domingo, 29 de novembro de 2015

Espalhem minhas cinzas na curva do Rio Amarelo.


Lendas Escoteiras.
Espalhem minhas cinzas na curva do Rio Amarelo.

                  Eu flutuava no ar. Era uma sensação diferente. Não tinha a mínima ideia do que estava acontecendo. Não me lembrava do passado e o presente para mim era uma incógnita. Tentava ver onde estava e não conseguia. Não havia som, não havia luzes só uma escuridão infinita. Será que estava morto? Ou será que sonhava? Não acreditava em vida depois da morte. Para mim morreu é deixar que a terra do corpo se aproveitasse. De repente vi nuvens se abrindo e a minha cidade apareceu entre elas. Achei linda a visão, era a primeira vez que a via do ar. Não sabia que ela era tão bonita. O Rio Amarelo serpenteava ao seu lado com suas águas brancas e cristalinas. Desci um pouco mais na nuvem onde estava. Notei na curva do Rio Amarelo uma turma de escoteiros formando uma grande ferradura. O que eles estavam fazendo ali? Eu os conhecia um por um. Galáctico o monitor da Coruja, Twister da Lobo, Trocadilho da Onça. Mas não vi MacArthur da Morcego. Por quê?

                Desci um pouco mais, fiquei menos de quarenta metros deles. Onde estava Rosinha? Também não estava ali? Sorri para mim mesmo entristecido. Sabia que ela não viria. Não havia motivos. Alguém de uniforme Escoteiro entrou nas águas límpidas do rio. Olhei melhor era MacArthur. – O que estavam fazendo? MacArthur tinha uma caixa de metal pequena nas mãos. Abriu a tampa e retirou um pouco de cinzas jogando-as pelo ar! O vento calmo se apoderou delas e as espalhou por toda a margem do rio. Foi então que me lembrei. Foi um pedido meu feito a MacArthur e renovado na Corte de Honra. Os meninos se assustaram e não disseram nada. Mas como foi que isto aconteceu? Minha mente tentava rebuscar o passado e não conseguia mentalizar. MacArthur chorava. Gostava tanto assim de mim? Mas eu não era um bom Chefe? Uma vez pensei que sim até que um pai colérico gritou comigo no final da reunião: - Borracho! Bêbado! Que exemplo está dando para os meninos seu vagabundo! Aquelas palavras bateram fundo.
           
                Minha memória ia aos poucos voltando no tempo. Acho que tudo começou quando sai da sede naquele novembro. Sentia uma depressão enorme. A tristeza me invadia o corpo e confesso que nem sabia o motivo. Uma dor incrível no peito, mas não tinha falta de ar. Saudades miseráveis que sempre me acometia em tardes de lua cheia. Passei sem perceber na Boate de Madame Telminha. Casa de má vida. Não devia entrar e seguir em frente. A música se espalhava no ar. O vento me empurrava a entrar. Índia a canção foi sempre minha preferida. Comecei a cantar baixinho. Entrei, sentei em uma mesinha de canto. Foi então que a avistei. A mais linda mulher que tinha conhecido. Nunca fui um conquistador. Evitava tudo isto que vivia agora. Era um Escoteiro e me considerava puro nos pensamentos nas palavras e nas ações.

               Ela cantava maravilhosamente. Fiquei maravilhado com sua voz. Quase chorei ao ouvi-la cantar. Pedi uma cerveja, duas, três e perdi a conta de quantas foram.  A Boate fechou às três da manhã. Não queria sair, queria falar com Rosinha. Estava apaixonado. Iria pedi-la em casamento. Um bobo da corte, um idiota, um simplório como eu ela nunca me receberia. Tentei. Seguranças me impediram. Forcei e me jogaram para fora da boate. Cai na lama da rua. Senti-me sujo e desmaiei. Acordei com o sol a pino. Estirado na calçada atrapalhando os transeuntes que passavam me olhando com nojo. Tentei levantar e não consegui. Uma mão me ajudou e me arrastando me levou até minha casa. Deitou-me na cama não antes de passar uma toalha molhada pelo meu corpo. Forcei a vista para saber quem era. MacArthur!

                 Cidade pequena logo todo mundo sabia. Minha fleuma escoteira estava indo para o ralo. Já não era mais um Chefe e sim um bêbado, um escrachado, um cachaceiro. Apenas um dia e perdi todo respeito que conquistei e construí. Sempre me consideraram um vagabundo deste que meus pais morreram. Não ia a igreja, não acreditava em Deus. Na cidade fui o único a assumir que era um ateu. Para me inscrever no escotismo não foi fácil. Sempre fui um deles de corpo e alma desde criança. Assumi a loja do meu pai. Trabalhei de sol a sol. Não dependia de ninguém. Logo conquistei um Escoteiro, uma patrulha uma Tropa. Quando saíamos para acampar era uma festa. A cidade aplaudia. Acreditavam agora em mim. Resolvi me manter calado no que acreditava, agora tinha uma nova filosofia, uma nova forma de viver. O escotismo passou a ser minha namorada, minha mãe meu pai meu tudo.

                  À noite acordei assustado. Sonhava com ela. Danação! Rosinha agora fazia parte de mim. Arrumei-me mais ou menos e parti para a Boate de Madame Telminha. Sabia que era um erro, devia forçar minha vontade de ir e ficar. Afinal o Escoteiro é leal com suas convicções, mas nada disto aconteceu. Novamente ela me virou as costas, novamente bebi além da conta, novamente me jogaram porta a fora. Desta vez foi pior. Um homem que não conhecia com cara de mau me ameaçou. Ri dele. – Também sou homem disse a ele. Na rua bêbado o delegado me levou para a delegacia. Passou-me um sabão. – Sabia que eu era Escoteiro e devia dar exemplo. Acho que ele não sabia que não temos como dominar o coração. Eu queria pelo menos ter um minuto com ela, sentir seu perfume, seu hálito, sua voz e seu sorriso. Sabia que nunca teríamos nada, mas não custava tentar. Isto repetiu várias vezes. No Grupo Escoteiro fui convidado a me retirar. Uma maneira educada de dizer que eu não era mais bem vindo.

                    Ah! MacArthur, um Escoteiro, um monitor e meu anjo da guarda. Ele no alto dos seus treze anos me dava lição, logo eu um homem de 25 anos. Mas eu o obedecia. Ele falava eu fazia. Poucos escoteiros foram a minha casa. Muitos chefes me viraram as costas. Eles estavam certo. Um dia sonhei que estava morto. Acordei sorrindo. Por quê? Afinal a vida tinha me levado e eu sorria? Eu tinha pedido a MacArthur que não deixassem me enterrar. Entreguei para ele um bilhete escrito do próprio punho que queria ser cremado. Que ele jurasse e desse sua palavra de escoteiro que iria jogar as minhas cinzas na curva do Rio Amarelo. Entreguei a ele uma boa quantia. – Se sobrar, eu disse, é uma doação para a Tropa. Ele sério e empertigado nada falou. Voltei novamente a Boate e ao entrar senti dois estampidos. Não senti mais nada. Agora estou a ver a cerimonia que os escoteiros estão fazendo para mim. Meus olhos choram meu coração não existe mais. Eu não era ninguém!


                   Não vi anjos no céu, não havia luz e nem ninguém de branco a me esperar. Estava morto? Se estava porque eu via tudo? Porque eu sentia que podia tudo? Tentei gritar, mas chorava sem parar. Não queria ficar sozinho ali naquele espaço de tempo que nunca acreditei ficar. Não sei quanto tempo chorei, mas um dia uma abertura de um azul finito se abriu no céu. Alguém me elevava no ar. Sabia que não era uma pedra, não era um grão de areia, eu era sim um espírito que desejava ardentemente o auxilio de alguém! Foi então que rezei, e rezando almas apareceram para me ajudar. Bendito seja Deus, bendito seja seu santo nome. Obrigado meu Deus!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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