terça-feira, 18 de agosto de 2015

Quem for limpo de corpo e alma atire a primeira pedra.


Lendas Escoteiras.
Quem for limpo de corpo e alma atire a primeira pedra.

                      - Não sei se é uma boa ideia July. E se o pior acontecer? – Minha querida, eu sei que é errado, eu mesmo no meu consciente não quero fazer, mas veja: - Vamos fazer daqui a cinco dias nossas bodas de ouro. Uma vida Janice. Uma vida juntos. Todos os aniversários de casamento eu quis lhe dar um presente e nunca consegui! Sempre uma panela de pressão um jogo de talher, coisas que você queria, mas não o presente que merecia. – Mas nós podemos ir para a cadeia July. Você já pensou nesta idade ir presos? – July riu. Seria mesmo uma festa de arromba passar os cinquentas anos de casado na cadeia. July pensou e pensou. A rotina estava presente em suas vidas. A ideia lhe agradava. Tudo levava a sair dela e sorrir novamente. Seus filhos nem se lembraram da data, ele sabia que iria receber um telefonema e nada mais. Há anos ninguém lhe convidava para um passeio, para um jantar, e em suas férias eles iam para as praias, para outras plagas e o casal de velhos em casa. Afinal o que fazer com dois salários mínimos?

                         - Amanhã cedo, pegamos o ônibus do centro, e vamos naquela loja que aluga roupas. Quero um lindo smoking e para você o mais lindo vestido longo do mundo! Vai ficar por menos de cem reais por um dia. – Janice sorriu. Pensou em vestir um longo. Quanto tempo ela não usava mais. A última vez foi no casamento de sua filha há vinte anos. Sabia que do que tinham recebido no mês e pagando o aluguel iriam sobrar cento e cinquenta reais. Guardados a sete chaves. Precisavam para o leite e o pão de cada dia. Dormiu preocupada, mas sorrindo. Seria uma aventura e tanto. Quantas aventuras fizeram no escotismo? Ela tinha boas recordações. Quantos acampamentos, quantas amizades, mas hoje eram menos de que um punhado de nada. Ela dormiu. Dormiu sonhando com o que iriam fazer. Não houve anjos ou demônios para dizer se era certo ou errado. No ônibus abraçados os passageiros olhavam com inveja o casal de velhos abraçados e sorridentes.

                             Ele ficou bem no smoking. Ela linda, quanta beleza mesmo com a idade ela tinha. Ele tinha orgulho de sua mulher. Aonde eles chegavam sempre diziam de sua beleza. Saíram pelo portão da casa como dois príncipes encantados. Um taxi os levou ao Vicolo Nostro. - Era o melhor restaurante da cidade. Um primor que ficava no último andar do Hotel Palace dos Príncipes. Diziam que um apartamento ali custava mais de cinco mil reais. Janice sorriu. Nunca poderia conhecer um deles. Nunca. E a suíte então? Subiram no elevador sob os olhares complacentes de alguns hóspedes e de duvida de alguns funcionários. Domenico o Maitre quando os viu sabia que eram uns pobretões. Ele conhecia a realeza. Trabalhava há anos ali. Deu a eles uma mesinha de canto. Olhou com atenção para Janice. Nunca vira uma mulher naquela idade tão linda. Escolheram os pratos mais caros, a champanhe mais cara, a sobremesa mais cara. – Quando ele apresentou a conta sorriram – Desculpe senhor. Não temos como pagar!    

 

                            Domenico sorriu. Sempre tinha alguém querendo comer de graça. – Senhor, se não pagar vou chamar a polícia! – Mas não vamos lavar pratos? Falou July. – Não senhor, não paga cadeia! – Juny explicou que iam fazer aniversário de casamento, bodas de ouro e queria presentear a mulher. Domenico no alto de sua importância pegou o celular e chamou a policia. O segurança do restaurante os levou a uma saleta na entrada. Na cadeia o Delegado Francoso os olhava com raiva. Sempre assim, sempre tinha os aproveitadores. A farola de aniversário não colou para ele. Já era tarde, sua mulher o esperava para um coquetel na mansão do Conde Teodorico II. Queria ser promovido a delegado geral e o conde era amicíssimo do Governador. – Ponham eles no xilindró até que paguem a conta disse.

 

                           Pica Pau um repórter sem eira nem beira estava naquele dia na delegacia. Ouviu tudo. Chegou perto de July e perguntou o que ouve. July sorridente contou. – Ninguem pode pagar? – Não responderam. E seus filhos? – Não vamos incomodá-los. – Escreva aí, no seu tabloide e na sua radio. – Quem se achar inocente que atire a primeira pedra. – Deodato um engraxate que procurava alguém para uns trocados na delegacia viu os dois. – Chefe! É você? July tentou fingir. Não queria que soubessem que era Escoteiro claro aposentado. – Sempre alerta Chefe! Disse Deodato. Pica Pau sorriu. Agora sim tinha uma matéria de primeira. Ligou para a rádio e ela o pôs no ar. A noticia começou a se espalhar. Duas horas depois escoteiros de todos os lugares começaram a chegar. A rua não cabia mais ninguém. A policia foi chamada e nada pode fazer. Um zum, zum no ar – Prenderam o Chefe July e a Chefe Janice! – solta, solta, solta era o que todos gritavam na rua.

 

                            Advogados sorriram ao verem a noticia. Nem na delegacia foram. Correram para a Sexta Vara Criminal a procura de um habeas corpus. Sabiam que isto os levaria a glória. Seriam reconhecidos. – Doutor Pavone assinou centenas. – O delegado irredutível. Prisão preventiva. Não sei quando podem sair e podem recorrer à vontade. – Luiz Antônio Escoteiro da Patrulha Pavão filho do Governador Kalmim chorava com seu pai. Tem de soltá-lo pai! – Filho não posso! – Pode sim, o senhor é o governador. – Emissoras de TV começaram a chegar a frente à delegacia. Centenas de repórteres. Lá dentro Juny e Janice dormiam sorrindo em um pequeno catre apertado. Era para eles uma aventura e tanto. Nem sabiam o que se passava lá fora. Dora, Joviel, Tonho e Caledônio os filhos viram a noticia na TV. Correram para a delegacia. Lá fora uma balburdia. Nunca se viu tantos escoteiros como ali. Eram milhares. Todos exigindo a soltura dos Velhos Lobos que estavam presos.


                          Doutor Pancrácio o Presidente da Região não sabia o que fazer. Ligou para a Direção Nacional, ninguém lá de plantão. – Que eles paguem pela vergonha escoteira que estamos passando. A escoteirada miúda pagou em juízo as despesas dos dois velhos lobos. Na porta da delegacia fizeram uma “vaquinha”. Nunca se viu tantas moedas e notas de um real. O delegado sumiu. Agora só no dia seguinte. Uma noite na cadeia não faz mal a ninguém. Pensou o Delegado. No dia seguinte alguém entrou com uma petição no Supremo Tribunal Federal. O assunto foi parar no congresso. – O almirante Jacarta se prontificou a mandar uma esquadra. – “Mas quá almirante, lá não tem mar” – O brigadeiro Jalusko enviou doze caças que sobrevoaram a delegacia. General Sukarno colocou doze tanques na porta da cadeia.


                           July e Janice foram soltos ao meio dia do dia seguinte. O Maitre Domenico sorria. Recebeu seu rico dinheirinho. Nunca houve um bravôo como o dado pelos escoteiros na porta da Delegacia. Parecia que os prédios iriam cair. July e Janice foram carregados no ar. Escoteiros são assim podem esquecer hoje, mas sabem que seus velhos escoteiros vivem eternamente em seus corações. Em casa eles sentaram na poltrona abraçados. Seus filhos sorriam. – sabiam que eles também tinham direitos de cometer pelo menos um erro na vida. Mas seria um erro? Cinquenta anos não podia passar assim como tudo que passa pela vida. Mereciam muito mais.  July e Janice viveram sua aventura que tanto esperavam. E agora? Se você os culpa e se tem o corpo e a alma escoteira em paz, atire a primeira pedra!   

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