Lendas
Escoteiras.
As
nuvens de Outono.
Posso te ajudar meu Filho? – Me
ajudar? Olhei para o Padre sem nada dizer. Nem sei por que entrei na igreja
naquela tarde de outono modorrenta de um mês de agosto cujo ano nem me
lembrava. Estava desanimado, apático, sonolento e forçando meu pensamento a
procurar no passado quem era eu. – O Padre repetiu: - Filho, esta é a casa de
Deus. Quem sabe se eu não puder Ele pode te ajudar? Senti-me indiferente com
suas palavras. – Ele me deixou sozinho. Quieto no último banco pensei em orar,
mas não sabia como. Tristonho, querendo saber quem eu era e o que estava
fazendo ali. Vi que estava sobre a Nave, bem na ala central onde a maioria dos
fieis se reúnem, mas vazio naquela hora. Porque não disse para ele que estava
tentando lembrar e nem sabia quem era eu? No lado direito vi uma imagem da
Virgem Maria. Levantei-me e fui até ela, pois alguma coisa me dizia que ela sim
poderia me ajudar.
Ajoelhei-me a sua frente.
Meu corpo tremeu e senti que a vida é como o brilho de um relâmpago no céu.
Minhas memorias tinham sido levadas por uma torrente montanha abaixo. Pensei em
sair dali, mas ir para onde? Uma luz ascendeu a minha frente e ouvi sua voz
repetindo o que já tinha me dito um dia: - Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim, à segunda é ver o outono e a terceira é o grave
inverno. Sua imagem surgiu em meu pensamento. Aurora! Quem seria? Uma doce
namorada? Uma amiga? Alguém que repartia comigo sua vida? Ah! Nossa existência
é transitória como as nuvens de outono. Não importa o nascimento da vida ou a
morte irreversível que nunca nos deixará fugir. – Pai! Porque se foi? –
Impossível! Aurora era do meu sangue. Minha irmã? Minha filha? Eu tinha de
descobrir.
Um leve perfume de rosas
vermelhas adentrou na igreja. Petulantemente olhei quem era. Uma menina moça de
uniforme Escoteiro. Escoteiro? Como eu sabia? Já tinha sido um? Quando algo que você goste acabar, ou
simplesmente ir embora, lembre-se que as folhas do outono não caem porque
querem e sim porque é chegada a
hora. Ela sentou ao meu lado, mas não me olhou. Parecia que falava comigo, pois
num sussurro calmo a ouvi dizer: - Repara que o outono é mais uma estação da
alma do que da natureza. – O que ela queria dizer? Seus olhos negros me
fitaram: - Chefe! Está na hora de voltar! – Voltar? Para onde? – Ela se
levantou e de novo me disse: Chefe é hora de voltar. De novo Aurora me apareceu
e eu só via uma menina, pequena, sorrindo e nada dizia nada falava. Ouvi alguém
sussurrando novamente: - “Porque de uma coisa a gente sabe, a vida é injusta e
quem devia ficar sempre vai.”.
Lembrei que tinha um
carro. Verde abacate. Devia estar em frente à igreja. Levantei e o padre veio
me dizer adeus. – Vá devagar Chefe, não corra, a vida continua e tem alguém a
lhe esperar! – Olhei para ele, sorriu e se foi sem me explicar porque disse
aquilo. Vi meu carro embaixo de uma árvore. Dizem que uma árvore em flor fica
despida no outono. A beleza transforma-se em feiura, a juventude em velhice e o
erro em virtude. Nada será sempre igual e por sinal nada existe realmente. Abri
a porta, sentei, coloquei as mãos no volante e uma estrada me apareceu dizendo
que era por ela que devia voltar. Do outro lado da rua a Escoteira sorria e me
acenou. Parti a procura da estrada do meu retorno. Embalado por mãos invisíveis
cheguei à outra cidade. A reconhecia era a minha cidade. Muitos vieram à porta
para me ver. Quem era eu? Quem poderia ser para ser tão aplaudido
silenciosamente por muitos?
Parei em frente a uma
casa. Uma casa simples, branca, janelas e portas azuis. Parecia ter sido
pintada de novo. Quantas flores em volta mesmo sendo outono. Na varanda vi
Aurora. Linda, uma menina tão linda que comecei a chorar. De alegria por ter
retornado. Nunca devia ter partido. Meninos e meninas Escoteiras surgiram em
todas as esquinas. Alguém falava alto para todos ouvirem. - Ele voltou! – O
Chefe está de volta! Minha mente embaralhava. Aos poucos comecei a recordar.
Saudades de novo entraram em meu coração. Olhei para o alto, Maria Rosa sorria.
Era como uma nuvem de outono me acenando. Lembrei-me de tudo. Ela tinha
partido. Doutor Donato chegou para tentar me acalmar. Só me disse com os olhos
rasos d’água: “Chefe porque de uma coisa a gente sabe, a vida é injusta e quem
ficar sempre vai”. A mulher da minha vida tinha partido me deixou sem dizer
adeus. Um ataque fulminante. Uma jovem de vinte e dois anos partindo assim era
para morrer em seguida.
Aurora correu a me abraçar.
Uma coisinha pequena, linda demais. Escoteiros e Escoteiras me abraçando. Todos
dizendo que eu fiz muita falta. Eu queria chorar, mas Maria Rosa na nuvem
branca do céu disse que não. Disse que eu tinha de refazer minha vida. Olhei
para Aurora ela me apontou: - É sua razão de viver. E completou: - Quando algo que goste acabar ou for embora se lembre das
folhas de outono. Elas não caem porque querem e sim porque chegou a hora! Na
entrada da cidade vi o Padre acenando. Como ele chegou aqui? – Pai, nunca mais
me deixe só! – Olhei para Aurora. Chorando a abracei com força e a beijei como
se estivesse beijando alguém que fazia parte de minha vida para sempre. Os
meninos e meninas Escoteiras gritavam palavra de ordem. – Ele voltou! Nosso
Chefe chegou para nos dar o amor que sempre deu! Agradeci e entrei em casa. Era
outra casa, quando parti era penumbra agora era luz, era vida, ali morava o
amor!
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