terça-feira, 29 de março de 2016

E o sonho de Pato Manco se realizou.


Lendas Escoteiras.
E o sonho de Pato Manco se realizou.

                   Quanto Pato Manco nasceu sua mãe virou as costas e disse – Não é meu filho! Todos ficaram embasbacados com esta exclamação. Uma mãe dizer isto? Quem sabe por que nasceu sorrindo e não chorou? Diziam na época que quando isto acontece o bebê é filho do Coisa Ruim. Bem os médicos não acreditavam nisto. No hospital de Ponte do Rio Verde ele foi bem tratado. Com cinco dias mandaram chamar Dona Neném e ela relutantemente foi buscar seu filho. Notou que uma perna era mais curta que a outra, um aleijado como filho? Batizou como Mítico da Anunciação Carneiro. – Dona Neném, não existe este nome. Mítico eu nunca vi! Ela foi irredutível. Onde teria achado este nome? Zózimo seu marido que morreu foi quem lhe contou de um tal Mítico que morreu de doença matada quando ele era menino. Aos trancos e barrancos ela o criou. Mítico custou para aprender a andar. Sua perna doía horrivelmente quando dava um passo. Ela lhe dava umas palmadas na bunda gritando – Anda vagabundo! Não vou carregar você à vida toda!

                 Logo que entrou para a escola todos os chamavam de Pato Manco. Que seja ele pensava, melhor que Mítico que foi apedrejado em sua cidade. Mas o que ele fez para isto? Ele pensava. Sua mãe nunca lhe contou. O pior era que ele sempre foi o melhor da classe e mesmo com seu esforço sua professora dona Naildes o olhava com um místico de desprezo. Pato Manco nunca perguntou por quê. Acostumou com a cidade quase em peso lhe virando as costas, jogando pedras e o chamando de coisas impublicáveis. Quase não saia de casa a não ser para ir à escola. Sua mãe nunca lhe deu amor, carinho nada. Ele nunca cobrou, pois não sabia o que era isto. Achava que sua vida seria assim e não tinha motivos para reclamar. Nunca pensou o que seria quando crescesse. Não tinha amigos na cidade e só Vitória o olhava com um misto de piedade que ele não gostava. Vitória era da sua classe. Um dia ela sorriu para ele. Seguiu seu caminho, pois nunca poderia falar com ela. Sabia que por onde passasse todos iriam gritar alto e o chamar de Pato Manco. Que chamem pensou. Até o Padre Nestor não o olhava com bons olhos. Ele sabia o que aconteceu com Mítico em Arroio Seco e quando olhava para Pato Manco pensava estar vendo tudo de novo como se fosse um filme.

                Pato Manco naquela manhã estava sentado no degrau de sua casa. Estavam em férias e não havia escola. Ruim, pois mesmo sendo maltratado ele gostava da escola. Ouviu o som de uma fanfarra. Impossível pensou. Só no aniversário da cidade ou no Sete de Setembro. No começo da sua rua ele avistou a fanfarra. Estranhou. Não era de sua cidade. Quando passaram em frente sua casa ele ficou embasbacado. Dezenas de meninos de calças curtas, Chapelão, um lenço no pescoço e uma mochila nas costas. Cada um tinha um pedaço de pau nas mãos. – Que coisa maravilhosa era aquela? Pensou Pato Manco. Não deu outra, como centenas de meninos da cidade ele foi atrás deles. Marchavam tal e qual o Tiro de Guerra. Ele sorria e mesmo sentindo uma dor terrível nas pernas não desistiu. Quando subiram o morro para o Bairro das Palmeiras ele custou a subir também. Ficou para trás, mas eles viraram para o Colégio Dom Bosco. No bosque estava um caminhão cheio de tralhas.

                Em poucas horas eles armaram as barracas e muitos já faziam comida em seus fogões de barro. Pato Manco não pensava, agora ele só via, cheirava a comida, e sua audição pescava tudo que a meninada dizia. Falavam Sempre Alerta, falavam Monitor, cozinheiro e Pato Manco cada vez mais se apaixonava por eles. Alguém bateu em suas costas – Virou e viu uma menina da idade dele. – Quer almoçar conosco? Pato Manco ficou apalermado. Nunca ninguém dirigiu a palavra assim para ele e nunca o convidaram para nada. Aceitou e foi com a menina. Ela lhe deu um prato de esmalte, uma colher e um canequinho de esmalte. Sorriu para ele. Deus meu! Isto é a felicidade que tanto falam? – Ele pensou. Entrou na fila, comeu com todo mundo. Achou bonito todos rezarem. Ele não entendia nada, mas rezou também. Já estava escurecendo quando Seu Mateus o chamou. Sua mãe me mandou buscar você! Ele não queria sair dali, mas tinha um medo danado dela. Foi embora e todos os meninos e meninas apertaram sua mão e o convidaram para voltar lá no dia seguinte.

                   Pato Manco levantou cedo. Chegou lá quando eles faziam ginástica. Ele sabia que não conseguiria fazer. Mas quando terminou muitos dos meninos da Gaivota vieram lhe abraçar. Foram dias maravilhosos. Ele brincou com tudo que fizeram e até esqueceu um pouco sua dor na perna que sempre o fazia sofrer. Quando a noite chegou o convidaram para um fogo. Nunca tinha visto nada vida. Foi o dia que chorou. Pato Manco aprendeu a não chorar. Ele sofria com sua perna, sofria com falta de amor de sua mãe, e com a meninada a jogar pedra nele na rua. Agora era diferente. Nunca pensou que podia existir uma fogueira assim, onde todos cantavam, riam, brincavam e faziam cinema em volta do fogo. De novo Seu Mateus a chamá-lo. No dia seguinte correu de novo para os Escoteiros. Quando chegou lá já eram onze da manhã. O bosque que estavam estava vazio. Sem perceber correu até a estação de trem. Eles estavam lá esperando para embarcar. Viu a molecada da cidade lá vendo os escoteiros partirem. Nem notou eles gritarem: - Pato Manco! Pato Manco! Ele chorava, pois perdeu amigos que o destino reservou para ele ter poucos dias somente.

                  Seu Mateus foi à estação procurá-lo. Pato Manco sumiu. O delegado mandou um investigador atrás dele na capital onde o grupo escoteiro visitante residia. Ninguém sabia dele. Disseram que deram adeus quando o trem partiu e o viram chorando e correndo junto ao vagão. Depois sumiu em uma moita de capim colonião. Dona Neném não chorou. Que ele suma para sempre!  Só meu deu transtornos e infelicidade. Passaram-se trinta e cinco anos. Dona Neném estava com quase setenta anos. Entrevada em uma cadeira de rodas ela pedia esmolas pelas ruas da cidade. Na esquina da Avenida dos Perdizes com a Marechal Deodoro viu um enorme carro negro parando ao seu lado. A rua ficou cheia de gente. Uma senhora distinta de cabelos brancos com um chalé nos ombros desceu e junto a um homem de cabelos brancos, com um terno muito elegante e com uma bengala de prata foi até ela. Ela o olhou e não sabia o que dizer. Reconheceu logo o seu filho. Seus olhos ficaram marejados de lágrima.


               - Mamãe, ele disse baixinho quase sussurrando. Mamãe.  Eu vim te buscar. Está na hora de ir para casa. Dois homens fortes de terno e óculos escuros a pegaram e colocaram na limusine. Dona Neném não sabia o que dizer, só sabia chorar. Ali entre aquela senhora distinta e seu filho ela não tinha palavras. Só as lagrimas a machucar seu coração pelo que fez ao seu filho quando menino. Toda a multidão viram os três abraçados soluçando profundamente. O carro partiu. A cidade em peso lá – Alguém perguntou: Seria o Pato Manco? Um zum, zum percorreu a multidão. E a senhora distinta? Não seria a Vitória?

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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