Lendas Escoteiras.
Lua de sangue.
Topázio olhou ao seu redor. Sempre aquele medo terrível que lhe acometia
nas noites de acampamento, como se um fantasma, um demônio ou uma forma de lobo
uivante pulasse sobre ele e não sabia como escapar. Topázio tinha onze anos,
seis meses de Tropa. O mesmo acontecia quando na Alcateia, Lá pelo menos ele
sempre tinha a Akelá que o protegia das almas do outro mundo. Ele não gostava
muito do Balu. Sempre nos Fogos de Conselho contava historias de fantasmas e
isto era um terror para todos os lobinhos. Topázio nunca esqueceu naquela noite
sem lua quando ele saltou no meio da fogueira, pulando feito um macaco e
dizendo que era O Fantasma da Lagoa Negra, uma criatura desproporcionalmente
grande, cabeça de melancia, olhos brilhantes da cor de laranja, braços e pernas
finas, dedos finos, calvo com a pele áspera, e todos os chamavam de Demônio da
lagoa. Ele fazia um barulho infernal, dando um grito enorme e assobiando como
uma cobra. Não havia lobo que não gritasse e chorasse.
Topázio falou com a sua mãe que não iria mais aos acantonamentos. Como
estava próxima sua passagem ela concordou. Mas nos escoteiros nada ficou por
menos. Tornado um Escoteiro mais velho adorava fazer medo nos novatos. Andar na
floresta, nos campos, nas escarpas da Pedra Molhada, nos vales em todos os
lugares, Tornado matava de susto os novatos. Os mais velhos acostumaram, mas
Topázio gritava de medo. Hoje diriam que isto era bullying, mas naquela época
era divertido ver o medo nos novatos escoteiros. No primeiro acampamento
Topázio não saiu de perto de Monte Alto o monitor. Monte Alto sabia o que os
mais velhos faziam com os novatos e ele mesmo passou por aquilo. Outros
monitores sempre diziam que isto serve para acabar com o medo. Monte Alto tinha
dúvidas. Se viver com o medo e sentir o próprio dentro de si pudessem fazer
dele um Escoteiro corajoso Topázio sabia que nunca iria ser um.
Foi na segunda noite que tudo aconteceu. Aquiles e Tornado resolveram se
fantasiar de morto vivo e assustar todo mundo. Eles riam consigo próprio da
gritaria que a patrulha Morcego iria fazer. Nem todos, pois Monte Alto e
Lampezina tinham coragem para dar e vender. Esperaram passar alguns minutos da
meia noite. A figura dos dois era fantasticamente horrível. Uma tinta branca
retirada de um pé de Caraça, e um barro vermelho nas margens do Riacho do
Diamante fizeram tudo que precisavam. Quem os visse a noite ou morria de susto
ou corriam para nunca mais parar. Pé ante pé aproximaram da barraca onde dormia
Topázio, Nicodemos e Wantuil. Estava escuro feito breu. Ao se aproximar da
barraca pararam estupefatos. Atrás dela um enorme Jacaré em pé. - Como? Jacaré
não tem pernas! Mas este tinha e soltava fumaça vermelha pela boca. Não deu outra,
Aquiles e Tornado sumiram na Mata do Corcunda. Pela manhã o sol nascendo
voltaram pé ante pé para ver a figura horrenda do Jacaré se ainda estava lá.
Nada, agora já claro só o sol brilhando.
Não contaram para ninguém o que viram. Afinal eles é que amedrontavam os
outros e não o contrário. No Fogo de Conselho à noite Topázio perguntou a Monte
Alto se podia contar um sonho que teve com Aquiles e Tornado. Todos riram
quando Monte Alto deu carta branca. Quando começou a contar do Jacaré os dois
se levantaram assustados. Viram que Topázio se transformava em um e saíram de
novo correndo para dentro da mata. Monte Alto e os outros não sabiam o que
estava acontecendo. A visão não era para todos. Porque Topázio contava e fazia
gestos, pois era um medroso de natureza ninguém entendia. Topázio mostrou ali
naquele Fogo do Conselho que podia ser um ser do outro mundo. Ninguem imaginava
que ele tinha este dom. Assim ele começou a narrar:
- “Escoteiros, Hoje a lua ficará vermelha. Vermelha
de sangue. Dizem que é aproximação de Marte com a Terra”. Amanhã o sol se
tornará negro como o saco de crina de cavalo! A lua verterá sangue no céu! As
estrelas cairão pela terra como fogueira abalada pelo vento forte. Um monstro
chamado de Rahu com a cabeça de um dragão e a cauda de um cometa irão levar
todos os adoradores do diabo, aqueles que querem ver outros sentiram medo, Uma
enorme carruagem de fogo puxada por oito cavalos pretos levarão todos para o
inferno! Aqueles que querem se salvar neste Fogo do conselho rezem. Rezem para
que os cachorros do apocalipse corram atrás do sol e que ele se vire para a lua
de sangue avermelhada. Gritem, gemam, façam tudo para espantar esta força
descomunal de Rahu!
De uma hora para outra o céu mudou. A lua alva e branca se transformou.
Aquiles e Tornado que estavam escondidos atrás dos troncos das arvores vieram
correndo para perto do fogo. A fogueira cresceu, as chamas subiram aos céus. A
lua espalhava sangue para todo lado. Todos correram para as barracas. Topázio
não. Ficou lá com as mãos levantadas como se fosse dominar aquele terror que
todos estavam passando. Logo as estrelas brilharam, um cometa gigante passou
trazendo paz e tranquilidade. A lua voltou a ser alva e branca. Topázio
acordou. O sol entrava pela fresta da barraca anunciando o amanhecer. Levantou
e olhou para fora da barraca. Muitos estavam ali calados sem dizerem nada.
Parecia que todos tiveram o mesmo sonho.
Só Monte alto estava sorrindo. Era como se ele não tivesse sonhado. A
patrulha nunca mais tentou amedrontar os novatos. Topázio depois deste sonho
ficou respeitado pelos demais. Até hoje quando acampam nas noites de lua cheia
olham para ele esperando uma nova historia que ele fosse contar. Eu sei que não
houve mais monstros, não houve mais cachorros do apocalipse, não houve mais
Jacarés enormes de três pés. Agora havia camaradagem, amizade e amor entre
todos os patrulheiros. Na sede hoje se alguém abrir o livro de ata da patrulha irá
ver a historia de Topázio. A Lua de Sangue ficou marcada na mente de todos que
passaram por aquela patrulha e ninguém, mas ninguém mesmo nunca mais teve medo
ou tentou amedrontar os novatos que lá chegavam!
Nenhum comentário:
Postar um comentário