sábado, 10 de outubro de 2015

Ashanti, uma pioneira no Rio da Esperança.


Lendas Escoteiras.
Ashanti, uma pioneira no Rio da Esperança.

             Ashanti olhava as águas do rio Madeira que corria lentamente. A Chalana parecia bailar acima das águas. Gostava de ver nas margens a floresta densa a sumir de vista. O rio Madeira ali não era majestoso, dizem que ele tem mais de 2.500 quilômetros de extensão e o maior afluente do rio Amazonas. Os índios o chamavam de Cuyari, assim conhecido pela grande nação dos Tupinambás a muitos e muitos anos atrás. Sua mente fervilhava pensando na grande aventura que faziam. Saíram de Humaitá no norte do Pará. Viajaram quilômetros pela BR-319 que liga Porto Velho a Manaus. Na viagem passaram bem próximo da Usina do Jirau. Estava se tornando uma lenda. Uma luta entre o sagrado e o profano. Diziam que era a Cachoeira do Padre outros a batizaram do Caldeirão do Inferno. Ela passava uma vista d’olhos no Velho Mestre Antoninho, o comandante do barco. Ele sabia o que fazia.

             À tarde no mais tardar chegaremos a Santarém disse. Avistou as vilas de Trata-Sério, Macacos e Ilha Teotônio. Em Santarém tentariam um voo da Força Aérea Brasileira até Cuiabá ou São Paulo. No inicio era uma viagem encantadora. Ver a floresta Amazônica e suas vilas ribeirinhas era um grande desafio. Dias depois o espetáculo não era o mesmo. Ashanti era seu apelido. Seu nome verdadeiro era Loreta Salmineu Montes. Pioneira do Clã Garini (guerreiro lutador). Ela sempre preferiu ser chamada por Ashanti. Achava que tinha muito a ver com Baden-Powell. Seu Clã era composto por doze pioneiros. Cinco moças e sete rapazes. Poucos eram assíduos. Clã é assim mesmo. Idade de começar a luta pela vida, faculdade e outras obrigações. Um baque forte e o barco virou. Os outros seis pioneiros que estavam com ela nadaram até a margem. Voltaram para ajudar e ver sobreviventes.

                    Todos se salvaram. Leo, Marlon e Fanzini traziam as mulheres e crianças que não sabiam nadar. Mestre Antônio conversava animando todos. – Amanhã a Capitania vai dar falta e logo estarão aqui, dizia. Preparam para passar a noite. Os pioneiros arrumaram lenha seca e uma grande fogueira foi acesa. Em volta do fogo eu olhava o Leo. Tinha por ele uma grande paixão escondida. Entrou no Clã, e não se adaptou e quase saiu. Era um aventureiro e mochileiro. Nosso mestre Pioneiro era idoso e quase não participava. Quando Leu chegou motivou a todos a fazerem atividades fora da sede. Fomos ao pico do Itatiaia, e na Serra da Bocaina. Eu sugeri a ele fazer uma grande atividade de doze dias no Amazonas.

       Leo deu um novo ânimo ao Clã. Passou a entusiasmar a todos, criou atividades diferentes. Agora fazíamos nossas áreas de interesse com gosto. Antes desta grande aventura estivemos em duas atividades nacionais, dois mutirões pioneiros e fomos para uma aventura no pico do Itatiaia. Outras tantas foram realizadas e saborosas. Foi muito divertido. Notei que algumas crianças choravam de fome. Leo e Marlon mergulharam até a cozinha da Chalana e trouxeram leite condensado e algumas latas de sardinha. O dia amanheceu. Um lindo sol apareceu. Animamos os passageiros até a chegada do barco patrulha da capitania. As três eles chegaram. Antes os pioneiros mergulharam recuperando nossa tralha e dos passageiros no fundo do barco. No retorno lanchamos no barco patrulha. Chegamos a Santarém a noitinha. A Capitania nos ofereceu hospedagem em quartos razoáveis. Aproveitamos para telefonar aos nossos pais e contar a grande aventura que fazíamos.

              Noite alta eu e o Leo ficamos conversando na varanda. Eu sabia da sua namorada, uma jovem loura muito bonita. Ele me disse que estava pensando em terminar. Não existia amor entre eles. Ela sempre insistindo para ele sair dos pioneiros. Fui dormir pensando no Leo. Era um amor impossível e eu sabia disso. Conseguimos na base aérea uma carona até São Paulo. Partimos às quatro da tarde. Nem bem levantamos vou e o avião começou a adernar de lado. Ficamos assustados. Um tenente nos ensinou a segurar firme na poltrona da frente. Foi feito um pouso forçado. Parte do avião se partiu ao meio. Era uma pista clandestina de mineradores. Senti uma pancada forte na perna direita. Leo foi jogado para fora do avião. Os demais não tiveram nada. Leo tinha um corte profundo na perna e outro no couro cabeludo. Muito sangue. Um dos tripulantes era médico e fez os primeiros socorros. Senti uma pontada enorme no coração. Não podia perder o Leo.  Não demorou um helicóptero da FAB chegou. Levou-nos todos até Belém do Pará. Ficamos cinco dias esperando um voo para São Paulo.

      Visitei o Leo muitas vezes. Estava se recuperando e para surpresa sua namorada foi lá só uma vez. Dois meses depois ele apareceu. Sorrindo para todos. No final da reunião me procurou e convidou para um cinema. Meu coração explodiu. Ele me disse que tinha terminado tudo. Descobrira que me amava. Incrível! Tudo que eu queria e sonhava. Nosso namoro era lindo. Ficamos juntos no Clã até os vinte e um anos. Léo se formou em Engenharia mecatrônica. Recebeu uma proposta de um conglomerado de Hospitais sediados em Boston, nos Estados Unidos. Pediu-me em casamento. Queria que eu fosse com ele. Não titubeei um minuto. Meus pais acharam que eu devia me formar. Meu coração bateu mais forte. Em Boston moramos em uma bela casinha. Vi diversas vezes jovens da Boy Scouts, Um Chefe nos convidou a participar. Agradecemos. Não sei, não encontrei lá o que tínhamos aqui. Talvez aquele carinho, aquele sorriso franco.

              Faz oito anos que moro em Boston. Nunca esqueci minha vida escoteira. Meu antigo Clã ainda mora em meu coração. Aquela aventura no Rio Madeira ficou gravada para sempre. Não o chamo de Madeira, para mim é o Rio da Esperança. Foi ali que minha vida mudou. Não vou dizer que valeu o naufrágio e a queda de um avião. Meus vizinhos gente simpática quando conto minhas aventuras muitos não acreditam. A esperança é a maior e a mais difícil vitória que a gente pode ter sobre a alma. Ela existe, está sempre firme em nosso pensamento. Antes eu dizia que a esperança poderia alterar qualquer coisa. Claro, no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro. Sei o que é absoluto porque existo e sou relativa. Minha ignorância é realmente a minha esperança: não sei adjetivar. Olhando para o céu fico tonta de mim mesma.

           Tenho dois filhos lindos, são a minha vida. Sempre conto para eles a noite, deitada no tapete azul da minha sala que chamo de Rio Esperança. Em frente à lareira recordo tudo que senti, vivi e aconteceu comigo no escotismo. Eles me olham de maneira enigmática. Não entendem quase nada do que eu falo. Afinal um tem quatro e o outro cinco. Mas olho para eles, sorrio, e digo: - Meus filhos nunca percam a esperança. E então me lembro de Fernando Pessoa: - Ser feliz é encontrar força no perdão, esperanças nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros. É agradecer a Deus a cada minuto pelo milagre da vida. Amo o escotismo. Sempre amei e nunca irei esquecer os momentos felizes que nele passei...

   

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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