Lendas
Escoteiras.
A lenda
do escoteiro fantasma!
Ouve um tempo que eu contava muito esta história. Aos poucos foi sendo
esquecida. Tem histórias que ficam para sempre tem outras que parecem com o
vento a soprar nas noites de inverno, vão e nunca mais voltam. Tudo começou com
um acampamento em Águas Formosas, próximo a Estação de Derribadinha da Estrada
de Ferro Vitória Minas. Tínhamos passe livre e explorar áreas desconhecidas
fazia parte do nosso habitat. Sem incidentes chegamos à Fazenda do Conde de
propriedade do Senhor Marcos Tulio. Quando chegamos ele não estava. Sabíamos
que podíamos acampar onde quiséssemos, pois seu telegrama respondendo a um
pedido nosso dizia da sua alegria e satisfação em saber que escoteiros estariam
acampados em suas terras. Completou dizendo que iria retornar ainda para nos
cumprimentar em nosso acampamento.
Fizemos um programa simples, um campo suspenso, quem sabe com cozinha e
tudo. O Senhor Marcos Tulio disse que a madeira não ia faltar fora o bambuzal
que lá existia. Marcelo colocou no programa um pórtico que ele tinha visto em
uma revista. O tempo era suficiente. Cinco dias acampado. Quatro horas após
descer do trem e chegamos ao Vale da Serpente. Nostradamus o monitor riu quando
soube do nome. – Bem ele não comentou da serpente portando acho que podemos
acampar sem medo. Nossa intendência no saco de patrulha estava quase completa.
Fazíamos questão de ter tudo à mão e confiávamos em Lourival nosso intendente.
Ele era bom nisso. Na fazenda Dona Sinhá já sabia da nossa vinda. – O Senhor
Marcos Tulio já me informou da chegada de vocês. Ofereceu um pequeno almoço que
aceitamos sem relutar. Sabíamos que até ter tudo mais ou menos arrumado no
campo só depois das sete da noite. Gente fina Dona Sinhá. Um belo almoço e pé
na taboa.
O local era maravilhoso. Um belo bosque, grama baixa e na subida da
serra uma bela floresta nativa. Um córrego de águas límpidas e transparente
passava próximo onde escolhemos nosso campo. Nostradamus comentou que se um dia
voltássemos poderíamos trazer água ao campo da patrulha. Os bambus gigantes
iriam servir para isto. Colocamos mãos a obra e nosso campo as oito já parecia
uma bela casa de campo. Um pequeno fogão tropeiro e Juvêncio o cozinheiro já
labutava com um belo sopão. Ele para mim era um cozinheiro fora de série. Anoiteceu,
jantamos e ficamos em volta de uma pequena fogueira. Dormimos cedo. No segundo
dia começamos a desenvolver nossas pioneiras. À tarde já tínhamos a barraca
suspensa. Também o toldo mateiro com os bancos e mesa. Hora do banho e fomos
até a cascata que formava um belo remanso. Os peixes brincavam a tona. Um banho, muita alegria e muita diversão e
voltamos. A rotina da noite. Como sempre Juvêncio nos reservou um belo jantar
de linguiças fritas, uma farofa com ovos e um pão para cada um.
No
segundo dia à tarde recebemos a visita do senhor Marcos Tulio. Simpático e alegre estava de uniforme. Dizia
ter orgulho de ter sido Escoteiro e fazia questão de estar sempre uniformizado
quando junto aos seus irmãos fraternos. Logo se foi e prometeu voltar à noite
para uma conversa ao pé do fogo. Mal acabamos de jantar e ele chegou. O Senhor
foi Chefe Escoteiro perguntamos? Não ele respondeu. Hoje não mais. Mas achei
que devia vestir o uniforme afinal somos irmãos de sangue. Já o viram por aí? –
Ele quem? Perguntamos. O Escoteiro Fantasma! Rimos. Ele também riu e disse-nos
para acompanhá-lo. Fomos juntos por uns quinhentos metros acima da cachoeira.
Acostumamos com a escuridão e no caminho ele contou uma historia fantástica. Disse
que quando jovem, um escoteiro amigo seu, caiu de uma árvore perto da ponte da
Ravina Seca. Caiu de costas nas pedras do riacho. Morreu na hora. Foi um Deus
nos acuda! Os pais inconsoláveis.
A tropa passou meses sem se reunir. Acampamentos? Nem pensar. O tempo
passou. Muitos esqueceram, eu não, dizia o Sr Marcos Tulio. Voltamos aos nossos
acampamentos aos poucos. Dois anos depois acampamos neste local. Foram quatro
dias. Tínhamos um medo enorme. Sempre nos lembrávamos de Nonato (Nonato era o
escoteiro que morreu). No ultimo dia quando da realização do Fogo de Conselho vimos
um enorme clarão na mata como se fosse um gigantesco fogo. Levantamos correndo,
mas a mata não pegava fogo. Nonato apareceu de forma gigantesca. Seu tamanho
descomunal foi diminuindo, estava de uniforme e chapéu escoteiro. Sorria e
quando abria a boca parecia que um fogo azul saia de lá. Seus olhos eram
enormes. Chispas de fogo nos dois. Corremos a mais não poder até a barraca. Até
o chefe correu. A noite inteira ninguém arriscou a sair da barraca. No dia
seguinte levantamos acampamento as pressas. Nunca mais voltamos aqui. Não por
medo, mas eu não queria encontrar novamente Nonato.
Uma
história fantástica. A gente sempre tem medo de fantasmas, mas aquele relato
tinha de ser averiguado. Falei com a patrulha e eles me deram a maior força só
não iriam comigo. À noite fui sozinho até lá. Afinal Nonato se fosse Escoteiro
era amigo e não iria me fazer mal algum. Na ravina avistei uma bola de fogo e
logo depois ela se transformou em um menino. Sentado pescava com uma vara
invisível. Aproximei-me e o chamei. Ele se voltou, desta vez não dava para
aguentar. Seu rosto não tinha mais carne, só ossos. Tremi e já ia sair em
disparada quando ele falou baixinho. – Não vá! Preciso de um amigo! Contou-me
uma historia tão triste que não vou repetir para vocês para não
impressioná-los. Nunca fui herói e nem valente. Quando contei para o Senhor
Marcos Tulio ele sorriu. A patrulha incrédula dizia que precisa ver a verdade
de tudo. Fomos à noite. Na ravina para espantar o medo todos cantavam baixinho
e assoviavam. Eis que Nonato apareceu. Agora com rosto normal e afável. Soltava
algumas faíscas pelos olhos e fumaça em suas orelhas. Assustador mas dava para
aguentar. Ninguem disse nada. Ele deu um Sempre Alerta e todos responderam.
Tentou cumprimentar, mas sua mão estava queimando. Vermelhas como brasa.
Perguntei
por que estava sempre em fogo. Ele disse que foi uma escolha sua. Era bom para
espantar os caçadores e pescadores. Ficamos mais três dias e sempre recebíamos
a visita de Nonato. Ele fez da Ravina Seca sua morada. Nos disse que amava o
escotismo. Infelizmente onde morava não tinha nenhuma tropa para ele entrar. O
medo acabou. Chegou o dia do retorno. Nonato tinha os olhos vermelhos. Pedia
sempre para voltarmos sempre. Ele precisava de amigos. O tempo passou. Voltamos
lá muitas outras vezes até que um dia Nonato disse que iria embora. Seu tempo
ali acabou. Despedimos e ele se foi para sempre. A patrulha resolveu manter a
história no anonimato. Ninguem precisava saber. Nunca contei a ninguém. Hoje me
lembrei de Nonato. Quanto sofrimento. Espero que ele esteja ao lado de Anjos
sobre as graças de Deus. Sei que vão achar que é invenção e não vou discutir.
Mas eu gostaria mesmo de um dia rever Nonato. Aprendi a gostar dele.
Ótimo conto Ch Osvaldo! Vou colocá-lo nos meus contos de fantasmas aos escoteiros :-)
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