terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A Arara azul da Princesa Lorena.


Lendas Escoteiras.
A Arara azul da Princesa Lorena.

                                 Rio da Prata nunca esqueceu aquela tarde que uma revoada de pássaros sobrevoou a cidade fazendo acrobacias e com seus chilros e cantos assustando todos os habitantes que se refugiaram em suas casas. Foi realmente algum fantástico. Muitos tiraram fotos e outros gravaram os sons. Havia cinco meses que uma seca infernal não dava trégua à cidade. Vivendo somente de plantações e grande exportadora de tomate o prejuízo aumentava dia a dia. Quase todos os oito mil habitantes dependiam da cooperativa para sobreviver. Romarias, procissões e até os que faziam magia negra corriam em todas as esquinas da cidade. Nada adiantava. Na Tropa Escoteira feminina Kalapalo havia três meses que não saiam para atividades fora da sede. Os pais achavam que não deviam, pois uma queimada poderia produzir acidentes que seriam impossíveis de prever os resultados.

                       A Princesa Lorena, apelido carinhoso dado pela sua patrulha tentava entender o porquê não podiam acampar. O programa de atividades para o ano já fora quase tudo cancelado. Quando a noite ia dormir, ajoelhava ao pé de sua cama e pedia a Deus para trazer as chuvas que não estavam caindo. Um dia ela leu que se você rezar por chuva por bastante tempo, ela fatalmente cai. Se você rezar para que enxurradas se acalmem, elas fatalmente o farão. O mesmo acontece na ausência de preces. Assim A Princesa Lorena todas as noites rezava de joelhos ao pé de sua cama. Ela rezava a oração de um cantor já falecido (Luiz Gonzaga) e dizia: Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho, eu peço pra chover, mas chover de mansinho. Pra ver se nascia uma planta no chão. Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe, Eu acho que a culpa foi desse pobre que nem sabe fazer oração Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água e ter-lhe pedido cheinho de mágoa pro sol inclemente se arretirar.

                       A Princesa Lorena acreditava nas suas orações. Ela conversava muito com Kika, uma arara azul que a tropa acolheu em um acampamento na Serra do Pintassilgo. Encontraram-na desfalecida as margens do Riacho Florido. Lorena levou-a para seu campo de patrulha, enrolou-a em um pano maior e viu que a Arara piscou os olhos várias vezes. Durante os três dias de acampamento a Princesa Lorena cuidou da Arara e a chamou de Kika. Foi amor à primeira vista. Quando após o cerimonial de bandeira e o debandar, ela foi conversar com sua Chefe se podia levar Kika para a cidade. – Tudo bem Princesa – disse ela. Mas você vai levar para sua casa? – A princesa Lorena pensou que a Arara não era só sua. Todos cuidariam. Conversou com a patrulha. As Escoteiras assumiram a responsabilidade de cada dia uma delas iria até a sede e alimentá-la. Assim foi feito. Kika passou a ser mais uma da tropa Kalapalo. Kika adorava. Aprendeu a gritar Sempre Alerta, aprendeu a gritar Melhor possivel e chamar os lobos para o grande uivo.

                   A Princesa Lorena aprendera com sua Chefe Nádia que se você fala com os animais eles falarão com você e vocês conhecerão um ao outro. Se não falar com eles você não os conhecerá, e o que você não conhece você temerá. E aquilo que tememos, destruímos. A vida de Lorena mudou muito depois de Kika. Ela tinha três amores na vida, sua família, sua Chefe e sua patrulha. Um dia sem ninguém esperar um homem adentrou no pátio da sede Escoteira a procura do Chefe do Grupo. Apresentou a ele um papel onde estava escrito: O IBAMA recolhe a Arara por não ter registro de um criador autorizado. Foi um susto enorme. Tentaram explicar que a Kika foi achada quase morta. Não adiantou. Ninguém acreditava no que estava vendo. A Princesa chorava há mais não poder. Os lobos as Escoteiras e os Escoteiros fizeram um circulo em volta de Kika. - Não vamos deixara gritaram. Os seniores e os pioneiros ameaçaram o Fiscal do IBAMA. A Chefe Nádia acalmou todos. Kika foi levada em um carro e desapareceu na esquina da Rua Mercedes.

                Foi então que a seca tomou conta do sertão. A cidade de Rio da Prata sofria com a falta de chuva. Um mês se passou desde que levaram Kika. Havia uma revolta no ar e foi então que uma revoada de pássaros apareceu sobre a cidade. Não era milhares eram milhões ou mais. O céu ficou escuro. Foi Gualberto da Patrulha Onça Parda quem disse que eles atacavam onde Kika e outros pássaros estavam presos. Arrebentaram tudo. Gaviões enormes, Araras gigantescas, Águias formosas, urubus-reis eram tantos que nem dava para imaginar porque faziam aquilo. Trovões ribombaram no céu. A chuva chegou forte e não deu trégua. O que restava do Centro de Triagem dos animais foi destruído pela enchente do Rio da Prata. Os pássaros presos desapareceram fazendo uma revoada enorme sobre a cidade. Duas horas depois o céu clareou apesar da chuva fina e intermitente. A patrulha Javali da Princesa Lorena fez uma busca onde Kika vivia prisioneira. Não encontram nada.

                Dois meses depois, mesmo sabendo que Kika agora vivia solta e junto a outros pássaros como ela, a tropa ainda se mantinha tristonha. Naquele sábado quando o Chefe pediu a Patrulha de serviço para hastear a bandeira ouviram uma voz estridente - “A bandeira, em saudação!”. Olharam para o alto do mastro e lá estava nada mais nada menos que Kika. Uma algazarra geral. Palmas gritos e então notaram que ao lado da Arara Azul estava um lindo Papagaio Verde e Amarelo. Foi ele quem gritou – “Sempre Alerta”! Escoteirada. Foi à conta, um festival de vivas, sorrisos, bem vindos partiam de todas as sessões presentes naquele grupo. Não demorou muito os pais souberam do retorno de Kika e seu namorado. A sede ficou cheia de gente. Kika desceu até o ombro da Princesa Lorena – Bicou-a de leve em seu nariz. Mexendo com a cabeça Kika falou – Adeus Escoteira, diga adeus a todos. Estou partindo para a Floresta Encantada onde moram os pássaros amigos. Não chore com minha partida, pois irei sempre vir aqui visitar você e esta turma maravilhosa. Logo Kika e o Papagaio Verde e Amarelo subiram aos céus e em um mergulho enorme sobrevoaram a sede do grupo e sumiram com o sol que estava se ponto na Montanha do Quati.


               Até hoje conta uma lenda que na cidade de Rio da Prata todo ano uma revoada de pássaros se faz presente. Tornou-se um atrativo turístico. Dizem que nesta data os Escoteiros e lobos de outras cidades sempre estão lá acampando e quando a revoada termina milhares de Araras Vermelhas, Verdes e Azuis acorrem nos acampamentos gritando alto para todos os acampadores. – Rataplã do Arrebol! Sempre Alerta! Prometo pela minha honra e muitas outras palavras. Todos sabem que foi Kika quem ensinou. Ela nunca esqueceu a Princesa Lorena, pousa em seu ombro, bica seu nariz e parte voando com seus amigos para a imensidão do céu azul. Quando conto esta história lembro-me o que um Velho índio me ensinou: – Conheça a si próprio. Saiba que ninguém faz seu caminho por você e à estrada é sua somente. Acredite que seus amigos andam ao seu lado, mas ninguém anda por você!

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