Conversa
ao pé do fogo.
O
diário secreto de Marly, a escoteirinha feliz.
Terça feira – 18/05 seis
horas da manhã – Meu querido Diário. Ontem foi um dia normal. Acordei alegre.
Minha festinha de aniversário foi linda. Todos meus amigos presentes. Do Grupo
Escoteiro vieram mais de vinte. A Chefe Marlene passou e me cumprimentou.
Apaguei as doze velas com facilidade. Ganhei muitos presentes. Sabe meu diário
estou feliz muito mesmo.
Terça feira – 18/05 sete
horas da manhã – Tomei café e fui ao meu quarto pegar minha mochila. A perua da
escola ia passar em cinco minutos. Uma discussão enorme. Gritos, palavrões, meu
pai e minha mãe pareciam que iam se matar em seu quarto. Estava acontecendo
ultimamente. Não sabia o porquê. Comecei a chorar. Minha mãe gritou que queria
o divorcio. Se eles vão se divorciar prefiro morrer. Peguei minha mochila,
tirei os cadernos e coloquei uma manta, vesti meu uniforme de Escoteira, passei
na cozinha peguei biscoitos, enchi meu cantil e sai de casa.
Terça feira – 18/05
oito horas da manhã – Cheguei à estação de trem. Peguei o primeiro. Sem rumo.
Desci numa pequena estação. Não parava de chorar. No trem alguém me perguntou o
que ouve. Não respondi a ninguém. Aprendi a não conversar com estranhos. Vi uma
pequena estrada rumo onde o sol nascia. Andei bastante, uma casa aqui e outra
ali. A estrada acabou. Agora era uma trilha, linda, flores silvestres, um
perfume inebriante. Andei um pouco mais e vi um escoteirinho sentado em baixo
de uma aroeira frondosa. Ele chorava copiosamente.
Terça feira – 18/05
onze horas da manhã – Porque choras escoteirinho? – Ele respondeu – Minha mãe e
meu pai me deixaram. Procurei-os e não encontrei. E o escoteirinho chorava e
chorava. Meu coração não aguentou. Abracei-o. Disse não chores. Eu também estou
chorando com você. Olhe que eles vão aparecer. - Não sei – disse ele. Estávamos
em nosso automóvel indo para a praia em férias, um caminhão nos fechou. Caímos
da ponte e nosso carro afundou no rio. Acordei aqui debaixo dessa aroeira
frondosa. Sozinho. Não posso ficar sem eles! E chorava e chorava.
Terça feira – 18/05
meio dia em ponto – Estava a chorar com o escoteirinho embaixo da aroeira
frondosa. Meus olhos escorriam lágrimas de tristezas. O Escoteirinho gritou! –
Lá vem minha mãe e meu pai! – Graças a Deus. Deus nunca me abandonou. E o
escoteirinho correu ao encontro deles abraçando. Eles o pegaram e subiram em
uma nuvem e se foram em direção ao céu. Fiquei ali sozinha. Uma brisa gostosa
me trouxe o perfume do bosque próximo. Orvalhos caídos de uma nuvem branca
molhavam meu rosto. Achei que era o sinal do escoteirinho. Olhei para o céu, vi
pássaros lindos voando e fazendo acrobacias. As nuvens ficaram atônitas e os
pássaros pararam em pleno voo e sorriram no ar.
Terça feira –
18/05 duas horas da tarde - Estava de volta. O trem chegou à estação. Estava
sorrindo. Não chorava mais. Porque chorar? O problema do escoteirinho era maior
que o meu e ele acreditou. Eu também não podia acreditar? Quando cheguei
próximo à casa muita gente lá. Meus pais me viram. Abraçaram-me. Minha mãe
chorava. Filha, não faça mais isso. Nuca mais farei mamãe. Juro pela minha
Promessa Escoteira.
Terça feira – 18/05 –
Sete horas da noite. Tinha tomado banho. Estava eu mamãe e papai na mesa de
jantar. Todos calados olhando para mim. Mamãe me serviu uma deliciosa sopa de
ervilha. Meu prato predileto. Ela sorriu, ele sorriu. Eu sorri também. Papai
pegou na mão de mamãe e beijou. Um beijo lindo. Sorri mais ainda. Meus pais que
eu amava. Sabia que nunca mais iriam se separar.
Terça feira – 18/05 – Dez
horas da noite. Estou deitada em minha cama. Não choro mais. Eu sou uma
escoteirinha feliz. Tenho os melhores pais do mundo, amigos lindos, uma
Patrulha da Raposa que amo. Jurei a mim mesma e você meu diário querido vai ser
a prova do que eu jurei. Nunca mais farei isso outra vez. Não existe problema
que não tenha solução. Sabe meu querido diário, você lembra-se do poema que
disse no Fogo do Conselho no verão passado?
“Minha mãe sempre diz: Não há dor que dure para
sempre! Tudo é vário. Temporário. Efêmero. Nunca somos sempre estamos! E apesar
de saber de tudo isso, porque algumas dores duram tanto? Porque alguns
sentimentos (diga-se de passagem, os mais ridículos) demoram tanto a passar? Porque
olhar pra ele reaviva esperanças perdidas e suscitas lágrimas quentes até então
contidas? Porque o cérebro ainda não inculcou no coração que esquecer faz bem a
saúde? Porque tudo não pode ser como um bonito filme francês?” (Chico
Buarque).
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