sexta-feira, 29 de abril de 2016

Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso.


Lendas escoteiras.
Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso.

                 Lisabel estava cansada. Quinze lobinhos a correrem naquele sitio só ela como responsável dava dor de cabeça para qualquer um. Seus assistentes só viriam à noite. Pensou em cancelar o acantonamento depois desistiu. Os lobos aguardavam há meses e ela não podia decepcioná-los. Eram quinze, mas pareciam cem! Fez um bom programa e boas histórias para contar. Próximo a casa sede arvorou a Bandeira Nacional. Seu estoque de jogos, brincadeiras, canções faziam a lobada sorrir e brincar. Dona Mercês mãe do Gustavo ajudava na cozinha. Após o almoço Lisabel reuniu os lobos e foram até ao lago sentando em círculo na sombra de um cajueiro. Viu ondas se espalhando nas águas do lago. Lisabel assustou. Era um castor e logo mergulhou. Impossível! Castores no Brasil? Se dão bem nas águas geladas de países frios.

                 Cantava com os lobos a “A Promessa de Mowgly” e viu que a tarde se aproximava. Quando Noel e Flavia chegassem iria tirar uma soneca. Precisava. Começou a contar uma história e parou. No lago alguém emergia vagarosamente. Era um Velho com um chapéu e uma indumentária típica dos Caçadores de Peles do passado. Ela conhecia suas historias. Leu muito sobre os Mountain Men, um homem da montanha! Ele sorria, deu um olá simpático, chamando a atenção dos lobos. Começou a falar: - Sabem! Disse ele. Faz tempo que não vejo um Cub Scout. Quantas saudades! – O que é um CubScout perguntou Nininha. – Meninos lobinhos como vocês. – Lisabel impressionada estava assustada. Uma figura imponente. Um cajado lindo. – Posso sentar com vocês? – Claro que sim ela respondeu.

                        – Por acaso viram um castorzinho deslizando há poucos instantes sobre o lago? Estou à procura dele. É Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso. Todos tinham visto e responderam sim simultaneamente. – Querem que eu conte a história dele? Palmas e gritos. A lobada gostava de uma boa historia. – Bem vou contar, mas é uma historia triste, muito triste. Faz tempo, muito tempo quando conheci o John, ou melhor, o John Colter. Um pioneiro e um dos primeiros caçadores de pele a ser chamado de “homem da montanha”. Ficamos amigos em St. Louis uma cidade americana, lá pelos idos de 1807. Com ele fiz uma serie de expedições até o rio Missouri para caçar castores e tirar suas peles. Os lobinhos assustaram-se. – Calma isto foi há muito tempo. Nós vivíamos disto. Era nosso ganha pão.

                 - Eu e o velho John rodamos meio mundo. Das Montanhas Rochosas até os grandes lagos de Michigan, Huron, Erie e Ontário. Diziam que eu e o John só caçávamos peles dos castores, mas nas horas vagas procurávamos ouro. Nunca esqueci quando conheci Pigmor, o castor manco. Eu e o John chegamos às margens do Lago Grande Urso numa tarde de novembro. O frio intenso nevava a mais de seis dias. Montamos uma pequena cabana e quando ascendi o fogo vi um castorzinho se aproximando e mancando. Assustei, sabia que eram ariscos com os homens. Devia morar por ali com seus companheiros em uma colônia no fundo do lago.

              - Olhei para o John e disse rindo: Ele não parece o Pigmor aquele velho caçador de ouro que morreu em Blue River Valley? Coitado. Morreu sozinho nas Montanhas Rochosas abraçado a um grande urso que encontrou na caverna do Mandor. Pigmor chegou próximo ao fogo. Eu e o John calados. Não valia a pena dar um tiro ou mesmo matá-lo com um facão. Era raquítico, pequeno e descarnado. Seus olhos pareciam vermelhos e vimos que chorava. Ficou horas aproveitando o calor do fogo. Pigmor de cabeça baixa soluçava sem parar. Contava uma historia estranha. Isto mesmo, Pigmor estava falando. Castor falante? Bem foi a primeira vez que vimos um falar.

              Lisabel não acreditava no que via. Um velho curtido, capa estranha, botas de pele de urso, um lenço azul amarrado ao pescoço e um boné de peles de castores, de cócoras no meio do circulo, contava aquela história de uma maneira tão original que se emocionava com as palavras daquele velho caçador de peles. Os lobinhos não tiravam os olhos dele. Sua dor de cabeça desapareceu. – O Velho caçador continuou – Pigmor contou sua triste história. Uma semana atrás. Ainda não nevava, ele e sua família da Colônia terminavam o dique onde iriam passar o inverno e aconteceu uma matança. Dois homens chegaram atirando. Pigmor correu para uns arbustos, mas levou um tiro na perna direita. Seu pai e sua mãe morreram na hora. Somente Nakim, Molevo, Pariá e Jasmiel tinham se salvaram mergulhando nas águas geladas do lago. Os dois homens jogaram uma banana de dinamite e quase destruíram o dique. Os quatro castores escondidos ficaram presos.

                  - Pigmor levantou a cabeça com os olhos rasos d’água. Olhou para John e continuou – Mergulhei até lá, estavam presos em uma toca sem poder sair. Tentei tudo. Jasmiel a Castora que seria minha esposa estava quase morta. Não sabia o que fazer. Melhor morrer com eles. Subi a tona e vi vocês. Acreditei que iam atirar em mim. Podem atirar. Eles irão morrer e eu quero morrer com eles. Iremos nos encontrar nas Grandes Tocas do Navarra onde se encontram os nossos ancestrais. – Pigmor se calou. Soluçava sem parar. John e eu emocionados. Eu não sabia que John gostava tanto de animais. Para minha surpresa, naquela nevasca, escuro feito breu, frio de rachar ele tirou a roupa e mergulhou nas águas profundas do lago. Minutos depois nada do John vir à tona. “Diabos” pensei o que deu nele? A água estava um gelo! – Eis que os primeiros castores apareceram e logo em seguida o John com uma Castora no colo. Era Jasmiel, a namorada de Pigmor.

                       Todos eles correram para a beira do fogo. Eu juro pelas barbas do Coyote mais arisco de Yellowstone, pelas corcundas de um Bufallo das pradarias próximas a Little Bighorn em Montana que é verdade. Ficaram dois dias conosco. Finalmente após consertar sua toca Pigmor disse adeus e os seus irmãos mergulhavam de vez nas águas geladas do Lago Grande Urso. Nunca mais voltei lá. Disse ao John que minha vida de caçador de peles e de castores tinha encerrado ali. Juntamos nossas tralhas e partimos. Fomos para o Território do Dakota na grande corrida do ouro de 1815. Em Montana, Arizona, Nevada e Colorado só se falava nisso.  Um dia John se desentendeu com um fora da lei. Morreu em um duelo em Virginia City. Resolvi fazer uma cabana nas montanhas e passar lá o resto de minha vida. Tropecei em um lago ao sul de Sonora. Vi um castor manco. Seria Pigmor? O levei comigo. Estamos juntos até hoje.


                           Silencio total. O velho caçador se levantou, deu um leve sorriso e disse adeus. Foi em direção ao lago. Sobre as águas notaram cinco castores nadando ao seu lado. Em segundos despareceram no fundo daquele pequeno lago do Sitio Mimoso. Um barulho de carro. Seus assistentes estavam chegando. Uma festa. A lobada gritando e contando a história de Pigmor. Lisabel ficou ali. Olhando para as águas do lago que naquela hora da noite uma bruma cinza se espalhava por sobre as águas. – Seria um sonho? Lisabel nunca esqueceu mais a história daquele Velho caçador. Homem das montanhas geladas, das terras altas, picos altos e longínquos, grandes lagos... Lisabel ao dormir pensou: – Bem que eu gostaria de ter conhecido Pigmor o castor manco do lago Grande Urso. Mas...

quinta-feira, 28 de abril de 2016

A lenda dos milagres de Aimée.


Lendas escoteiras.
A lenda dos milagres de Aimée.

                       Não conheci a escoteira Aimée. Se não tivesse participado do desfile do Sete de Setembro naquele ano a história dela ficaria no ostracismo.  Sei que muitos sabiam, contados aqui e ali em parte cortadas sem chances de mostrar ao Arcebispo Joshua que um dia ela poderia ser canonizada. Ele ficou impressionado com o relato do vigário Honório. - Verdade mesmo Honório? – Eminência, são mais de vinte meninos e meninas que assistiram tudo no acampamento que fizeram Na Lagoa dos Anjos. Ela pegava peixes com as mãos, curou doentes, acendeu um fogo sem fósforos em segundos. E não foram só estes foram vários! – E adultos tinha algum? Perguntou o Arcebispo. – Não eminência, só uma vez Dona Filó e o Chefe Manolo assistiram um milagre dela.  - Eles viram-na se elevar no ar e beijar um periquito no ninho de uma árvore há mais de oito metros de altura!

                      Sei que o Vigário Honório ficou mais de cinco horas a narrar para sua Eminência o Arcebispo Joshua tudo o que viu e tudo que lhe contaram. Saiu do Palácio Episcopal depois da meia noite. Deixou o Arcebispo com a pulga atrás da orelha. Ele já tinha lido e conversado com muitos sobre o tema mediunidade. Quem sabe esta escoteira não era assim? Mas se elevar no ar? Isto não é mediunidade. Mais parecia que era sensitiva. Ver os mortos, visualizar o futuro e ter visões extraordinárias. Agora se elevar no ar? Isto não saia da mente do Arcebispo. No dia seguinte ligou para o vigário. Pediu a ele trazer a escoteira até o palácio. Ele queria conhecê-la. Dona Fabíola mãe de Aimée não se opôs. Partiram pela manhã de sábado. Daria prazo para ela participar da reunião escoteira da tarde, condição que ela impôs para ir. O Arcebispo ficou maravilhado e abobalhado. Ela na sua presença conversa como gente grande. Inteligentíssima. Conversou com ela em inglês, francês e italiano e ate abusou do latim. 

                      Mas melhor e voltar no tempo para entender melhor Aimée e sua história. Motorola era sênior da Antares, uma patrulha sênior. Cansado de marchar em um desfile sentei no banco da praça e ele sentou ao meu lado. – Sabe Chefe, se Aimée a escoteira tivesse vindo este desfile seria inesquecível. – Fiquei encucado. – Quem é a escoteira Aimée? – Chefe! O senhor ainda não ouviu falar dela? – Claro que não Motorola, se não eu não teria perguntado. – Bem Chefe, ela ficou conosco dois anos. Quando chegou à sede ninguém deu nada por ela. Mas no primeiro dia de reunião Loquinho o Monitor da Águia ficou boquiaberto. Em uma base de nós, olhos fechados ele fez mais de vinte nós escoteiros e de marinheiro. Ninguém acreditava no que via. Precisava ver no acampamento. Cortava um galho em segundos. Parecia que o facão era mágico. Motorola ficou me contando por horas. A princípio não acreditei nele. Havia muito floreio em tudo.

                   Lembrei-me de um fato ocorrido há alguns anos e só não lembrava se ela havia participado. Uma senhora e uma menina chegaram correndo a delegacia, mais de duas da manhã dizendo que um acidente grave aconteceu na estrada 45. Na curva da onça um ônibus despencou sobre a ponte. Mais de vinte mortos. Pinduca o Sargento da guarda não acreditou. Foi preciso chamar o prefeito que relutante em acordar acompanhou todos até a ponte fatídica. Gemidos, gritos de socorro e o trabalho de ajuda começou. Um menino de três anos ensanguentado foi colocado por sobre uma manta e o enfermeiro disse que estava morto. Não estava, pois Aimée deu a mão a ele e ele se levantou. Dizem que lá ela deu vida a mais oito pessoas. As demais não, pois conforme disse era desígnio de Deus. Teria que ser assim.

                Aimée não era linda, nada disto. Tinha o rosto fino, nariz comprido, uma boca pequena e cabelos crespos que ela insistia em não pentear. Ficava diferente e ela gostava. Falava fanhoso e um dia para espanto de todos falou com uma rainha. Na patrulha era bem quista amada por todos. Nas atividades que o Chefe Manolo e a Chefe Malena faziam Aimée não tinha nada de diferente. Só uns meses atrás que tudo mudou. Ela parava durante alguma jornada dizendo estar vendo pessoas mortas. Garantiu ao Chefe Manolo durante uma cerimônia de bandeira que o Chefe Tonon estava presente. Chefe Tonon foi o fundador do grupo a mais de setenta anos. Morrera há quinze anos. Aimée começou a ser procurada por doentes, cadeirantes e a cidade começou a ter turistas de todos os lugares. Quando ia para o Grupo Escoteiro a sede ficava superlotada de pessoas querendo falar com ela ou ser abençoadas.

                 O vigário Honório correu a falar com o Arcebispo. Esqueceu-se de Don Antonio um Velho morador da cidade e Presidente do Centro Espirita Boa Vontade. Ele ria quieto em seu canto. Sabia que Aimée era um espírito superior e que ninguém neste mundo podia imaginar quem ela fora no passado. Ele sabia que ela iria desencarnar aos quinze anos. Morte natural. Falar isto para o padre? Nem pensar. Comentou superficialmente com o Chefe Manolo. Um bom Chefe. Era evangélico e ficou incrédulo com tudo aquilo, mas o que vira em Aimée até que poderia ser verdade. Cinco meses depois chegou à cidade monsenhor Giuseph a mando da cúria papal. Era para averiguar e comprovar os milagres de Aimée. Não ficou dois dias. Quando conheceu Aimée ela disse para ele – Senhor Monsenhor, daqui a dois anos o Papa Lozano III vai falecer e o senhor será eleito o novo papa!

                      Ninguém soube do fato e eu fiquei em duvida como Motorola sabia. Só sei que a Cúria Romana até hoje discute se Aimée era possuidora de receber o título de santa. Mesmo após sua morte ocorrida na aventura Sênior distrital na Serra dos Órgãos eles continuaram investigando. Ainda investigam. Quem sabe teremos a primeira santa escoteira? Vai ser o máximo. O escotismo terá dado um enorme salto para o sucesso de marketing. Procurei saber como foi à morte de Aimée. Sua Patrulha jura de pé junto que ela se despediu de um por um e disse para não se preocuparem. Sua mãe já sabia que era hora dela ir. Ninguém acreditou quando uma forte luz a levou. Seu corpo sumiu e até hoje não foi encontrado. A policia fez de tudo para ver se não havia outra história, mas teve que se contentar com a fantástica explicação dos seniores que estavam com ela. O delegado já saiba de seus poderes sobrenaturais e deu o caso como encerrado.


       Motorola me jurou que nas noites de acampamento, quando os seniores se reúnem em volta de um fogo para jogar conversa fora ela aparece e fica com eles por horas contando como são os escoteiros que moram no céu. Don Antonio o espírita tem boas relações com dona Fabiola mãe de Aimée. Conversam muito. A cidade não sabe o que conversam. Se Aimée é mesmo um espírito cheio de luz eu não sei. Se isto é coisa do diabo eu também não sei. Dizem que Deus sabe o que faz e como eu acredito nele a história de Aimée para mim é verdadeira. Afinal temos ou não uma só palavra?

terça-feira, 26 de abril de 2016

Nada é para sempre a vida é um vai e vem.


Lendas Escoteiras.
Nada é para sempre a vida é um vai e vem.

                      Nunca esqueci Vitória. Uma menina triste, fechada em si mesma, de casa para a escola e vice versa. Em alguns fins de semana ia com sua mãe Lorraine a passear no shopping.  Seu pai ela nunca soube quem era. Sua mãe se fechava quando falava nele. Vivia presa em si mesma, quase nenhuma amiga a não ser Noêmia que na escola falava, falava e falava. Noêmia era de bem com a vida. Vitória queria ser assim, mas por mais que tentasse nunca conseguiu se abrir com ninguém. Vitória nunca esqueceu o dia que Noêmia, displicentemente a convidou para entrar nos escoteiros. – Coisa de meninos disse ela. – Não Vitória, agora aceitam meninas. Conversou com sua mãe. Um sorriso aflorou no rosto dela. Quem sabe um lugar para ela sorrir? – Irei com vocês. Dizem que nada é para sempre, dizem que a momentos que parecem ficar suspensos, pairando no ar sobre o fluir inexorável do tempo. Sua vida mudou. Transformou-se em uma jovem menina feliz alegre e jovial.

                        No primeiro acampamento ficou encantada. Os pássaros quase pousando em suas mãos, a mata verdejante, o chuá, chuá da pequena cascata a barulhar em volta do seu Campo de Patrulha, a liberdade de fazer, de construir de se sentir alguém importante na Patrulha, a vontade de ajudar, de dizer que encontrou o seu lugar no mundo que antes se fechou para ela. Vinte e duas meninas que vibravam cada segundo, que estavam encantadas com uma vida diferente, soltas ao vento que vem e vai, o luar noturno, o sol vermelho, o fogão cozinheiro, o banho gelado, o cantar do bem-te-vi, o fogo mateiro, o fogo do conselho, quantas coisas ela aprendeu a fazer e a usar com suas próprias mãos para viver ali em plena natureza. Foi Naty quem declamou em volta de uma pequena fogueira em frente à barraca, palavras que ficaram marcadas para sempre: - “Em todas as idas e vindas, obscuramente eu sempre sabia: embora tudo mude nada muda por que tudo permanece aqui dentro, e fala comigo, e me segura no colo quando eu mesma não consigo sustentar. E depois me solta de novo, para que eu volte a andar pelos meus próprios pés”. – Foi lindo demais.

                      Como disse o poeta, nada dura para sempre, nem as dores, nem as alegrias. Tudo na vida é aprendizado e tudo na vida se supera. Tudo o que é belo é uma alegria para sempre O seu encontro cresce; e não cairá no nada. Mas guardará continuamente para nós um sossegado abrigo, e um sonho todo cheio de doces sonhos de saúde e calmo alento. Seu sonho simplesmente acabou. Desmoronou. Seu amor, sua paixão escoteira escorregou nos dedos de sua mão. – Vitória, é hora de partir. Ela olhou para sua mãe sem entender. Por quê? Sua mãe chorou. Abraçada ela chorou também. Foram para outra cidade. Melhor emprego, melhor salário. Ela não entendia, não queria e como derramou lágrimas na hora da partida. A Patrulha cantou que não era mais que um até logo, mas ela sabia que seria para sempre. As pessoas crescidas têm sempre necessidade de explicações... Nunca compreendem nada sozinhas e é fatigante para as crianças estarem sempre a dar explicações.

                       O tempo passou. Vitória cresceu, virou mulher. Não casou nunca encontrou seu príncipe e nem sabia se um dia ele iria aparecer. Ela repetia em seu pensamento as palavras da poetiza: - “O amor não existe, e, se existe não dura pra sempre. E, se não dura pra sempre, não é amor. E nada dura pra sempre.” Formou-se em psicologia. Preferiu escrever. Escrevia tudo não seria uma escritora de talento, mas era o que gostava. Voltava do escritório e resolveu parar no Parque Trianon. Sentou a sombra de um cajueiro, fechou os olhos e voltou ao passado. Ah! Quanto pagaria para voltar a acampar? Lágrimas apareceram. Sentiu um soluço ao seu lado. Olhou. Era uma menina como ela um dia foi. – O que ouve mocinha? Ela com os olhos rasos d’água olhou para Vitória e suspirando disse: - Mamãe não quer me deixar acampar!    

                     Incrível! Nada se compra a dor de um destino alterado que ela pensou ser para sempre. – Onde está sua mãe? – Ela apontou... Uma senhora simples tentando sorrir para o caçula que brincava no escorregador. Aproximou-se – Posso lhe falar? Um sorriso simples, uma calma sincera. Um olhar de quem sofreu muito no mundo. – Fui escoteira, amava a vida que levava. Adorava acampar. Lá no campo meu sonho se transformava em realidade. Sentia a brisa na face, ouvia rincões de vales que falam sem a gente perceber, via a lua chegar dizendo eu estou aqui. Sol volte amanhã! – A senhora olhou espantada. – Vitória continuou. Quero ajudar. Não quero esquecer meu passado. Tive tudo e hoje não tenho nada. Tudo resolvido ela e a jovenzinha foram para a sede. Uma alegria, um sonho vivo no real. Interessou-se por tudo. Mais moderno, não como antes, mas o mesmo rompante das jovens que iam acampar.


    Ela sabia, tinha certeza que mesmo sabendo que nada é para sempre, nada se compara à dor de um destino alterado por uma vida. Ela podia mudar. O destino lhe pertencia, não deixaria sem direção sem caminho a seguir. Vitória sabia que não se volta no tempo, mas podemos mudar quando quisermos e seguir à onda do mar. Depois de tanto tempo ela entendeu que nada é pra sempre, que a gente só dá valor quando perde realmente, que não existe destino, porque se você mudar uma peça do seu presente, ela pode mudar todo o seu futuro, e que não adianta a gente lamentar pelo o que não fez, e se arrepender do que fez de nada vale isso, você vai sofrer se martirizar por um bom tempo, ou talvez pra sempre, mas com certeza isso não vai edificar nada na sua vida, só vai te fazer lembrar coisas que não te fazem bem, e que não vão fazer você evoluir. Portanto era hora de mudar, refazer sua vida e porque não voltar a acampar?

sexta-feira, 15 de abril de 2016

A dança da morte.


Lendas Escoteiras.
A dança da morte.

                Os ponteiros do relógio se aproximavam da meia noite. Em volta do fogo eu Tomazo e Toninho Caixão. Sinceramente? Ele me dava arrepios. Adorava uma história de terror. Não perdia uma oportunidade para tirar do tumulo as almas do outro mundo. Adorava visitar o cemitério da cidade. Era Sênior da Patrulha Cova Rasa. Isto mesmo. Brigou com todos para ter este nome. Dizem que era um bom Escoteiro e a chefia tinha por ele um respeito que no meu modo de ver era mais medo do que ele poderia aprontar. Olhou-me enviesado. Sentado a moda índia não tirava os olhos para o fogo – Vado! Eu conheci Nando. Olhei para ele de soslaio. Sabia que aí tinha treta. Tinha susto tinha capeta. Sei que não vai acreditar, mas nunca achei que ele chegaria a tanto. Se chegue, se sente se estique, pois esta história eu faço questão de contar...

                  - Desde que nasceu Nando ouvia falar em Deus. Sua mãe o obrigava a rezar, o padre a confessar, na escola professoras enchendo sua cabeça de Deus. Nando queria falar com Deus, mas ele nunca o atendeu. Entrava em igrejas, em templos em busca Dele e nada. Ficou cinco dias no monte Caparal olhando as estrelas procurando um sinal. Nada. Resolveu jejuar por um mês e ver se Deus iria aparecer. Nada. Nando desistiu. Esse Deus não existia. Se Deus não existe quem sabe o Demônio? O Capeta? Ia provar que ele também não existia. Mas para isso teria que fazer a invocação com a Dança da Morte. Havia lido sobre ela. Horrenda, alguém tinha de morrer para ela existir. O que iria fazer seria horrível, mas valeria a pena provar que o inferno não existia. Nando era magrinho, cara de “fuinha” na escola o chamavam de “porquinho da índia”. Alugou um sitio próximo a cidade. Avisou seus pais que iria fazer uma viagem de um mês para não se preocuparem.

              Ele conhecia Safira, uma menina magrinha, com treze anos, muda e que morava com a avó próximo a sua casa. Safira quase nunca saia de casa. Olhos pequenos, cabelos escorridos, nada de belo em sua aparência. Nando a raptou quando ela ia a padaria comprar pão. Fazia isso toda a manhã. Colocou-a em seu fusquinha e partiu para o sitio. Tinha comprado éter embebido em um lenço viu que Safira tinha desmaiado. Ao chegar ao sitio, tirou a roupa de Safira, deixou-a nua. Pequena, magra, apenas treze anos não possui nenhum atrativo sexual. Levou-a ao quintal, colocou-a dentro de um tanque de agua fria, amarrou seus braços abertos em duas estacas fincadas ao lado do tanque com cordas finas. Ela não tinha como levantar e teria que ficar dentro da água só com a cabeça para fora. Safira quando acordou estava horrorizada. Abria a boca e só saia grunhidos. Seus olhinhos saltavam como se fosse fugir. A dor era incrível.

               Tentava gritar, pedir ajuda, implorou a Nando com seus olhos assustados.  Ele com um canivete cortou varias lascas finas de bambu. A cada hora enfiava uma lasca em uma parte do corpo de Safira. Gargalhava, estava louco e clamava chamando os demônios. Sentiu-se bem quando o sangue vermelho de Safira se mistura com a água do tanque. No segundo dia ela desmaiou. Com um pequeno alicate, arrancou a força duas unhas de sua mão direita. E duas do pé esquerdo. A dor era demais. Safira gemia horrorizada tentava gritar era muda não tinha voz e nem um grito se ouvia. Desmaiava e acordava. Uma dor tremenda. Não entendia nada do que estava acontecendo.

                 À noite Nando tirou sua roupa. Pintou-se de preto. Matou um galo que tinha comprado. Espalhou as penas e o sangue em cima de Safira que estava desmaiada. Sem socorro Safira iria morrer em pouco tempo. Não aguentava mais de tanta dor. A meia noite Nando começou a gritar cacarejara e levava as mãos ao céu dizendo: – Apareça demônio! Mostre sua força! Mostre que você existe! Onde está você demônio dos infernos! E gargalhava como um louco. Dançou por muito tempo a Dança da Morte. Safira acordou assustada. Viu aquela visão dos infernos e pediu a Deus para levar sua alma para o céu. Safira horrorizada via aquele louco, aquele satanás gritando e dançando a dança da morte.

                  Olhe Chefe disse Toninho Caixão. Se não fosse Estônio um Chefe Sênior nem sei o que teria acontecido. Uma noite ele acordou assustado. Dois dias como o mesmo pesadelo. Estônio era investigador de polícia, casado com dois filhos homens. Um de três e outro de cinco anos. Amava os escoteiros. Sentia-se bem quando estava com seu uniforme. Adorava sua profissão e ria quando os meninos e meninas da tropa pediam para ele contar historias de bandidos em acampamentos ou mesmo na sede. Considerava-se um bom policial. Nunca abusou e nunca deixou de cumprir suas obrigações dentro da lei. Seu pesadelo o levava sempre ao mesmo sitio que ele não conhecia. Uma menina indefesa na mão de um maníaco. Teria que ser verdade. Isso só podia ser um sinal de Deus. Teria que descobrir onde era o tal sítio. Sem querer comentou com os monitores seu sonho. Estava preocupado.  Rildo um dos monitores lembrou que seu pai alugou um sitio para um homem que seria para um mês somente.

                  Junto ao pai de Rildo ele foi ao sitio. O que encontraram lá era uma verdadeira história de terror. Nunca imaginaria algum parecido. Ele pensava que era um bom policial, temente a Deus e já tinha trocado tiros com bandidos da pior espécie. Mas o que viu deixou-o estarrecido. A maldade não poderia chegar a tanto. Tinha visto muitas coisas na sua profissão, mas o que viu superava tudo. Ainda encontraram Safira com vida dentro do tanque. Desmaiada, machucada, mas respirava. Em volta pedaços de corpo de um homem todo queimado. Tinha sido esquartejado. Seus membros fediam. Acharam sua cabeça fincada em um bambu. Sua língua para fora mostrando que morrera gritando horrorizado. Todos os membros cortados, lascas de bambus pontiagudos. Nas duas mãos e nos dois pés nenhuma unha foi arrancada a alicate.

                Nando ficou estarrecido. Depois que a ambulância levou Safira, ele olhou e viu uma porteira saindo fumaça como se estivesse queimando. Foi até lá. Viu escrito a fogo nas taboas e o que leu gelou suas veias. Estarrecido imaginou o que poderia ter acontecido ali. Dizia: – “Não se preocupem. Ele queria me ver, duvidava de mim. Ele agora vai morar comigo. Lá no meio dos infernos e vai queimar comigo para sempre” assinado o “Demônio”.


               - Fui dormir. Toninho Caixão ficou em volta do fogo sozinho. Olhei para ele e ele sorria com os olhos esbugalhados. Nunca esqueci esta história. Contei uma vez em um final de Fogo de Conselho. Todos adoraram, mas ninguém dormiu naquela noite. Até hoje me perguntam se foi verdade. Só respondo para perguntar ao Toninho Caixão. Ele sim sabe da verdade!

quinta-feira, 14 de abril de 2016

A escoteirinha foi morar no céu!


Lendas Escoteiras
A escoteirinha foi morar no céu!

                Ela nem se lembrava como fora parar ali. Sentia falta de visitas inclusive sua família que a visitava poucas vezes. Nati e Andi duas enfermeiras faziam o papel de mãe e pai. Ela amava as duas mais que seus próprios pais. Ela também tinha dois tios que a faziam rir e sonhar que um dia poderia voltar para casa, correr na escola, abraçar amigos que fizera no passado. Joshua o Contador de Histórias e Titio Aquiles, que se vestia de pirata ou palhaço eram tudo para aquela garotada naquela Ala C do hospital. No inicio sofreu muito. Seus pais não explicaram a ela o que tinha, e um dia a levaram para o hospital e ela nunca mais saiu de lá. Custou a entender o que lhe aplicavam três vezes por semana. Depois soube que se chamava quimioterapia e Dona Alma uma enfermeira sua amiga disse que só assim um dia ela podia voltar para casa. Ela chorava nos dias que precisava fazer a tal quimioterapia. Vomitava, gritava de dor e muitas vezes teve que ser levada a força. Com seis meses internada Maryany era intima de muitos amigos ali naquela ala do hospital. Maryany nem se lembrava das dores que sofreu antes de ir para o hospital. Tinha saudades de mamãe Eulália e do papai Alfredo. Filha única ela tinha tudo e agora não tinha nada.

                 Um domingo a vida de Maryany mudou por completo. Não entendeu aqueles dois meninos e duas meninas de uniforme dizendo que tinham recebido ordens de formar ali na ala C, uma tropa de Escoteiros. Ela riu quando disseram isto. Não sabia o que eram os Escoteiros e nem tampouco uma tropa. Os quatros eram formidáveis. Riam, cantavam, faziam jogos e ensinavam as técnicas Escoteiras. Maryany passou a ver sua vida de outra forma. Agora ia para a Quimio mais alegre mesmo sabendo que ia sofrer. Disseram para ela que os Escoteiros não tem medo, que sorriam nas dificuldades. Eram doze naquela ala do hospital. De vez em quando um ia embora e Nati ou Andi diziam que ele tinha ido morar nas estrelas bem próximo de Andrômeda uma galáxia muito distante. Maryany sempre pensava quanto tempo de viagem, pois Guto o seu amigo que dormia próximo dizia que ela iria também para lá. Interessante que dos doze internos nenhum tinha cabelo na cabeça e quando chegavam novos em pouco tempo caiam todos.

                 Miro o mais Velho dos Escoteiros não sabia ficar sério. Sempre sorrindo e brincando. Alencar sorria também, mas nem tanto como Miro. Lena e Tatiana eram uns amores. As duas logo ficaram muito amigas de Maryany. Em pouco tempo a Tropa Escoteira Dos Guerreiros da Ala C sabia tudo de escotismo. Adoravam quando um deles fazia um jogo, ensinavam um nó, cantavam uma canção. E a lei dos Escoteiros? Maryany sabia de cor. Naquele sábado de setembro ela sentiu no peito uma enorme pressão, calor falta de ar e uma dor por todo o corpo. A quimio fazia efeitos mais duradouros. Eles sempre batiam palmas quando os quatro cantavam a canção das panelas. Morriam de rir, pois nenhum deles nunca lavou uma panela. – Quando terminarem as provas, disse Miro, eu vou chamar o Chefe para fazer a promessa de vocês! – E o uniforme Miro? – Vamos trazer para cada um. Todos sorriam e ficavam esperançosos em vestir o uniforme dos Escoteiros.

                 A alegria como os Escoteiros aos domingos era compartilhada por Nati e Andi. Elas não tinham como fechar o coração para a tristeza que abatia quando alguém era levado às pressas para a UTI. Elas sabiam que de lá não voltariam nunca mais. Mesmo amando aquelas crianças de vez em quando uma lagrima caia solta aqui e ali. O Doutor Pascoal insistia com elas para endurecer o coração, mas era impossível. O câncer é terrível, mas nas crianças é mais terrível ainda. Na Ala C todos os médicos e enfermeiras sabiam que não tinha volta. Quem fosse parar ali dificilmente voltaria para casa. Um coração de ferro para aguentar tudo isto. Principalmente quando elas os viam sorrindo, dentinhos brancos, cabeça raspada, uma bata branca igual para todos e nem sabiam que a esperança poderia não fazer morada naquela Ala C.  

                 Naquele domingo tudo aconteceu. Miro disse a Maryany que ela estava preparada. Ia fazer a promessa. Prometeu trazer o uniforme dela no domingo seguinte. Prometeu também trazer o Chefe e toda a Tropa Escoteira. Nunca se viu um sorriso como o dela. Nunca uma alegria de quem não podia ter nada foi tão grande. Nem bem eles foram embora uma dor enorme no peito quase a levou. Foi uma semana onde Laura e Emília foram levadas para morar na Estrela de Cárpeo. Elas que escolheram esta estrela, pois todos que um dia foram parar na Ala C já tinham escolhido sua estrela preferida no céu. A vida é linda para ser vivida. As experiências mesmo as mais difíceis são provas para que um dia possamos crescer mais espiritualmente e aprender com os erros e entender a vida como ela realmente é.

                  Maryany na quarta gemia de dor. O doutor Pascoal pediu a Nati e Andi que a levassem para a UTI. Ela não iria sobreviver por mais do que uma semana. Lá poderiam aplicar remédios para que a dor fosse menor e quem sabe induzir um coma para que ela pudesse seguir o seu destino. Seus pais não tinham mais esperança, quem sabe na UTI poderia amenizar a angústia e sofrimento que sentiam. Quando Maryany viu que ela seria levada seu mundo desabou. Gritou, chorou, implorou que a levassem na segunda. Ela ia fazer a promessa no domingo era tudo que ambicionava. Ela disse ao Doutor Pascoal chorando que sabia que nunca mais iria voltar. Precisava fazer sua promessa. Queria prometer a Deus e a Pátria que seria uma boa Escoteira na Estrela de Capella. Ela sabia que era onde moravam os bons meninos e meninas que tivessem feito o bem na terra. Prometeu com água nos olhos que não iria chorar de dor. O doutor Pascoal nunca ficou tão emocionado. Aplicou nela uma dose extra de um forte analgésico e ele sabia que em dois ou três dias seu corpo não aceitaria mais o mesmo remédio.

                   Não foi fácil para Maryany aguentar até o domingo. Mas sua força de vontade era tão grande que quando viu adentrarem na Ala C os Escoteiros ela esqueceu a dor que sentia. Quando Lena e Tatiana vestiram nela o uniforme ela chorava de alegria. Seu corpo queria levantar da cama e não conseguia. Estava fraca demais. Miro tirou seu lenço e amarrou na base onde estava colocado o soro e prendeu seu braço mais alto para que ele fizesse o sinal Escoteiro quando fosse fazer a promessa. Todos formaram em volta dos meninos e meninas que ali estavam à espera de um milagre. Miro falou alto para o Chefe – Chefe! Apresento Maryany, uma Escoteira que está pronta para fazer a promessa. – Todos fizeram o sinal Escoteiro. Uma Bandeira Nacional foi desfraldada. Quando o Chefe ia dizer para ela repetir uma vozinha simples, carregada de emoção começou – Prometo pela minha honra, fazer o melhor possivel para – Cumprir os meus deveres para com Deus e a minha Pátria... Maryany não terminou. Seu semblante sorria, seus lindos olhos negros fitavam o infinito. Seu espirito havia partido. Ela não estava mais ali.


                  Um silêncio sepulcral tomou conta da Ala C. O Chefe foi até ela e colocou o lenço. Miro o Monitor colocou nela o distintivo de promessa. A tropa cantava baixinho a Canção da Promessa. Maryany partira, mas sabia o que estava acontecendo. Amparada por anjos vestidos de branco, Maryany a Escoteira orgulhosa com seu uniforme finalmente descansou. Ela foi morar na estrela de Capella. Todos ali na Ala C sabiam que Maryany foi para o céu!

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Lendas Escoteiras. Só restou uma lágrima.


Lendas Escoteiras.
Só restou uma lágrima.

                    Estou aqui, como sempre faço todas as tardes, sentado em um banquinho que fiz na curva do Rio das Flores, e que eles disseram ser uma pioneiria sempre a espera deles. Sei que não virão, mas sonho um dia ver todos eles, cantando, brincando naquele ônibus colorido chegando de novo para alegrar meu coração. Quando penso em tudo que aconteceu, meus olhos se enchem de lágrimas. Foram os dias mais lindos da minha infância. Dias que nunca, mas nunca mais vou esquecer. Quatro dias de felicidade! Morava em uma pequena casa de pau a pique, próximo ao Rio das Flores. Meu pai trabalhava na fazenda do Senhor Coronel Alcebíades, e tínhamos uma casinha pequena, de adobe. Éramos quatro. Eu, meu pai, minha mãe e meu irmão de três anos. Uma família feliz. Toda manhã ia para a Escola na fazenda Rancho Fundo do Coronel, a única na redondeza. Eram quatro quilômetros que eu fazia correndo. Na volta ajudava meu pai na lida da capina e a tarde nadava no rio. Diziam que nadava como um peixe.

                             Numa quarta feira vi um ônibus colorido cheio de cantorias que se dirigia a fazenda do coronel. Cortei caminho e do alto da Morada do Vento vi dois homens de calça curta e chapelão conversando com o Coronel. Ele fez sinal para mim e disse que levassem eles até A várzea, perto do rio e do bambuzal. Não falou mais nada. Entrei no ônibus.  Todas as crianças da minha idade, rindo, brincando me dando um tal de Sempre Alerta. Estava com vergonha deles e fiquei em pé bem na frente, mas olhando todos de rabo de olho. Chegamos, eles desceram. Juntaram a tralha e ficaram esperando a chamada. Logo eles fizeram um meio circulo próximo a um pé de amora, o tal do "Chefe" Escoteiro passou uma cordinha, e colocaram a bandeira do Brasil. Fiquei de longe olhando. Meus olhos estavam fixos na meninada. Eles corriam aqui e ali. Cada turminha fez um cercado, armaram barracas e foram cortar bambus.

                         Olhei o sol e vi que mamãe estaria preocupada. Corri até em casa e contei as noticias. Pedi a ela e o papai que me deixassem ficar lá olhando. Meus pais nunca ralharam comigo. Almocei correndo um prato de abobora com peixe frito. Voltei ao lugar que eles estavam. Várias barracas, e eles construíram alguma coisa que não entendi e a fumaceira pegou fogo em todos os cercadinhos deles. O sol já se pondo e foram tomar banho no rio. Um deles tentou atravessar. Começou a fazer sinais. Corri lá. Pulei de roupa e tudo. Era bom nadador apesar dos meus doze anos. Tirei-o da água. Os chefes começaram a beijar e ele e voltou a respirar. Agradeceram-me. Bateram uma palma esquisita. Chamaram-me de herói. Disseram que se quisesse ficar em uma Patrulha era só escolher. Nem sabia o que era isso, mas um loirinho me fez um sinal e fui. Disseram que eram os Touros. Dei risada. Aqueles fracotes Touros? Mas foi bom. Ensinaram-me a dar sempre alerta, a gritar o tal grito da Patrulha, a entender os sinais do "Chefe" Escoteiro para formatura.  .

                      Durante os quatro dias eu brinquei, cantei e joguei com eles. Corremos na mata. Pulamos a cerca do Boi Lamego, fomos até a subida do Catatáu. Mostrei a eles o canto do sabiá, do pássaro preto, mostrei como fazer o tatú sair da toca. Eles me ensinaram nós e quiseram ensinar sinais de pistas. Dei risadas. Nunca iriam pegar uma seriema contra o vento. Quatro dias maravilhosos. Comi a comida deles, ruim à beça. Sem sal. Mas eu ria e eles riam. Um dia cozinhei para eles. Gostaram. Até o "Chefe" Escoteiro veio tirar um sarro. Um deles deu dor de barriga, levei para ele a fruta do pastor. Chupou a fruta e sarou. No ultimo dia fizeram um fogo. Cantaram, gritaram, bateram palmas, contaram causos, fizeram teatrinho e depois em volta da fogueira cantaram uma linda canção que só guardei uma parte. “Não é mais que um até logo, não é mais que um breve adeus”.

                    No ultimo dia desmontaram tudo. Fizeram uma limpeza. Na bandeira o "Chefe" Escoteiro deles me chamou. Dissera que eu era um Escoteiro honorário. Mandou-me ficar durinho, e fiz o sinal deles. Fizeram-me repetir a promessa deles. Prometo pela minha honra... Foi lindo. Foi demais. Depois ele me colocou o lenço deles. Chorei. Abraçaram-me. Chorei. Deram os gritos que chamavam de Patrulha. Chorei.                     Disseram-me Adeus dizendo que não era mais que um até logo e partiram. Eu chorava. Entraram no ônibus. Eu fiquei ali em pé, ao lado do mastro de bandeira como eles chamavam. O ônibus virou a curva do rio buzinando. Um silêncio atroz. Chorava. Chorava. A tarde veio. Não arredei o pé. Não podia sair dali. Via todos eles cantando, brincando e me abraçando. Se saísse toda essa ilusão iria desaparecer. A noite chegou de mansinho. O orvalho caindo. Eu chorando. Não parava de chorar. Queria eles de volta, mas sabia que isso não ia acontecer.

                   Meus pais chegaram e me levaram. Não queria ir. Mas não podia ficar ali toda a noite. O dia amanheceu. Como sempre voltei a minha rotina. Escola, trabalhar na roça com meu pai e as tardes ia sentar no meu banquinho lá na curva do rio onde eles acamparam. Olhava o horizonte quem sabe, um ônibus viria novamente! Meus olhos enchiam-se de lágrimas. Agora não chorava mais. A dor que sentia era no meu coração. Uma dor doída. Lembranças, lembranças que machucavam. Que dias lindos maravilhosos eu tive e se foram.

                   Durante muitos anos eles permaneceram em minha memória. Sempre revivia todos os dias felizes que com eles passei. As saudades permaneceram por longo e longo tempo. Meu Deus! Daria tudo para vê-los novamente! Sabia que não ia acontecer. Quando foram eu ainda não sabia, mas era o último Adeus. Um adeus sem volta. Sei que muitos deles disseram que um dia certamente iriamos nos ver a beira de uma fogueira por este mundo de Deus. Sonhos que se foram. O tempo passou e eles não voltaram. Por anos e anos lá estava eu todos os domingos sentado em meu banquinho, a tal de pioneira próximo ao mastro da bandeira deles. Agora seco, mas firme. Eu não deixava cair. Chegava com meu lenço, ficava durinho e dava sempre alerta. Olhava uma bandeira invisível sendo erguida balançando ao vento como se fosse hoje.


                  Não sei quantos anos se passaram. Sei que foram dias inesquecíveis e que permanecem até hoje no meu coração. Cresci, casei, tenho filhos. Nunca mais vi os escoteiros. Sei que foi bom, foi muito bom ter sido Escoteiro por alguns dias. Quantas saudades que permanecem na minha lembrança e não se apagam. Lembranças que ainda me fazem feliz, mas me machucam demais de tantas saudades. Eles ainda me disseram que eu não devia perder as esperanças e eu não perdi. Elas permanecem vivas dentro de mim e foi isto que ainda me faz feliz. Quatro dias! Até hoje sem querer ainda deixo minha última lagrima cair para dizer que tive a honra de um dia ter sido um. Um Escoteiro com orgulho e que nunca mais deixarei de ser!

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Tobruk O sonho não acabou.


Tobruk
O sonho não acabou.

              Apenas um menino igual a muitos. Seu nome era Juliano Santos. Apelido de Tobruk. Magro, roupas remendadas, diziam que sua vida não iria durar. Pai pescador, mãe faxineira. Tinha meses que não ganhavam um tostão. Tobruk gostava do apelido. Nem imaginava que era uma cidade perdida no Egito e que ficou famosa na Segunda Guerra Mundial, palco da batalha do Afrika Korps do Marechal alemão Erwin Von Rommel contra o Major Donald Craig. Mas isto é história que já passou. Tobruk tinha dificuldades de andar, uma perna mais fina e menor que a outra. Seu rosto tinha marcas de quem sofreu paralisia facial e que agora estava recuperando. Tobruk não se envergonhava do que era, menino de coração de ouro não imaginava que aparência ainda era cobrada pela humanidade. Na escola todos ficavam longe dele. Diziam que tinha doença contagiosa e poderiam pegar. Ele se sentia só, sem amigos, mas mesmo assim sorria. Um sorriso amarelo que só de ver dava vontade de chorar.

                 Foi Zé Outeiro quem ficou amigo dele. Zé sonhava ser Escoteiro. Contou para ele o que faziam aonde iam e o que cantavam. Tobruk sorria ao ver Zé falar. Mas Zé sabia que nunca poderia ser um. Tinha que pagar, fazer um uniforme ou comprar. Acampar tinha taxa tudo que era bom tinha que pagar. Passou a frequentar as reuniões em cima de um pé de Jequitibá próximo ao pátio de reuniões. Amava tudo aquilo. Sonhava dia e noite a ficar ali naquela patrulha, posição de sentido olhando o monitor bravo a exigir postura e garbo. Cantava com eles. Chorava quando partiam para o acampamento. Iam de ônibus e ele não podia ir. Quantos jogos aprendeu? Sua vista era boa, aprendeu nós, semáforas, aprendeu até a fazer um percurso de Gilwell quando a patrulha escolheu o Pé de Jequitibá para desenhar.

                    De tanto insistir sua mãe o levou. Coitada, mulher simples, humilde, olhando os brancos de cabeça baixa nunca disse para Tobruk que os negros não eram bem vindos em certos lugares. Não foi mal tratada não, o Chefe foi educado, mas disse que tinha pouco tempo e deu as normas, os valores e exigiu que ele trouxesse um atestado médico. Afinal a imagem dele deixava a desejar. Voltou para casa amargurado. Como pagar? Como tirar um atestado médico? E como dizer que não tinham nem mesmo um decente para morar. Tobruk voltou a sua morada no alto do Pé de Jequitibá. Um ano, dois e Tobruk fez quinze anos. Precisava trabalhar. Ninguem o aceitava nem como aprendiz. Seu aspecto não era agradável e sendo negro pior ainda. Nunca abandou seu escotismo de sonhos, seu Pé de Jequitibá. Cresceu com muitos que foram para os seniores, e aprendeu a amar os novos que chegaram à patrulha Guará.

                     Zé Outeiro vez ou outra aparecia. Contava causos, contava sonhos, dizia que ia para a capital, pois lá seria alguém. Um dia ele sumiu e nunca mais apareceu. Tobruk sentiu uma tristeza danada, perdeu o único amigo e seu sonho tinha certeza nunca iria se realizar. Polaco era o Chefe. Sabia tudo. Desde menino foi Escoteiro e hoje engenheiro químico brincava de correr pela floresta, catar vento nos vales, pegar estrelas no céu. Era um sonhador. Notou Tobruk todas as reuniões no alto da árvore. – Vem cá meu jovem, vamos conversar. Dia feliz, divertido, exultante e impossível de esquecer. Tobruk entrou para os Guarás. Um mês dois e o Chefão o chamou. – Meu jovem, você está sob a proteção do Polaco. Não faça besteira e o jogo para fora ou para a prisão. O Chefe Tomás reclamava: - Ele paga tudo e isto não está certo. Aqui não tem lugar para negro e pobretão.

                Reclamar com o Chefe Polaco? Criar inimigos? Calar e aceitar? Foi assim que Tobruk viu que escotismo era para ricos, pobres não tem vez. Se tem alguém que interessa ele fica se não que se dane. Tinha mensalidade tinha taxas para acampamentos, para os grandes nacionais. Ninguem se preocupava com ele e com outros que um dia poderiam ser escoteiros. Se tem paga se não tem dá o fora. Soube que sua mensalidade no órgão nacional foi perdoada. Tinha uma norma para os pobres e nada seria cobrado se ele pudesse provar. Mas só isto. Para alguns chefes ele não servia para nada. O Chefe Polaco sorria, cativava, disse a Tobruk que estudasse muito, que um dia pudesse provar que ele era alguém, que lhe dessem respeito e afeição. Era seu direito. Seis meses depois Tobruk saia de uma reunião de Patrulha, feita na sede, pois na casa do Lancaster sua mãe não gostava dele.

                   Tobruk acostumou com tudo. Já não revoltava e aceitava o que a vida lhe reservou para seu destino. Na Rua do Coqueiro três meninos negros passaram correndo. Um deles o jogou ao chão. Ao se levantar um carro patrulha parou. Desceram atirando. Tobruk morreu na hora. Quando o viram de uniforme tentaram mudar a cena. Uma arma foi jogada aos seus pés. O sangue se espalhava pela calçada. Ninguem parava todo mundo com pressa a sair daquela emboscada da morte de um jovem que a vida não tinha reservado um final feliz. Chefe Polaco chorava na cerimônia fúnebre. Abraçou sua mãe e seu pai e disse que só Deus podia entender o destino de Tobruk, um menino cujos sonhos o vento levou!


                     Sonhos de meninos que não se realizam. Alguns que podem não querem. E os que querem muitas vezes não podem. Quem sabe estamos nos tornando demasiados respeitáveis e esquecemos que o escotismo não é só para os rapazes bons. Não era isto que pensava Baden-Powell. Ele repetia sempre que o movimento são para os rapazes que dele necessitam. Afinal o escotismo nasceu em 1907 entre meninos pobres e, se economicamente ouve uma mudança social entre eles, espiritualmente ainda existem rapazes tão pobres como naquela época. E são eles que muito necessitam do escotismo!

domingo, 10 de abril de 2016

Vida e morte de Arkansas Chamorro.


Lendas Escoteiras.
Vida e morte de Arkansas Chamorro.

                   Ninguém pode fazer nada. Ele escolheu seu caminho. Uns dizem que foi o destino outros que foi uma escolha pessoal. Aconselhamentos, castigos, e brigas homéricas nunca adiantaram. Chamorro sempre foi assim. Desde que começou a andar. Se dissessem que foi mal criado não era verdade. O pai de Chamorro era um verdadeiro Diplomata, não na formação acadêmica, mas no trato com as pessoas. Ninguem na repartição poderia dizer nada contra ele. Era bem quisto, amado e ali qualquer um daria a vida por ele. Dona Ana sua mãe era de uma humildade sem par. Sorria para todo mundo, uma das forças nas filhas de Maria da Igreja do Bom Pastor. O Padre Nilton agradecia sempre a Deus por ela estar por perto. Resolvia tudo. Se tivesse de pedir pedia, se tivesse de varrer varria. Não era uma beata não, era uma senhora que todos admiravam e servia de exemplo para as moçoilas do lugar.

                     Chamorro era filho único. Cala-te boca, eu dizia para mim, mas ele devia ter morrido quando nasceu dentro da carroça do Senhor Lourival. Ela começou a passar mal e não aguentava andar. Prestativo o Senhor Lourival a levou a Maternidade Santa Rita aonde ela deu a luz. Um parto simples, um menino bonito, não chorou e sorriu ao nascer. Ate os dois anos ninguém previa o que Chamorro um dia viria a ser. Ninguem sabe como, mas um dia ele soltou um rojão debaixo da Saia de Dona Mercês sua professora. Suas partes íntimas ficaram de fazer dó. Durante um ano não cumpriu suas obrigações como mestra na Escola José de Alencar. Culpar Chamorro? Ora ele tinha quatro anos. Ouviu a preleção dos seus pais, de outros mestres e até do delegado. Mas e daí? Seria que entendia o que diziam? – Quem botou fogo na delegacia? Quem deu um tiro no trazeiro do Seu Tiago da Farmácia? Quem aos sete anos assaltou o banco Ipojucan na luz do dia? – Devia ficar preso isto sim dizia toda a comunidade de Alto da Serra.

                  Apareceu como não quer nada na sede do Grupo Escoteiro naquele sábado chuvoso. – Disse para o Chefe: Este é o melhor dia. Capim escorregando, todos molhados e eu fazendo das minhas. E ria! – Não dá Chamorro, preciso conversar com sua mãe e seu pai. Depois vamos ver se posso aceitar você aqui. – Chamorro olhou de alto a baixo o Chefe Miltinho. – riu e como riu depois que foi embora. - Escoteirada! Gritou. A hora e a vez de vocês vão chegar. E chegou. Da pior maneira. Quando apagaram o fogo da sede não restou mais nada. A meninada chorava. Tudo perdido. Quem foi? Ninguém viu, mas todos sabiam que era Arkansas Chamorro. Cutelo e Bate Volta dois seniores da Cruzeiro do Sul não engoliram tudo aquilo. – Cutelo, este menino precisa de uma lição não acha? Bate Volta balançou a cabeça e não disse nada. Diziam que ele era mudo, mas não era só não gostava de falar.  

                   Derem nele uma surra de fazer dó. Seniores agindo assim? Sei não. Eu mesmo tive vontade muitas vezes de esganá-lo. Chamorro sabia quem era Cutelo e Bate Volta. Não contou a ninguém os hematomas e os olhos sarnentos com que ficou vários dias. Seu pai preferiu não fazer o BO. - Para que? Chamorro não iria dizer e o delegado quem sabe daria uma medalha. A sede foi reconstruída. A cidade colaborou com a compra dos materiais. – Sorridentes os Cucus partiram para um acampamento de dois dias no Vale do Eco. No dia seguinte voltaram sem nada, pelados e correndo pela principal avenida da cidade. Entraram na delegacia e o delegado saiu na porta vermelho e com um chicote na mão. – Desta vez em mato aquele menino! Matou nada. Arkansas Chamorro sumiu da cidade por três meses. Onde estava? Seus pais choravam e a cidade aplaudia.

                    Chefe Miltinho reuniu o Conselho de Chefes – Não podemos continuar assim. Vamos coloca-lo no grupo. Em uma patrulha. Pode ser a de Sansão. Ele é forte e dominador. Se não fizermos isto ele destrói o escotismo no sertão. Não foi preciso. Ele aceitou o pedido e disse que iria ser o monitor. Até que iam aceitar quando Francesca disse não. Olhou para Chamorro e com sua vozinha meiga e amorosa disse para ele que teria de lutar pelo seu lugar. Outros estavam à frente. Arkansas Chamorro tremeu. Olhou para Francesca, seu coração disparou. Uma paixão enorme em um menino de 13 anos. Não deu outra. Um mês depois Francesca e Chamorro desapareceram de Alto da Serra. A mãe de Francesca desesperada. A mãe de Chamorro não dizia nada. Um ano depois Francesca chegou retornou a cidade com uma criança nos braços. – E Chamorro? – Não sei falou chorosa. Dizem que ele agora é o dono da quadrilha de pivetes de Alta Floresta. É a cidade ficou em festa o diabo mudou de lugar.

                         Cinco anos depois os jornais estamparam em manchetes: - Chefe Escoteiro retorna a sua cidade natal. Alto da Serra tremeu. Nunca pensou que ele iria voltar. Chefe Escoteiro? De onde? Quem o aceitou? Chamorro chegou montado em um baio de pelagem branca impoluto como sempre. Chapelão, faca e facão. Sorria, parou em frente ao Grupo Escoteiro. Ninguem sorria com sua presença. Estavam admirados por ele estar assim fardado. Chefe Miltinho levantou a mão e disse: - Chamorro volte para onde veio. Aqui não é seu lugar. Procure Francesca, coitada luta com dificuldade para criar um filho que é também seu. – Chamorro parou de sorrir, foi até ao Chefe Miltinho, ajoelhou e pediu perdão. – Chefe estive preso, sofri e aprendi. Mesmo nunca tendo me dedicado como um bom Escoteiro a lei ainda vive em mim. – Levantou montou em seu cavalo e saiu devagar sem rumo definido.


                        Cada coisa tem o seu tempo certo para acontecer, Chamorro mudou, hoje é um homem honesto, trabalha em sua olaria e Durval seu filho ama seu pai. Francesca linda mostrava ser a Chefe mais feliz do mundo. Dizem que as semanas andam e os anos voam. O destino ninguém sabe e a vida é para ser vivida. Pois pensar positivo, ajuda e só Deus sabe o que é melhor pra nós. Enfim tudo aquilo que tem que ser será... 

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Uma estrela brilhante para Elizabeth.


Lendas escoteiras.
Uma estrela brilhante para Elizabeth.

“Abro os olhos, não vi nada”. Fecho os olhos, já vi tudo. “O meu mundo é muito grande E tudo que penso acontece”.

               Eles não iriam demorar a chegar. Uma festa quando adentravam naquela área gramada da Casa de Repouso. Vinham uma vez por mês sempre no segundo domingo. Houve dias que não vieram. Eu sabia que estavam acampando ou excursionando. Quanto daria para estar com eles? Saudades, quantas saudades, mas não reclamo. Eu tive tudo que quis. Foram minhas escolhas e se pudesse faria tudo de novo. Gosto desta casa onde hoje moro, gostos dos amigos que fiz aqui. Sempre tem um ou outro voando para as estrelas e eu sei que um dia vou também. Gosto de pensar, lembrar, ficar aqui no jardim lembrando e sonhando com meu passado. Ainda guardo as musicas Escoteiras e quando a saudade aperta, eu canto, e sorrio cantando. Eu alcancei a felicidade que sempre sonhei. Os que vivem aqui não reclamam. Tem muitos que seus filhos e netos dificilmente aparecem. Eles não choram, Tem sempre alguém seu lado para embalar seus dias e suas noites e fazê-los sorrir.

“Aquela nuvem lá em cima? Eu estou lá, Ela sou eu. Ontem com aquele calor Eu subi, me condensei”.

                      Foi um dia inesquecível. – Papai, Mamãe, eu gostaria de ser Escoteira! Eles me olharam espantados, pois sabiam que eu me fechava em meu quarto, não recebia amigas e tinha uma vida reclusa que nenhum psicólogo sabia explicar. Eu sabia que era adotada. Eles nunca me esconderam. Eu os amava e nunca me interessei em saber quem foram meus pais biológicos. – Vou levar você lá Elizabeth. Espero que goste e dedique como tudo que faz. Meu pai tinha mais de sessenta anos e minha mãe cinquenta e oito. Adotaram-me quando tinha oito meses. Eu não tinha o que reclamar. Eles me adoravam tanto que muitas vezes me senti sufocada de tanto amor. – Seja bem vinda Elizabeth! – Espero que goste de ser uma Escoteira e olhe, você tem duas escolhas aqui: - Gostar da vida ao ar livre e saber vencer as dificuldades! – Adorei a Chefe Altair. Adorei tudo que encontrei ali, o escotismo passou a ser minha vida e viver junto de mim e no meu coração.

                         Os tempos foram passando, um dia me disseram que seria guia. Porque não? Para mim a mesma coisa. Fiz novas amigas e amigos. Um respeito enorme um pelo outro. Fui a um Jamboree e outros tantos acampamentos regionais. Mas o que gostava mesmo era meu acampamento de tropa. Ali eu podia jogar crescer e aprender com meus amigos de patrulha. Mas chegou o dia que me disseram que iria ser uma pioneira. Não me dei bem. Havia muitos que nunca foram Escoteiros quando jovem e a gente não falava o mesmo idioma. Conversei com o Chefe Jerônimo que assumiu a responsabilidade pelo grupo. – Porque você não vem ser Chefe? Uma assistente para começar. Irá fazer muitos cursos, conhecer pessoas novas e quem sabe um dia será uma Insígnia de Madeira?

“E, se o calor aumentar, choverá e cairei. Abro os olhos, vejo um mar, Fecho os olhos e já sei. Aquela alga boiando, à procura de uma pedra”?

                          Porque não? Eu pensei. Foi outra maneira de ver o escotismo. À medida que fazia cursos, que trocava ideias com Velhos Lobos eu sabia que ali era meu lugar. Nunca encontrei minha cara metade. Entreguei minha alma e meu coração ao escotismo. Namorei mas nada significativo. Comecei a trabalhar em um Banco da cidade. Todos ali sabiam que eu era Escoteira. Até meu Chefe o Senhor Rodolfo ria quando eu contava casos de acampamentos. Uma tarde recebi um telefonema urgente de uma vizinha – Seus pais foram internados. Os dois. Tiveram um principio de enfarte. Corri ao hospital. Uma semana depois eles partiram. Chorei muito, achei que tinha culpa, pois me entreguei tanto ao escotismo que me esqueci deles. Todos os domingos eu visitava seus jazigos. Orava, chorava e pedia perdão. Um dia uma luz azul brilhante apareceu e ouvi a voz dos dois: Seja feliz filha, um dia você vai vir morar conosco no céu!

“Eu estou lá, Ela sou eu. Cansei do fundo do mar, Subi, me desamparei. Quando a maré baixar, na areia secarei”,

                 Conheci milhares de Escoteiros e Escoteiros por este mundo que Deus me deu. Fiz centenas de amigos e quando recebi minha Insígnia recebi vários convites. Nunca aceitei nenhum. Eu tinha uma missão com os jovens e nunca iria abandoná-los. Minha casa vivia cheia deles. Eu os amava e eles me amavam. Quantos acampamentos fizemos? Quantas atividades aventureiras? E aquela de sair por aí, sem eira nem beira na Montanha da Raposa cinzenta? Fiz excursões incríveis, adquiri uma maturidade de campo invejável.  Eu só me dedicava ao escotismo e nunca pensei em crescer no meu trabalho. Sabia que todos gostavam de mim como eu era. Um dia pensei quando envelhecesse o que seria de mim? Quem iria orar por mim, ficar ao meu lado, me dar de comer, me fazer feliz? Não pensava nisto. Só pensava no meu amor Escoteiro que vivia no meu coração.

“Mais tarde em pó tomarei. Abro os olhos novamente E vejo a grande montanha, Fecho os olhos e comento”:

                Mas o tempo é implacável, eu envelheci. Aposentei-me. Sentia-me sozinha em casa e só no escotismo me sentia bem. Minhas meninas agora eram outras. Quantas passaram pela minha tropa? Um dia o Chefe Jerônimo me disse: - Elizabeth, não interprete mal minhas palavras, você já está com mais de oitenta anos. Não pode viver sozinha assim. Porque não procurar uma Casa de Repouso? Visite, conheça, veja se é o que gostaria para morar. Lá você terá amigas para conversar, para cantar e divertir. Sua palavras doeram, mas era uma verdade. Eu andava mal. Não deu outra, lá fui eu arranchar na minha última morada na terra. Minhas Escoteiras não se esqueceram de mim. Chefes amigos sempre me visitavam. Todos os domingos estavam lá. Eu adorava mesmo era o segundo domingo do mês. Minha primeira patrulha vinha em peso sem faltar ninguém. A gente ria, cantava, chorava e lembrava os velhos tempos dos bons acampamentos das noites geladas, dos fogos de conselho! Ah! Quantas saudades.

“Aquela pedra dormindo, parada dentro do tempo, Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao vento”?

                Elizabeth faleceu aos oitenta e oito anos vitima de falência múltipla de órgãos. Nunca aquela campa no alto da Colina da Lua viu tantos meninos, meninas, chefes e até lideres Escoteiros regionais, nacionais e do exterior. Quando o esquife desceu para sua morada nunca se viu tantos chorando. Mas Elizabeth, para quem podia ver estava sorrindo, estava com sua Mamãe e seu Papai que a abraçavam e em uma nuvem branca a levavam para uma estrela brilhante, lá no firmamento onde seria sua nova morada!
                                    ...”Eu estou lá, Ela sou eu”.

O poema é de Adalgisa Nery.

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....