Lendas
escoteiras.
Minha maior
amiga foi uma Coruja de olhos verdes.
Eu conheci uma Coruja. Por
favor, não riam de mim. Não foi uma coruja qualquer. Imagine, ela me olhando e
eu olhando para ela e pam! Surgiu um amor e uma amizade eterna. Eu era amigo de
uma Coruja. Alguém já foi amigo de uma Coruja? Eu fui e sou. Ela me disse um
dia que apesar de ser um menino e ela uma ave, ela nos considerava irmãos!
Podem acreditar, pois eu acreditei! Eu tenho certeza do dia que surgiu a maior
amizade que já encontrei em minha vida.
Faz tempo. Muito tempo. Quem sabe mais de sessenta anos? Sim, acho que
foi isso mesmo. Numa floresta densa, fumacenta, mas gostosamente adorável. Difícil
para caminhar, abrindo caminhos entre espinhos com meu bastão, usando uma
bússola silva velha de guerra, pele queimada, braços e pernas arranhadas,
alguns profundos com sangue ao redor. Quem disse que paramos? Quem disse que
voltamos ou desistimos? Nunca! Escoteiros não desistem! Ela me disse que nos
acompanhava de longe. Disse que não sentiu pena de mim. Não gostava de meninos.
Eles eram malvados. Jogavam pedras. Disse que não viu meu rosto. Disse que o meu
chapelão de três bicos atrapalhavam.
Quando a vi pela primeira
vez foi na clareira que fizemos. Difícil. Um matagal imenso. Não foi um Fogo de
Conselho. Não foi não. Lembro que fizemos um “foguito” pequeno, a clareira
amarelou. Apenas uma “Conversa ao pé do Fogo”. Canções, “causos”, planos de
jornada, gargalhadas, enfim coisas de escoteiros. Não vi as estrelas. As
árvores não deixavam. Não havia lua. Escuro. Muito escuro. Apenas nosso lampião
vermelho a querosene com seu lusco fusco brilhava. Teve um momento sublime.
Isto sempre acontece sempre quando escoteiros estão reunião em plena floresta. Um
silêncio, segundos que se ouviam apenas os grilos zumbirem. Ela para chamar a
atenção crocitava baixinho, e me olhava com seus olhos verdes profundos como se
fosse me hipnotizar. Ninguém viu. Só eu. Todos foram dormir. Estavam cansados e
eu também. A Coruja fez um sinal. Como se eu devesse ficar ali. Todos foram e
eu fiquei. Um silêncio tomou conta da floresta. Nem os grilos zumbiam mais. Vi
alguns vagalumes ao lado da Coruja. Pareciam ser seus olhos noturnos a mostrar
o caminho.
Senti seu peso nos ombros
quando ela pousou. Olhava para mim. Não piscou. Eu não sabia o que fazer. Dizem
que na floresta as corujas são sábias, todos a procuram para aconselhar. Uma
vez disseram que era o símbolo da deusa Atena. Ela se chamava Olhos Brilhantes.
Contaram-me que uma Sociedade Secreta de nome Bohemian Clube onde anualmente se
encontravam só os poderosos eram convidados. Dizem que a reunião era em uma
floresta ao norte de São Francisco, e ficavam em volta de uma grande pedra
talhada como se fosse uma coruja. Escreveram em baixo: “Weaving dealing spiders
come not here”. Parece que vem a ser uma frase de Shakespeare que significava:
“Deixe seus negócios sujos na porta”. Dizem que poucos contam até hoje o
segredo da cerimônia. Quem contou morreu de morte misteriosa.
Mas isto não importa.
Importa a amizade que fiz com a Coruja. Quantas coisas belas naquela noite eu e
ela conversamos. Eu contei minha vida de menino para ela. Ela me olhava e não
piscava. A melhor ouvinte que já tive. Perguntei a ela se era uma ave de mau
agouro. Ela riu. Quem sabe? Quem sabe? Disse. Mas olhe retrucou, quando tem uma
festa no céu ou aqui na floresta eu pio e canto sem parar. Ela me disse que
sabia canções Escoteiras. Ri baixinho. Não acreditas? E começou a cantar A
Arvore da Montanha. Cantava com uma voz linda. Cantou outras. Notei que o nascer
do sol aparecia através das árvores. Notei que eu tinha me esquecido dos meus
amigos na barraca e de que precisávamos partir logo ao amanhecer. Até o orvalho
da madrugada não o senti no rosto. Ela me olhou. Passamos uma bela noite
juntos. Noite inesquecível. Impossível ter outra como aquela. Ela disse –
Adeus! Porque perguntei? Nunca mais voltarei. Dizem que entre nós quem conversa
com meninos é condenada ao exílio. – Venha comigo! Venha morar comigo! Eu levo
você para a cidade! Fica na minha casa. Lá tem um pé de Jacarandá lindo! Não posso ela disse e voou entre os galhos
negros e a folhagem espessa para nunca mais voltar!
Eu conheci uma Coruja. Não foi
uma Coruja qualquer. Imagine, ela me olhando e eu olhando para ela e pam!
Surgiu uma amizade eterna. Eu era amigo de uma Coruja. Alguém já foi amigo de
uma Coruja? Eu fui e sou. Ela me disse um dia que apesar de ser um menino e ela
uma ave, ela nos considerava irmãos! E acreditem! Eu acreditei! Pena que ela se
foi e eu me fui também. Nunca mais voltei naquela floresta. Não sei se ela já
morreu se está no exílio. Eu? Estou aqui. Sempre se lembrando daquela noite que
conheci uma Coruja de Olhos verdes brilhantes. Apenas uma noite. Noite que
nunca mais irei esquecerei...
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