fogos de conselhos que a cidade conheceu. Cilene Maria recebeu todas as honras possíveis. Não só do Grupo Escoteiro, mas de toda a cidade. Ela dizia que não tinha feito mais que sua obrigação, era lobinha, mas não dizem que os escoteiros estão Sempre Alerta? Alguém disse para ela - SAPs Cilene! Valeu! SAPs? Que isto? Não é Sempre Alerta? Risos. Escoteiros, ah Escoteiros. Estão aí por todo lado, observando, olhando, escolhendo, sorrindo, apertando mãos dos amigos e irmãos, e claro sabendo sempre o que acontece em sua volta. Eles são espertos, bons meninos e meninas, vivendo a lei e a promessa como um dia juraram em suas promessas. Eles estão sempre alerta sempre e nunca SAPs sempre. Mais risos.  E eu? Eu nunca esqueço Pitito Modinha e o que disse o meu amigo Dalai lama: - “Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto, hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver”!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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