domingo, 13 de dezembro de 2015

Um passado sem perdão.


Lendas Escoteiras.
Um passado sem perdão.

                       Ah! Que cara o Robertinho. Alegre, feliz, parecia querer abraçar todo mundo quando chegava às reuniões. Eu sei que o escotismo o transformou. Fez dele outro jovem que não aquele que taciturno vivia sem amigos em sua escola e em sua rua. Nem se lembrava de como entrou e por que. Só sabia que agora era um Touro e fazia questão de honrar o nome da patrulha. Eram sete. Sem considerar Tolon o Monitor os demais eram como se fossem irmãos. Tolon não era um bom monitor. Era perito em mandar, em humilhar, em dizer que se não fosse ele nada seria feito. A patrulha cabisbaixa não dizia nada. Ele nunca valorizou ninguém. Nem mesmo Nicodemos o Submonitor. Robertinho aprendeu muito com Nicodemos. Aprendeu tudo para ser um Cordão Verde e Amarelo. Não recebeu, pois Tolon não tinha e ele não admitia que outros recebessem antes dele. A Corte de Honra era dirigida por ele e o Chefe Givaldo fazia questão de deixar tudo nas mãos dos monitores.

                        Até hoje fico pensando porque ninguém saiu da patrulha. Afinal ter um monitor mandão, gritador, que vivia chamando a todos de mariquinhas, preguiçosos, negligentes era demais. Outras patrulhas assustavam com Tolon. O próprio Moreno monitor da Gaivota o achava prepotente, abusado e despótico e Tolon ria. Achava-se o tal. – Não vou passar talquinho em ninguém – dizia. O Chefe Givaldo ralhava com ele, mas o Chefe era um pai, uma mãe, um irmão. Nunca o vi de cara feia. Nunca chamou a atenção de ninguém. Quando a situação apertava ele chamava em particular e tentava falar. Mas gaguejava mais do que falava. Ainda bem que a Tropa o considerava muito. Tinham por ele uma admiração enorme. Se não era enérgico, dominante não importava. Bastava ele sorrir e a Tropa se desmanchava. Uma vez em uma atividade distrital Tolon se envolveu em um bate boca com o monitor da Leão de outro Grupo Escoteiro. Do conflito saíram para os tapas. Foi uma encrenca que até hoje os chefes das demais tropas evitavam participar em atividades que os Touros de Tolon estivessem.

                       Tolon não se envergonhava de nada. – Comigo bateu levou – Dizia. Se perdão foi feito para a gente pedir esquece. Não peço e não perdoo ninguém. Mas afinal o que tinha Tolon de tão interessante para seus patrulheiros confiarem nele e nunca terem pedido para sair? Ele não era feiticeiro, muito menos agradável. Aparência divina passou longe. Era inacreditável que todos se mantinham fieis a ele e a patrulha. Ele ambiciona ser Lis de Ouro. Ninguem colocava a mão no fogo para ele levando em consideração sua Promessa. Não era preguiçoso, mas não sabia como conquistar as especialidades necessárias. Ele tinha o Cordão Verde e Amarelo, mas não o Vermelho e Branco. O chefe Givaldo sabia que se fizesse o processo o distrito não iria aprovar. Quem sabe daí nasceu toda sua cólera, seu arroubo e rompante de levar tudo a ferro e fogo. Ainda bem que a patrulha no fundo gostava dele. Sem destempero e seu rompante era levado sem reclamação pelos seus subordinados.

                       Se havia alguma qualidade em Tolon eu Monitor da Cuco nunca vi. Fiquei deverás preocupado com a maneira que Tolon tratava Robertinho. Era mau, era intragável e humilhante. Robertinho não reclamava. Seu amor ao escotismo e a patrulha era maior que a prepotência de seu monitor. Durante mais de um ano e meio Robertinho foi subserviente, aceitava o mau humor de seu monitor e nunca conseguiu atingir seu sonho pelo menos de conquistar o cordão Vermelho e Branco. Neste Período a patrulha perdeu Humberto e Laerte. E não foi por causa do monitor. Humberto foi morar em outra cidade e Laerte foi trabalhar como continuo nas Lojas Estrela. E sem explicação aparece dois meninos novos, que moravam na Rua de Tolon, sabiam como ele era e mesmo assim entraram e aceitaram ficar em sua patrulha.

                       Dizem que tudo nesta vida tem uma razão de ser. Tudo que acontece tem um motivo para acontecer. Eu sei que a vida não é tão simples como se pensa, mas se fosse, qual seria a graça de vivê-la? Destino ou não a Tropa ia para seu acampamento de verão. Alegres, cantantes, cada patrulha com sua carretinha cantando nas rodas de madeira. Era um desafio fazer as rodas cantarem. Silvos, gemidos, rodas rodando em subidas, em descidas e lá iam eles esperando encontrar mais um acampamento tão esperado por muitos meses. Claro que Tonon não fazia força, só quando em subida íngremes. – Dizia gritando: - Eu já fiz muito isto agora é com vocês. Afinal são escoteiros ou ratos? E ele ria, dava gargalhadas e a patrulha seguia para seu acampamento tão esperado. Até hoje não sei como aconteceu. Estava eu ajudando a patrulha na descida segurando à carretinha quando vi um grito. Robertinho perdeu o equilíbrio e foi ao encontro da cerca de arame farpado a beira da estrada.

                        Eu sei que foi Tonon quem o empurrou. Isto me contou Logomarca da patrulha Onça parda. Sei que todos correram para ajudar. O olho direito de Robertinho sangrava. Havia um buraco parecendo que uma ponta do arame rasgou parte do seu olho. Tolon ficou branco. Robertinho chorava, mas não acusava ninguém. O Chefe Givaldo não sabia ao que fazer. Foi Nicodemos quem tirou seu lenço amarrou com vontade em volta de sua cabeça e com outro lenço forçava o olho ferido de Robertinho. A Tropa ficou na estrada e Nicodemos com o Chefe Givaldo voltaram para a cidade. Mais tarde voltaram todos. Não haveria mais acampamento. Havia motivo? Não havia. Todos estavam aflitos com o acontecido. Uma angustia enorme abateu em todos os escoteiros da Tropa. Eles sabiam que o acontecido tinha um sabor de derrota. Dois meses depois Robertinho foi para a capital morar com sua tia e tentar uma operação que afinal nunca aconteceu. Ele ficou cego de um olho.

                           A história dá muitas voltas para contar a sua própria história. Eu sei, pois me contaram que Robertinho com seus 68 anos se encontrou com Tolon um dia na Rua do Ouvidor. Ambos pararam. Tolon abaixou a cabeça e começou a chorar. Robertinho não esperava aquela demonstração de fraqueza de Tolon agora um Velho de cabeça branca. Fraqueza? Chorar é para os fracos ou para os fortes? – Robertinho abraçou Tolon sorrindo. Meu amigo, a vida passa e as magoas também. O que passou, passou. Hoje alguém no céu achou por bem que nos encontrássemos novamente. Isto não é bom? Afinal não temos muitas historias boas para contar dos nossos tempos de meninos escoteiros? – Tolon ali no meio da rua, com dezenas de pedestres passado ajoelhou em frente a Robertinho: - Perdão meu amigo, perdão. Vivi todo este tempo amargurado. Porque fiz aquilo? Pedi a Deus para me perdoar, mas sabia que só seu perdão poderia me dar à paz que nunca tive.


                         Errar é humano, aprender com o erro é ser sábio, perdoar quem errou é ser os dois ao mesmo tempo. Ninguem entendia dois homens feitos se abraçando em plena avenida Rio Branco e cada um com seus olhos rasos d’água a dizerem baixinho: - A nossa lei sempre nos ensinou a sermos irmãos. Não há como perdoar um irmão. Sei que a partir deste momento seus destinos se locupletaram como se fossem um só. Feliz quem sabe perdoar, pois a felicidade é assim. Fazendo os outros felizes com seu perdão!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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