segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Lembranças saudosas do Escoteiro Chico Viola.


Lendas Escoteiras.
Lembranças saudosas do Escoteiro Chico Viola.

                  Cheguei cedo à sede. Estavam todos reunidos no Canto de Patrulha do Morcego. Havíamos combinados antes para discutir sobre a excursão a Ponte Queimada no mês seguinte. Todos ficaram em pé, pois o Chefe Salomão chegava acompanhado de um menino. Ele nas costas tinha uma viola presa por um talabarte marron. – Morcegos! Disse o chefe – Este é o Chico. Todos os chamam de Chico Viola. Sei que vocês estão com seis patrulheiros e achei que ele poderia pertencer à patrulha de vocês! Ninguém disse nada, pois logo em seguida o Chefe chamou para a abertura no Cerimonial de Bandeira. A Tradição foi realizada. O Monitor antes da bandeira pediu licença o Chefe e se aproximou com o Chico. – Chefe! Ele falou alto, este é o jovem Chico, ele quer ser um de nós! – Aproxime-se Chico, disse o Chefe. Em breves palavras disse onde morava, nome dos seus pais e pediu às patrulhas que dessem o grito de boas vindas. A nossa ficou por ultimo. Rezava a tradição que o grito seria dado no meio da ferradura.

                    O primeiro dia de Chico Viola foi de perguntas. – Porque esta viola no seu ombro? Ele respondeu calmamente- Porque ela é minha vida, vai aonde eu for. – Todos se entreolharam. Chico não tirava nem mesmo na hora dos jogos. Alertado por Pitoco o Monitor que ele poderia quebrar ele fingiu não ouvir. No final da reunião a patrulha pediu a ele para tocar. Meu Deus! Como tocava a viola. Estávamos maravilhados e nem notamos que a maioria dos Escoteiros, das Escoteiras lobos seniores e guias fizeram uma roda em silêncio. Ele tocou Asa Branca, Casinha Pequenina, Trem das Onze, As Rosas não falam, Chega de Saudade, Menino da Porteira, Carinhoso e quando assustamos eram mais de nove da noite. Ele ainda teve tempo para tocar Luar do Sertão. Fui para casa como se estive na rua pisando em flores. Apesar dos meus quatorze anos, naquela época eram as músicas que faziam sucesso nas rádios. Ele não tocou naquele dia musicas Escoteiras. Não conhecia nenhuma.

                  Chico Viola aos poucos foi conquistando a patrulha, a tropa a Alcateia e os seniores. Toda noite lá estamos apinhados em sua volta para ouvir as canções que ele tocava com maestria. Quando aprendeu o Rataplã fiquei boquiaberto, ele conseguiu dedilhar a viola e imitar uma caixa clara repicando. Mais tarde dominava todas as musicas Escoteiras. Encantava a escoteirada, mas fazia questão de aprender todas as técnicas Escoteiras. Nunca esqueci naquela jornada na Gruta do Morcego, que na estradinha o Chefe dividiu as patrulhas sendo que duas iam à frente e outras duas atrás seguindo a pista deles. Devíamos ficar de olho, pois eles esconderiam nas proximidades e tentariam tomar nossos escalpos. Em dado momento Chico Viola disse ao Monitor – Pare. Eles estão escondidos atrás daquela Moita de Assapeixe. – Como sabes perguntou o Monitor – Eles pararam aqui, veja parte do mato mais baixa que os demais. Um deles foi à frente e fez os sinais a poucos metros daqui voltando de costas para que suas pegadas assim todos acreditassem que iam em frente. Meu conselho? Cada um vai voltando devagar até a Curva do Sino e lá quando estivermos juntos daremos a volta no bosque e os pegaremos de surpresa pelas costas!

                        Dito e feito. Ganhamos o jogo. Mas ele tinha um cuidado especial nos acampamentos. No primeiro eu o convidei para me ajudar na confecção da mesa Tripé. Ele já era bom em nós. Fazia um volta de fiel, um balso pelo seio, um aselha duplo, um direto ou escota ou mesmo um nó de pescador com os olhos fechados. Com uma só mão dava lição com um volta de fiel simples o duplo, com um arnês, lais de guia, volta da ribeira e muitos outros. Fazer uma costura de arremate ou uma amarrada diagonal ou paralela era maneiro para ele. Quando o chamei ele me olhou de soslaio foi até sua mochila e pegou uma luva de pelica. Achei uma frescura e falei para ele. – Vado, minhas mãos fazem parte de mim, sem ela não posso tocar minha viola. Calos ou corte só irão me prejudicar no futuro. Interessante que Chico Viola não tinha boa voz para cantar. Enrolava e como tocava muito bem todos acreditavam que ele seria um grande cantor e um bamba na viola.

                           Quando passei para os seniores ele foi também, pois tinha estourado a idade. Não chegou a primeira classe, mas conseguiu doze especialidades, dentre elas a de Sinaleiro, cozinheiro, acampador, socorrista e Construtor de Pioneirias. Ele ficou conosco por mais dois anos e um dia foi embora. Fez questão de dizer ao Chefe Salomão que precisava estudar música e só capital conseguira. Como as noites ele tocava sua viola na Cantina do Valdomiro um dia um cliente viu e gostou. Ofereceu sua casa e matriculá-lo na escola de musica. É muito triste a partida de alguém que amamos. Chico Viola fazia parte de nós. Até hoje aprendi a cantar e amar as músicas da minha terra que eu conhecia, mas não com tanta profundidade.

                           Lembro-me com surpresa doze anos depois encontrei Chico Viola em um Restaurante na Rua das Acácias na capital do estado. Ele era o Proprietário. Sorriu quando me viu e me abraçou a mim e a Célia. Sentou conosco por muito tempo. Contou sua história. Estudou música, fez parte da Sinfônica Estadual, mas um Maestro rancoroso e prepotente fez com que ele desistisse. O Maestro tinha poder e por onde procurava um emprego via seu pedido negado. – Vado, a vida me ensinou muitas coisas. Precisava sobreviver, o escotismo me ensinou muitas coisas a mais importante é não desistir. Eu ainda toco aqui no meu restaurante. Se ficar até mais tarde vais ver o restaurante encher de clientes que adoram me ver tocar. Era verdade, o restaurante lá pelas duas da manhã se encheu de clientes. Os garçons se desdobravam para atender todo mundo, num palco pequeno, em uma pequena banqueta, sozinho e sua viola Chico sorria recebendo as palmas de todos.


                            Conheci muitos jovens no passado que poderiam ser grandes interpretes e adquirirem a fama merecida. Juvenal foi um deles. Um interprete de árias famosas que hoje mora na Itália fazendo muito sucesso. Jaqueline foi outra que tinha uma voz de ouro. Ela cantou a Canção do Clã quando fez sua investidura tão lindamente que fizeram muitos pioneiros chorarem. Hoje canta no Carnegie Hall em Nova Iorque. Dizem que quando aparece no palco é ovacionada por vários minutos. O destino de cada um depende de duas coisas: Do esforço pessoal e da ajuda de Deus. Sei que nem todos alcançam seus intentos, mas se aqueles que estiverem fazendo diferente do que gostariam de fazer e tiverem no coração as palavras de BP, então eles serão felizes. Como diz o Velho ditado, para vencer não basta ser bom, tem que ter disciplina e ser perseverante.

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