domingo, 8 de novembro de 2015

O Fantasma do Capitão Conrado.


Lendas escoteiras.
O Fantasma do Capitão Conrado.

                Se não me engano tudo aconteceu em mil novecentos e sessenta e seis, mais precisamente em novembro. Feriado de quinze de novembro. Uma época que comecei a colaborar com o Grupo Walt Disney em Belo Horizonte e hoje extinto. Estava sentindo falta dos meus acampamentos a “escoteira”. (aquele que anda só). Fazia mais de dois anos que não fazia um. Falei com Celia que ia acampar no feriado. Ela não gostava destes meus acampamentos, mas sabia que era um dos meus prediletos e aceitava contrariada. Ia pegar um ônibus até o entroncamento de Cidade Nova com Monte Azul. Poderia ter ido de trem, mas era demorado. De ônibus fiz com três horas. De trem mais de nove. Meu destino era uma parte da serra da Mantiqueira pelo lado de Minas Gerais. Pretendia subir a serra por seis quilômetros até o riacho Seco. Risos. Nunca esteve seco com corredeiras enormes. Sai na sexta à noite e voltaria na segunda à noite.

               O ônibus me deixou no entroncamento por volta da duas da manhã de sexta feira. Era o que planejara. Minha mochila estava pesada e ainda tinha meu bornal com meu farnel para seis refeições. Simples. Sempre foi assim. O arroz, quatro pedaços de linguiça, um “poquito” de nada de macarrão. Eu sabia que não iria faltar alguma caça sem contar as pescarias. Caça simples com armadilhas. Cortei uma vara fina para me ajudar na subida. O sol estava nascendo quando cheguei ao Riacho Seco. Estava bem seco mesmo. Ainda bem que onde ia ficar tinha um bom remanso para nadar e pescar uns lambaris e traíras. Tirei as tralhas das costas e comecei a montar o campo. Uma pequena cabana com folhas e por cima uma lona simples. Eram duas lonas a outra seria para fazer um toldo no meu fogão tropeiro. Passei boa parte da manhã preparando meu campo. Não sei por que, mas senti que estava sendo observado. Olhava e não via ninguém.

                 Não vou mentir e dizer que não tenho medo de nada. Sempre tive. Mas o medo aprendi a combater com o medo. Quantas vezes no escuro não vi fantasmas de todos os tipos? Nossa visão cria fantasmas em um galho, um vento movimentando o capim o barulho da água e até a chuva nos ajuda a sentir a pele enrijecer e muitas vezes fechamos os olhos para quando abrir rezar para que os fantasmas da mente desaparecessem da nossa vista. Mas a danada da percepção de estar sendo observado não terminava. Cuidei do que tinha de cuidar. Preparei um ótimo lenheiro. Se o tempo permanecesse firme ia dormir sob as estrelas. Adoro isto. Acampar sozinho é uma dádiva. Você ouve os sons da natureza, dos bichos, pássaros dos insetos, da brisa ao amanhecer, do balançar das arvores que são inesquecíveis e do vento calmo ou forte para sul ou norte. Naquela sexta depois de tomar uma sopinha de macarrão, sentei em um tronco frente ao fogo e quando ia iniciar a preparar meu cachimbo vi em cima do remanso uma figura brilhante.

                  A figura não se movimentava. Era diferente de tudo que tinha visto. Pelo menos pareceu. Pior é ficar calado enquanto ela fazia barulho. Vamos enfrentar o bicho, pensei. Claro com medo, mas lá fui eu até o remanso. A figura sumiu. Voltei. Uma visão de ótica? Acho que não. Sentei novamente no meu tronco. Fazia um pouco de frio. Fui até minha mochila e peguei minha capa negra de anos e anos de uso. Presente da minha avó. Quando sai debaixo do meu abrigo dei de cara com o fantasma. Não era grande. Era brilhante. Parecia uma figura destas do sertão com perneiras, uma bota cano longo um enorme bigode e um chapéu velho e amassado. – Olá! – Ele disse. – Olá! Respondi. – O fantasma falava. Bom isto. Nunca tinha visto nada na vida assim. Fantasma falante era novidade. Não tenho mediunidade. Nem vozes ouvia. Senti o coração bater mais forte.

                  - Posso tomar um café com você? – Claro disse. Fiquei olhando como ele iria tomar o café. Fantasmas são etéreos. Não seguram nada nesta vida. Mas eis que ele pegou minha caneca, tirou a chaleira do fogo e bebeu um belo gole. E olhe saia fumaça da caneca. Ele sentou numa ponta do tronco. – Sabe! Ele disse. Gostei de você. Entrou nas minhas terras sem pedir, mas vejo que é educado. Observei você o dia inteiro. – Só não gostei quando tomou banho e deitou na grama pelado. Não gosto de homens pelados. Já matei vários assim na minha vida. – Caramba! O fantasma era um pistoleiro! Estava começando a tremer. O medo chegou. Estava difícil dominar. Ele não parava de falar. Convidou-me a ir até sua fazenda, precisava da minha ajuda. – Disse do horário. Pode ser amanhã? Ele riu e disse – tudo bem. Amanhã passo aqui a meia noite e vamos lá. – Não pode ser durante o dia? Não. Eles não permitem. – Quem é “eles”? Sem resposta. O fantasma sumiu.

                   Não tive problemas para dormir. Acordei algumas vezes para o necessário e voltava a dormir. No dia seguinte ele não apareceu. Era meia noite e nada. Bem se não aparecer paciência. Iria embora no domingo. Lá pelas duas da manhã de sábado ele me chamou. – Vamos lá. Só agora consegui me desvencilhar deles. – Sou conhecido aqui como o Capitão Conrado. Andei matando muitos que eram contra mim. Esses quatro me emboscaram na estradinha do “Bastião” quando estava entrando em minha fazenda e me deram dezenas de tiros. Não satisfeitos me pegaram e me levaram para um local podre, cheirando a enxofre e todo mundo ali parecia com o demônio. Escondi-me aqui, mas eles me acharam. - Vamos logo antes que voltem. – Fazer o que? Lá fui com ele. Não andamos muito. Uma choupana caída, muitas cinzas sinal que foi queimada. - Ali no canto sou eu disse. Uma caveira. Nada mais que ossos e ossos.


                   Preciso que me enterre. Só assim conseguirei fugir deles. Achei uma enxada. Cavei uma cova rasa. Coloquei lá a caveira. Depois que soquei a terra o Capitão Conrado deu um enorme grito. Vi que mais quatro vultos brilhantes estavam carregando ele para longe. Voltei apressado para o campo. O dia começou a nascer. Juntei minha tralha e nem fiz a limpeza do campo. Desci a montanha em menos de uma hora. Na estrada peguei o primeiro ônibus.  Na janela vi o Capitão no alto do morro dizendo adeus. – Adeus mesmo. Aqui não volto nunca mais! Acredita? Não? Bem não posso convencer ninguém. Mas olhem, continuei acampando a “Escoteira” por muitos e muitos anos. Nunca mais vi fantasmas. Vozes eu ouvia, mas faz parte do ofício. Baden Powell dizia que só os valentes entre os valentes se saúdam com a mão esquerda. Não sou valente. Aceite minha direita. Desculpe BP. Risos.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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