quinta-feira, 17 de março de 2016

A estrada do Adeus.


Crônicas escoteiras.
A estrada do Adeus.

                           Pingo D’água e Varetinha estavam desanimados. Já estavam cansados de dizer a mesma coisa e sabiam que não estavam sozinhos. Tudo mudou da água para o vinho. O escotismo agora era outro e eles não sabiam o que fazer. Pedir conselhos? Comentar com alguém? Eles acreditavam que nenhum adulto iria dar razão a eles. Claro fizeram tentativas no Conselho de Patrulha, mas o próprio Monitor não via nada de errado, portanto suas opiniões nunca foram levadas em consideração na Corte de Honra. Pensaram em comentar com o Diretor Técnico, mas ele e o Chefe Tavinho eram unha e carne. Eles não queriam sair do Grupo Escoteiro, mas tudo estava sendo levado para isto e o pior ninguém via nada. Ninguém enxergava que a tropa encolhia a cada mês e poucos procuravam agora se inscrever. Não dizem que o pior cego é o que não quer ver? Não iam a tanto, mas pensavam que tem gente que é cego e não por cegueira. Deve ser por falta de inteligência.

                             Pingo D’água e Varetinha eram amigos desde que se conheceram na tropa. Ambos eram de patrulhas diferentes. Ele da Patrulha Lobo e Varetinha da Patrulha Texugo, no entanto eram unidos como se fossem da mesma patrulha. Foram mais de dois anos de felicidade, fazendo acampamentos, excursões, grandes jogos, aventuras mil que agora escassearam e praticamente não existem mais. Lembravam-se do antigo Chefe Tornado com saudades. Ele sim era um Chefe que nunca deveria ter saído da tropa. Quando entrou a Lobo tinha seis patrulheiros. Ele foi o sétimo. Chefe Tornado era daqueles que dizia – Aprender é fazer. Quer aprender? Faça o nó na árvore ou no galho mais alto com uma só mão. Fazer no braço ou bastão na vai ajudar na hora do vamos ver! Ele lembrava que em vários acampamentos as patrulhas estavam completas e as atividades foram lindas. Eles não paravam. Era Morse à noite ou semáforas ou fumaça no dia, sinais de pista, seguir pista a moda índia, grandes pioneiras, dezenas de nós e amarras, barracas suspensas, artimanhas e engenhocas, nossa! Que saudades!

                     Tudo mudou com a mudança do Chefe Tornado para a Capital. Ele nunca teve um assistente uma pena, pois poderia ter dado continuidade à tropa. Chefe Lobão convidou o Chefe Tavinho para assumir a tropa. Chegou com ares de chefão. Sempre gritando falando com todo mundo e as patrulhas começaram a desanimar com as atividades. Jogos? Nem consultava ninguém. Muitas vezes dava uma bola e dizia - Se virem! Jogar futebol não era meu forte. Bastavam minhas atividades de educação física no colégio. Eu queria escotismo de campo, de luta, de aventuras e de desafios. Ele era cego mesmo, pois não percebia que as faltas aumentaram. Alguns desistiam e nem iam mais ao grupo para dizer que saíram e não iam mais voltar. De 32 escoteiros a tropa agora tinha 18 e muitas reuniões não passavam de 12.

                         Perna Fina o Monitor nem se incomodava. Ele sempre foi um bom gritador. Por ser maior e mais forte levava a patrulha no muque. Em tempo algum aprendeu que o bom líder e aquele que sabe liderar e ser liderado. Não ensinaram isto para ele. Esqueceu completamente que precisávamos ser consultados e ouvidos. Mesmo falando para ele entrava em um ouvido e saia por outro. E olhe que foi num tal Ponta de Flecha e voltou todo posudo se achando o tal. Mostrou o certificado como se fosse o melhor Monitor do mundo, e só faltou dizer que agora o respeito a ele tinha de ser maior. Eu e Varetinha conversávamos muito sobre isto. A maioria dos patrulheiros que ainda frequentavam nada dizia. Eu conversei com meu pai. Ele nunca foi Escoteiro e seu conselho foi – Faça o que achar melhor e completou – Aprenda a tomar decisões. Achar melhor? Tomar decisões? Chamei Varetinha e disse a ele que ia sair. Amava o escotismo. Sempre pensei que seria Escoteiro para sempre. A minha maneira aguentei por quase um ano as mudanças na tropa. Não dava mais. Nossa patrulha não tinha mais que três ou quatro frequentando. Ouve dias que éramos três.

                       No último acampamento, um dos poucos que fizemos não tivemos liberdade. Ele levou pais para cozinhar para nós. Disse que assim teríamos mais tempo para outras atividades. Deus do céu! Pensei que isto só com lobinhos. No nosso canto de patrulha ele não saia de lá. Sempre fazendo o que deveríamos fazer. O fogo do conselho foi o pior que participei. Só ele determinava só ele falava só ele dizia o que fazer. Esperei a reunião seguinte e procurei o Chefe Tavinho. Queria ser sincero e dizer por que estava saindo. Nunca devia ter feito isto. Ele me olhou e disse que ser Escoteiro não era para qualquer um. Para ficar e participar tinha de ser forte, aceitar sem reclamar. No escotismo não tem lugar para perdedores. Meu Deus! Nunca esperei isto dele. Eu era para ele um perdedor? Será isto mesmo? Será que ele estava certo e eu errado? Varetinha me disse que não ia falar com ele e lá não pisava mais. No sábado seguinte não fui. Por dois meses não apareci no Grupo Escoteiro. Ninguém nunca me procurou para saber o que houve. Nem o Monitor.  Diversos outros meninos que saíram me procuraram para reclamar. Outros que nunca foram riam e diziam que lá nunca iriam aparecer. Ser Escoteiro? Nunca meu amigo. Nunca!


                      De vez em quando encontro com um e outro que ainda estão lá. Dizem que quase todos saíram e entraram outros. Nada tinha mudado. A tropa tinha 15 agora, mas com as meninas. Elas foram incorporadas por falta de chefia. O Chefe Tavinho continua. Não mudou nada. Labareda um Monitor da Tigre me contou em segredo – Olhe Pingo D’água, eu estive para sair. Fiquei por causa da patrulha, ou melhor, para dois deles, pois os demais saíram e entraram novos. Tudo continua como antes. É só apito, jogos repetidos, ele gritando para todos e sorrindo para as meninas. Elas agora são o xodó dele. Só tira foto com elas. Acampamentos? Poucos. Muito poucos. Dizem que ele vai substituir o Chefe Lobão que anda muito doente. Rezo que sim, pois quem sabe aparece um Chefe de verdade?

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