sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O céu mandou alguém.


Lendas Escoteiras.
O céu mandou alguém.

              Rosa não tirava por um segundo seu olhar para o Canteiro de Flores. Foi ela quem plantou que regou e quem tinha o privilegio de sentir o perfume que elas exalavam. Eram Rosas, Begônias, Gardênias, Jasmim e Camélias. Cada uma mais linda que a outra. Se não fosse Geraldo ela não teria conseguido. Foi ele quem trouxe as sementes e a terra. – Onde ele está? Havia dois meses que não a visitava. Não demonstrava, mas sentia falta dele, pois todo o segundo domingo do mês era o único que a visitava. Sentava ao seu lado e ambos de olhos baixos calados ficavam ali como se só o pensamento transmitisse todas as palavras que queriam dizer. Olhou para o horizonte e viu que o sol iria em breve se esconder nas montanhas distantes. O aroma adocicado das Camélias ajudava nas suas lembranças que varriam sua mente a procura de detalhes para que nunca fosse esquecido quando tudo fosse escrito no livro do tempo. Livro do tempo? Foi Don Antonio quem disse quando confessou pela última vez. - Ele existe sim, Rosa!

              Quanto tempo? Dezenas... Nunca esqueceu aquele dia que sua mãe a levou aos escoteiros. Reservada, pois sempre se mostrava ingênua e acanhada se escondeu atrás dela com vergonha do Chefe Escoteiro. Não foi ela quem pediu para entrar, mas uma amiga de sua mãe insistiu. As patrulhas femininas brincaram com ela, até puseram um nome que ela teve que procurar no dicionário: - “Pudica”. Nunca disse a ninguém, mas sua vida tinha dois destinos. O antes e o depois de ser escoteira. Obedecia às ordens emanadas da Chefe e da Monitora sem pestanejar. Morreu de vergonha quando promessou a bandeira e a pátria pela primeira vez. Não era convidada para festinhas, aniversários, pois se sentia uma intrusa e quando foi em uma se escondeu no banheiro por horas. Quem sabe Sigmund Freud poderia explicar melhor aquela menina escoteira que amava o que fazia e não dizia a ninguém.

              Nunca fora convidada para nada na patrulha. Ajudava sim, fazia faxina, lavava as bandeiras, o forro da mesa, e aprendeu com Geraldo um Escoteiro da Tropa Masculina a achar o ponto certo do fio de uma ferramenta cortante, afiar e olear. Gostava disto. Ninguém nunca a elogiou por isto. Ela nunca se perguntou se era importante seu gesto e seus afazeres na patrulha e na Tropa. Ela nem sabia se era observada pela sua Chefe Maria Joana. Sabia que era olhada com simpatia e amizade. Quanto mais tempo amava sua patrulha mais calada ficava. Um paradoxo. Quando Guia tentou ser igual as demais e não conseguiu. Mesmo com sua modéstia fragilizada pelas companheiras de patrulha não saiu. Perseverante continuou até quando da idade pioneira... Mas não foi uma. A Bagheera Isabel a convidou para ser uma assistente de lobinhos. Entre sair e ficar decidiu ser uma loba da Alcatéia de Seeonee mesmo com seus dezenove anos incompletos.

              Olhando o portão que não se abria, pensando que Geraldo poderia aparecer suas lembranças não se apagavam da mente. Não casou. Nunca ninguém a convidou para casar. Mas como? Se ela não se enturmava como achar um Principe Escoteiro Encantado? – Geraldo era o único que a fazia sorrir. Durante o tempo que ficavam juntos ele contava piadas sem malícia e ela sorria sem gargalhar. Uma vez ou outra ele a visitava em sua casa. Sua mãe nunca disse não. Quando ela morreu foi Geraldo que a acompanhou até o Campo Santo e a abraçou. Ela não chorou nem ele. Não falaram uma palavra desde então. Foram anos ele a visitando e calados olhavam para a Serra do Sol como se ali fosse ser a morada divina da vida eterna. Ficou no escotismo até os setenta e seis anos quando caiu em um acampamento feito uma abóbora quebrando a perna um braço sem contar duas costelas.

            O Chefe Morel foi quem sugeriu que ela fosse viver seus últimos dias em uma casa de repouso. O Grupo Escoteiro pagaria a diferença da mensalidade já que ela recebia pequena pensão de sua mãe que não era lá estas coisas. Entre ficar sozinha ou em companhia de alguém ela aceitou o convite. Nos primeiros meses sempre recebia visitas do grupo. Ficavam pouco tempo e diziam sempre que um dia iria voltar. Um dia não voltaram mais. Ela não ficou esquecida, pois Geraldo todo segundo domingo do mês a visitava até que um dia não apareceu mais. Os monitores da casa de Repouso estranharam quando ela começou a conversar com as flores. Chegou ao ponto de cantar canções Escoteiras como se as flores dessem retorno. As demais internas faziam rodas só para a verem cantar.

           Sem dizer nada e sem comentar um dia se calou novamente. Sentada no banco de madeira suas lembranças tomavam forma. Agora estava no Vale do Rabino com a patrulha a explorar uma nascente de águas cristalinas. Suas andanças voavam no tempo, sorriu ao retornar a Serra do Sino quando a chuva torrencial as pegou em cheio. Os raios pipocavam no ar com trovões retumbantes. Mas ela sabia que o sol ia voltar. Ele sempre volta. Viu-se recebendo a segunda Classe naquele fogo de conselho nas Terras de Gibraltar. A promessa bateu em cheio em sua memória... Prometo pela minha honra... Fechou os olhos e viu Geraldo chegando em uma nuvem branca dizendo: - Venha vou levar você para onde será o Nosso Lar. Ela na sua timidez lhe deu a mão e subiram pela nuvem até uma estrela brilhante no céu.


             Os monitores da instituição viram quando ela caiu do banco. Correram para socorrê-la. Era tarde demais. Ela tinha partido para nunca mais voltar. Não sei se o Grupo Escoteiro ainda sente sua falta ou se algum dia valorizou tudo que ela fez e colaborou. Nunca recebeu um elogio uma medalha ou mesmo um abraço. Culpa de quem? Da vida, ela é assim mesmo. Cecília Meireles é quem dizia: - Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência a vossa! “Todo o sentido da vida principia à vossa porta; o mel do amor cristaliza seu perfume em vossa rosa; sois o sonho e sois a audácia, calúnia, fúria, derrota...”.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Ser Escoteiro é saber amar de coração aberto.


Lendas Escoteiras.
Ser Escoteiro é saber amar de coração aberto.

                        Olhe, vou lhe contar, se fosse em outra ocasião ou lugar eu tinha partido para a ignorância. Aquele Chefe merecia uns tabefes, ah! Se merecia. Afinal não adianta dizer – Vocês são escoteiros, mesmo sendo chefes tem uma promessa cumprir. Existe uma lei, uma norma de conduta! – Bonito isto, eu mesmo acho, mas o Chefe estava passando da conta. Fiz o que consegui fazer. Virei às costas e fui embora. Sempre me dizem que somos irmãos. Acho que são palavras e mais palavras. Por Deus chefe me deu vontade de sair do escotismo. A gente lê tantas palavras bonitas, uma filosofia que encanta e vem um “Zé Ninguém” e joga tudo por terra. - O pior chefe é que eu tenho o escotismo na mente, na alma e no coração e o Senhor sabe, assim é muito difícil, ou melhor, impossível continuar. Nem sei por que não saí logo.

                        - Mas o que houve? Perguntei. Estava boiando. Ele ali na minha frente, vermelho, abrindo o verbo contra alguém que pelo que já tinha ouvido devia ter aprontado poucas e boas com ele. Não tínhamos muita amizade a não ser um cumprimento ou um abraço fraternal. Sempre quando voltava do meu trabalho, o ônibus da empresa me deixava no centro da cidade. Dava uma passada rápida no Escritório Regional e no caminho do ônibus do meu bairro não deixava de dar uma parada no Bar do Grilo. O melhor chope da cidade e uma empada de camarão sem igual. Sentei e logo ele sentou ao meu lado. Cumprimentos de praxe e ele soltou o que estava preso. Precisava desabafar. Sou bom ouvinte. Falo pouco. Deixo a própria pessoa achar sua conclusão. Muitas vezes isto não acontece e então dou meus pitacos.

                          - Pois é Chefe, continuou- Eu nunca fui com a cara dele. Parece saber de tudo mais que os outros. Ele era prepotente, só sabia dizer o meu grupo, os meus chefes, os meus Monitores, os meus lobinhos os meus escoteiros. Caramba Chefe parecia que ele era o dono de tudo. Um dia perguntei quanto custou tudo isto e se pagou a vista ou cartão de crédito. Foi um Deus nos acuda. A rusga vinha de longe. E olhe, ele não é único em nosso movimento. Sempre dou um “tropicão” em um ou outro igual a ele por aí. Nosso movimento tem cada tipo de tirar o chapéu. Quando eu sabia que ele estaria presente em alguma atividade eu evitava ir. Encontrar com ele seria o fim do mundo. Um “garganta” e que “garganta”. Dono da verdade. Só ele sabia. Era daqueles de dizer “a verdade dói”. Qual verdade? A dele? Um dia me perguntei: E se ele terminar sua Insígnia? E se ele for convidado para ser um Assistente distrital ou regional? – Até pensei nos pobres coitados que entram e ele passa a ser seu assessor pessoal. Chefe, juro, se isto vier a acontecer saio do escotismo na mesma hora!

                            Tudo piorou no ultimo encontro de chefes escoteiros do distrito no Grupo Escoteiro Vale do Amanhecer. O distrital queria discutir algumas atividades Inter tropas e eleger um Assistente Escoteiro. Reunião simples sem pompa. E não é que o Talzinho foi de uniforme? Todo cheio de si e colocou todas suas estrelas de atividades. 12 anos. Sim Chefe a figura tinha doze anos de movimento. Putz Chefe verdade! Este tempo todo e não aprendeu nada. Que reunião minha nossa! Só ele falava, só ele sabia, queria dar ordens, dizia o que tínhamos de fazer. Uns jovens da tropa dele já tinham reclamado. O “Moço” Chefe só sabia dizer: Suspenso por uma semana. Suspenso por três meses. Quem chegar atrasado vai pagar cem joelhos quebrados. Não quero ver sua cara mais aqui! Coitados dos jovens daquela tropa. Muitos amavam o escotismo e não queriam sair. Mas eram menos de dez participantes ativos, pois os demais já haviam desistido há tempos.

                             Já tinha terminado o meu chope e minhas duas empadas. Deliciosas. Não dava para escapulir. Queria chegar cedo em casa. – Escotismo! Ah! Escotismo o que você nos faz sofrer eim? – E ele nem desconfiou, nem pediu um chope, nada só falava e reclamava. – Pois é Chefe. Todos querendo dar sugestões e ele não deixava. Quando um começava ele pedia a palavra e mudava tudo. Não aguentei mais. Levantei-me e fui até ele: - Meu caro, só você é o dono da verdade? Só você conhece? Só você sabe? Fomos convidados para debater e não ouvir você com esta voz de jacaré azedo e seu estilo de Pavão empanado a falar e falar! – Chefe, foi à conta. Ele levantou e veio para cima de mim. Preparei-me. Sabia que aquilo iria acontecer. Se encostasse a mão em mim ia receber o dele. Olhe, não sou lutador, mas ele ia ver quem eu sou!

                           - Mas Chefe, quer saber? Todo mundo queria que eu desse uns sopapos nele. Eu sabia que ninguém aguentava mais participar com ele presente. Quem sabe iria sair do escotismo e nós ficarmos livres deste pamonha? – Mas não Chefe. Sabe o que aconteceu? Não vai acreditar ele levantou de um salto, foi bem em cima de mim, me ofereceu a mão esquerda, e me pediu desculpas. Desculpas Chefe! Isto mesmo! Não sabia o que falar, dizer e nem esconder minha cabeça naquela hora. Precisa de uma areia para cobrir tudo! Depois ele se dirigiu a todo mundo e pediu perdão. Prometeu que ia mudar. Jurou fazendo a saudação escoteira! E agora Chefe? E agora? Quase dez anos aturando sua soberba e seu estilo de mandão o que eu devo fazer?

                            - Dê tempo ao tempo. O tempo é nosso melhor amigo. Quem sabe você tem muito a dar ao escotismo e ele também? Um homem que chega ao ponto de pedir desculpa e perdão não merece mais uma oportunidade? Pedi desculpas a ele dizendo que a família me esperava. Nos demos as mãos, sempre alerta e ele para um lado e eu para outro. Pensei comigo. Acho que valeu a pena minha conversa a pedido do distrital com o talzinho dono de tudo. – Quer ser um dos nossos? É bem vindo! Quer ajudar os meninos? É bem vindo. Mas não me leve a mal, se alguém reclamar de você em uma reunião onde estiverem outros escotistas e este alguém perder as estribeiras com você, não tem perdão. Vou pedir para você sair. Se não vou tomar outras providencias!


                           Cochilei no ônibus. Cheguei a casa era mais de dez da noite. Celia me olhou de cara feia. Ela tinha razão. Disse para mim mesmo: se chegar a casa tarde mais uma vez vou pedir para você sair do escotismo, se não vou tomar outras providencias. Ah! Esta vida de comissário não é fácil. Mas cada um escolhe seu caminho e eu escolhi o meu! E cá prá nós, como é difícil no escotismo mudar certos comportamentos!          

terça-feira, 27 de setembro de 2016

“Bugre”! Uma cruz a beira do caminho.


Vale a pena ler de novo.
“Bugre”!
Uma cruz a beira do caminho.

(Conta-se uma lenda que as famílias que moravam próximo ao Lago Grande Urso tinham nas peles de castores o seu sustento. Os maridos por meses ficavam a caçar castores nos Grandes Lagos para tirarem sua pele muito valiosa. A lenda contava que aldeia ficava tristonha quando ouvia o som de tambores feito de pele dos animais, no retorno dos caçadores cantando uma canção triste, batendo no coração e seguindo o bater dos remos a marcar o passo em um ritmo choroso e triste. A aldeia se reunia a beira do lago chorando e sabendo que iriam viver por várias luas grandes dificuldades para se manterem. Esta canção ficou conhecida como Terra do Belo Olmeiro). 

♫♫“Terra do Velho Olmeiro”... Lar do Castor...
Lá onde o Alce airoso é o Senhor...
                     Eu caminhava sozinho na Trilha do Riacho Grande. Sabia que não podia contar sempre com meus velhos e amados patrulheiros da Sol Poente. Eles tinham de viver suas vidas e cada um foi para um lado depois de anos e anos juntos na Castor e depois na Sol Poente. Tínhamos feito uma promessa e a cada ano mais difícil ficava de cumpri-la. Quando Bugre morreu na curva do Destino fizemos um juramento de voltar lá todos os anos. Holandês deu sua palavra. Dom Patu prometeu. Azulão não sorriu, mas levantou a mão fazendo o sinal Escoteiro. Jim Taques prometeu fazer uma cruz de madeira e todos os anos trocar por uma nova. Sempre quando voltávamos ficávamos lá por dois dias. Holandês fazia questão de todos os anos plantar belas flores silvestres. Sempre trazia consigo mudas de Chapéu de Couro, Begônias, Flor de Laranjeira, Crista de Galo e tantas outras. Jim Taques sempre sonhou em ser um religioso. Contaram-me que hoje é padre em Sacramento. Lembro-me que Ele quando o sol se punha fazia lindas orações para o Bugre.

♫♫ ”Em um lago azul formoso, 
eu voltarei de novo...”
                  Havia anos que estávamos juntos. Quis o destino que a amizade começasse na patrulha do Castor. O destino que nos reuniu ali nunca nos separou nos anos que iriam seguir. Bugre era diferente. Pele curtida, rosto redondo, lábios grossos olhos e cabelos negros, lisos que ele fazia questão de pentear a cada hora marcada no relógio. Quem não tem manias? Ninguem se incomodava. Podem não acreditar, mas Bugre nunca dizia mais que uma ou duas palavras. Costumava ficar meses sem falar nada. Na aventura Sênior que fizemos na Pedra do Sino, mesmo com uma vista maravilhosa, ele sentou a moda índia, olhar para frente, olhos abertos e sem sorrir ficou lá por horas. Era filho de Iraputã, um índio que até morrer vivia sozinho nas margens do Rio Corrente. Vez ou outra ele ia visitar seu pai. Um dia me convidou. Chegou, abaixou a cabeça para o pai e ele fez o mesmo. Sentaram em uma pedra próximo as corredeiras do rio e ali passaram uma noite sentados a moda índia sem nada falar.

♫♫ “Bum tiriati, Bum tiriati bummm...
Bum tiriati, Bum tiriati bummm...”
                  Bugre era um profissional em pioneirías. Cada uma mais linda que a outra. Uma vez acampado na Vertente da Onça, ele construiu um pórtico móvel que eu nunca vi igual. Dom Patu olhava para ele com orgulho. Azulão e Jim Taques sorriam quando ele chegava à sede naquele seu jeitão de índio matuto, que não sorria e não falava nada. Tirou sua segunda classe por que o Chefe Candinho achou que ele devia receber. Se alegrou ou não quando lhe entregaram a insígnia ninguém percebeu. Nunca esqueci sua morte. Nada mostrava que isto iria acontecer. Seguíamos calados pela estrada do Riacho Grande. Na curva do Destino, nome que demos a curva ele parou. Ficou de frente para o oeste onde o sol sempre se punha. Levantou os braços como a dizer que iria partir. Não tirou sua mochila, não tirou seu chapéu. Olhou para nós e disse na sua voz calma: - É hora de morrer! E caiu ao chão sem fazer barulho. Não entendemos nada, ficamos assustados porque não dizer estupefatos! Holandês colocou um dedo em sua garganta. Chorando disse: - Ele morreu!

♫♫ “Tenho saudades daqui... Destas campinas...
Ao norte eu voltarei... Para as colinas,” 
                Ninguem estava preparado para isto. Foi demais. Um irmão Escoteiro mais que um amigo morrer na nossa frente sem mostrar cansaço, doença ou mesmo sentir uma pontada no coração era de assustar. Ficamos horas sem saber o que fazer. Tentamos reanimá-lo, mas nada. Fizemos com nossos bastões uma maca. Minha camisa escoteira e a de Dom Patu serviram de base. Gastamos quase a noite toda para levá-lo de volta. Dona Yara sua Avó não disse nada. O deitou em sua cama ascendeu várias velas, um incenso em volta e assim passou todo o dia com ele. Nós estávamos lá junto. À tarde no enterro no Cemitério da Saudade a tristeza reinava na patrulha sênior. Azulão subiu em uma lápide e tocou o toque do silencio triste e choroso. Eu juro que vi seu pai em cima do muro do cemitério. Eu nunca esqueci Iraputã. Como Bugre não sorria e não gostava de falar. Na reunião da semana seguinte fizemos o trato. Voltar lá todos os anos enquanto vivêssemos. Isto aconteceu por anos a fio. Os caminhantes que lá passavam ficavam admirados com aquele jardim florido quer seja no verão no inverno ou no outono as flores desabrochavam como se estivessem na primavera.

♫♫ “Ao lago azul rochoso
eu voltarei de novo...”
                     O sol seguia o seu destino. Como o vento calmo que soprava ele seguia seu rumo para o oeste. Iria quem sabe iluminar os dias de outros milhares de escoteiros que estavam a acampar do outro lado do mundo. As flores silvestres lá estavam a Cruz parecia nova. Desta vez Jim Taques escreveu um epitáfio: - “Manteve a dignidade até na hora da morte”. Sentei na grama a moda índia como a lembrar dele. Sempre fora assim por anos e anos quando visita aquela cruz a beira do caminho. Não sei por que comecei a cantar “Terra do Belo Olmeiro” uma canção que achava triste e poucas vezes cantei. Senti uma brisa fria vindo a sotavento. Percorreu meu corpo e como se uma dança esquisita acontece no ar, os tambores se ouviram batendo e vozes centenas delas a dizer: Bum tiriati, bum, tiriati bummm. Como por milagre a figura de Iraputã apareceu no ar trazido pelos ventos húmidos: - Vado Escoteiro, Bugre partiu para a terra dos seus ancestrais! Nada mais disse e despareceu. Eu emocionado chorei. Não tinha mais nada a fazer a não ser manter a chama do amigo que partiu dentro do meu coração. Sabia que seria para sempre!


♫♫ “Bum tiriati, Bum tiriati bummm...
Bum tiriati, Bum tiriati bummm...”.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Dakota, um Chefe de coração de ouro.


Lendas Escoteiras.
Dakota, um Chefe de coração de ouro.

                           - Calma Mariza, no final tudo vai dar certo! - Certo? Falou Mariza. – Desde quando você paga taxa de acampamento para treze meninos e gasta quase toda nossa economia para o mês e ainda vem dizer que vai dar certo? – Chefe Dakota pôs as barbas de molho apesar de não ter barba. Ele sabia que não seria fácil conseguir o que gastou para as compras do mês. Mas o que poderia fazer? Sua tropa tinha trinta Escoteiros e somente dezessete pagaram a taxa. Ele sempre dizia – Ou vão todos ou não vai ninguém. Era o acampamento do ano, mais de trinta patrulhas presente, não podiam faltar. – Pois é Dakota, não é a primeira vez. Antes era um ou dois agora são treze meu amor. Como vamos viver? Naquele dia saiu mais cedo de casa para o trabalho, ele queria pensar uma solução para os dois lados. Mariza tinha razão, mas e os Escoteiros que não iriam? Ele teria condição de dizer a eles que não conseguiu?

                             Seguia a pé pela Rua dos Aimorés pensativo. Não queria, mas ia atender ao Chamado do Senhor Nacano. Pai de Pirilampo escoteiro da patrulha Quati e gerente do banco do Comércio da cidade. Recebeu um recado para passar no banco sem demora. Sabia que ele iria oferecer um emprego, mas duvida cruel, pois nunca pensou em ser favorecido pelo escotismo. Ele não era rico, trabalhava com o Chefe Mosquete e nem sempre tinha trabalho. Faziam bicos, limpeza de fossas, limpeza de telhados, pintura simples nas casas e assim ia vivendo. Queria um emprego melhor, mas ali em Pedra Azul ele nunca iria conseguir. Deveria ir ao banco? Pensou em ir morar na capital, mas deixar a cidade que amava? Ir para um lugar que ele não conhecia para fazer o que? Ouviu alguém gritar Sempre Alerta e viu Jonildo Escoteiro da Pantera indo para casa após as aulas. Chefe Dakota sorriu e respondeu. Amava aquela Tropa e os meninos dela. Amava também Marilda. Casaram-se há poucos anos. Ela com dezesseis e ele com vinte e um. Sabia que apesar de tudo ele podia contar com ela. Apesar de não ter aceito ser chefe pelo menos gostava dos meninos que quase todos os dias enchiam sua casa para papos que se estendiam até a noite.

                           Na esquina com a Rua Floriano Peixoto ele viu a patrulha Águia já uniformizada seguindo para sua boa ação da semana. Todos o cumprimentaram e seguiram em frente. Chefe Dakota sorriu. Como posso deixar esta turma? É minha vida, minha razão de ser. Ele amava o escotismo de uma maneira tão intensa que muitos diziam que ele não ia num bom caminho. – Tem que dosar um pouco Chefe Dakota dizia Manfredo, o Presidente do grupo – precisa pensar um pouco em você! Bom sujeito, mas muito pão duro. Como Presidente devia ver as dificuldades que estavam passando e ajudar. Chefe Dakota nunca fora Escoteiro. A cidade não tinha um grupo. Cinco anos atrás começaram um. Sempre sonhou em ser e pediu para entrar. Com dezesseis anos não dava. Não tinham tropa sênior. Todos os sábados ia para a sede ver a correria, das patrulhas. Amava aquilo e dormia pensando em vestir sua calça curta, por seu lenço e seu chapéu, uma bandeira e correr pelas montanhas.

                          Quando fez dezoito anos foi aceito como assistente. Chefe Jacob ficou em duvida e disse para voltar na outra semana. Ele sabia que Dakota só tinha o segundo grau e não tinha emprego fixo. Dakota esperou a semana como se fosse sua última no mundo. Subiu as nuvens quando Chefe Jacob o aceitou. Dakota agora era Chefe. Prometeu a si mesmo mudar de vida, encontrar um emprego, estudar e mostrar aos Escoteiros que ele podia ser alguém e dele orgulhar. Mas não foi bem isto que aconteceu. Não arrumava emprego e nem estudou. A cidade não tinha escola profissional e filho de gente humilde ganhando pouco não podiam pagar. Um dia Chefe Mosquete o chamou para ser seu ajudante e ele aceitou. No mês que tirou dois mil reais achou que podia casar e casou. Todos foram contra – Chefe Dakota! Você tem 21 anos e a Mariza 16! Porque não esperar? Dakota disse não. Amava Mariza e achou que casado os pais dos escoteiros o olhariam com mais respeito.

                   Esperou o farol abrir para atravessar a Rua Santo Ângelo. Resolveu ir ao banco. Seria indelicado não ir. Ele gostava de Pirilampo. Um Escoteiro avoado, sorridente e que topava qualquer parada. Lembrou a jornada ao Vale da Tartaruga e Pirilampo quando quase morreu. As patrulhas andavam a vontade na estrada sem movimento e deixava que todos pudessem conversar observar a natureza, ouvir o cantar dos pássaros e descobrir pegadas. A turma adorava estas jornadas. Na curva do Cavalo Doido foi que a tragédia quase aconteceu. Dois Touros Guzerá cismaram com a escoteirada. Um deles partiu direto em cima de Pirilampo. Ele viu que se não interferisse uma tragédia ia acontecer. Tomou o bastão de Gentil e correu em cima do Touro. Enfiou a ponteira de aço no meio dos olhos do touro. Foi no ponto certo. O Touro caiu morto. O Senhor Nacano fez questão de pagar pelo Touro ao Fazendeiro Totonho. Ficou agradecido ao Chefe Dakota e agora o havia chamado. Ele sabia que era por causa do acidente. Ele sabia que fez o que qualquer Escoteiro faria.

                   Entrou no Banco ressabiado. Estava cheio e pediu a moça para falar com o Senhor Nacano. Ele veio sorridente a abraçar o Chefe Dakota – Dakota meu amigo, você vai trabalhar aqui. Tenho uma vaga para você com excelente salário. Dakota não se fez de rogado. Precisava e aceitou. Iria mostrar que era capaz não só por gratidão por ter salvado da morte o filho do Senhor Nacano. – “Todo mundo no chão”! - Alguém gritou. Um tiro para o ar e todos deitaram. Um assalto pensou Dakota. – Um bandido chegou à escopeta na testa do Senhor Nacano. – Tem cinco segundos para abrir o cofre – um, dois, três... Chefe Dakota no alto dos seus vinte e um anos, casado, sem filhos, mas que adorava o escotismo levantou de um salto, tomou a escopeta do bandido e com ela bateu em sua cabeça. O Bandido caiu e outro estampido se ouviu. Uma mancha vermelha em cima da blusa de Dakota apareceu. Um tiro fatal.


                    A cidade em peso acorreu na cerimonia fúnebre. Uma cerimonia do Adeus. Não houve o toque do silencio e até esqueceram-se de cantar a canção da despedida. Centenas de pessoas se acotovelaram em volta da Campa simples. Marisa em pé chorava baixinho. O Senhor Nacano engasgado não sabia o que dizer. Padre Tomaz rezou o que tinha de rezar. A escoteirada chorando sem parar. A vida é assim, do nada se vive e do nada se morre. Adeus Dakota, a cidade em pouco tempo vai se esquecer de você. Você não era nada e mesmo virando um herói de nada valeu. Valeu ou não cinquenta anos depois Marisa ainda rezava todos os dias e depositava flores na última morada de Dakota. Ao levantar ela não deixava de ler o que escreveram para ele em uma placa de bronze – Escoteiro eu fui, Escoteiro eu serei até morrer!    

sábado, 24 de setembro de 2016

Ele era apenas um índio... Um índio brasileiro!


Lendas escoteiras.
Ele era apenas um índio... Um índio brasileiro!

                    Ele sabia que não era de uma extirpe de índios famosos, seus antepassados se foram e agora eram uma tribo de gente triste e sem futuro. Seu nome era José Raposo. Seus pais disseram que o primeiro nome dele era Guaraciaba, aquele que tem cabelos de sol. Loiro? Diziam que sim. Zé com seus dezoito anos era um índio simples, curtido de sol, usava um calção verde e com ele ficava por uma semana ou mais. Tinha um corpo jovem, mas um medo atroz de uma doença maldita que quase acabou com sua tribo. Kerexu ainda contava belas histórias dos índios Botocudos, quando eram fortes e famosos e habitavam a Serra do Onça no Alto Rio Doce. Kerexu dizia ter duzentos anos, mas não era verdade. Devia chegar nos 105 anos não mais. Ninguém entendia porque ele não morria. Era tudo na tribo, o Pajé, o doutor, o psicanalista e o religioso. À noitinha a meninada corria para a porta de sua Oca, e ali ficavam esperando a hora que ele com seu cachimbo enorme, com folhas de tabaco ressequidas soltava gostosos rolos de fumaça que fazia os olhinhos da turma seguirem o O ou o U que ele fazia com a fumaça que expelia do cachimbo. Kerexu era uma alma boa. Jose Raposo o considerava como um pai.

                Zé não tinha o que fazer. Zanzava para um lado e outro da aldeia e seus arredores. Sempre de olho nas águas modorrentas do Rio Doce. Ele sabia que terminando a estação das chuvas Anajé o Branco poderia aparecer. Eles se conheceram quando Zé viu-os acampados próximo à cachoeira do Limão, logo abaixo da curva da serpente. Ficou a olhar de longe os meninos brancos de chapéu longo, de lenços no pescoço e tentava em sua pequena compreensão ver o que iriam fazer. Alguém o cutucou por trás e Zé deu um salto se preparando para a luta. Anajé riu quando viu que ele se encrespava todo. – Paz amigo, muita paz! E sem ele esperar o Branco lhe deu um abraço. – Como se chama? Zé pensou que devia dizer seu nome indígena, quase disse – Apenas Zé... Mas orgulhoso falou alto: - Guaraciaba, o índio dos cabelos do sol! - Muito prazer Guaraciaba, meu nome é Vado um Escoteiro, mas me chame de Anajé, o gavião das montanhas! Recebi este nome há dois anos quando saltei o Fogo do Conselho no Vale das Corujas.

                Ficaram amigos e a noite, quando eles fizeram um fogo, Anajé cortou acima de seu pulso com a faca, repetiu o mesmo com os demais brancos da patrulha. Juntou as junções que sangravam e disse – Guaraciaba, você e eu e os Patrulheiros da Raposa agora somos irmãos de sangue para sempre. Guaraciaba sorriu. Nunca teve amigos brancos e viu que os jovens de lenço e chapelão bateram palmas. Guaraciaba os convidou para visitar a aldeia.  Meu amigo Anajé, não espere ver tendas de lona redondas feitas de pele de búfalo ou cavalos malhados a saciarem a sede na beira do nosso rio. Não espere roupas coloridas, colares feito de pedras preciosas, penachos de penas de pássaros que só nas mais altas montanhas se encontram. Nada disto, nossas tradições se perderam no tempo, hoje somos à sombra de uma famosa tribo dos Botocudos que um dia se orgulharam de suas histórias e lendas que desapareceram com o vento. Anajé riu. – Amigo e irmão Guaraciaba, não quero ver grandiosidades, basta o amor que vocês têm no coração. Anajé voltou lá por muitas luas. Fez muitos amigos na tribo e conversa constantemente com Kerexu.

            Quando Guaraciaba e Anajé estavam juntos, eles corriam pelas campinas, pisando em flores macias, saltando riachos de águas cristalinas, escalando montanhas e picos próximos a Nanuque, Crenaque ou na Mata do Condor. Nunca Guaraciaba foi tão feliz. Kerexu fez boas previsões para a amizade dos dois, mas preveniu Guaraciaba que um dia Anajé iria desaparecer como o vento da chuva para sempre. Anajé o levou a visitar sua cidade, o alojou em sua própria casa, ele sentou em uma mesa com a mãe de Anajé e seu pai, se sentiu importante por fazer as refeições junto aos brancos. No passado ele não gostava de brancos. Zumbiara o Chefe da FUNAI era traiçoeiro. Nunca atravessou o rio. Sempre mandava chamar o seu pai o Cacique Aritana para dar ordens, remédios e mantimentos. O fazia com desprezo, como se estivesse dando do próprio bolso. Mas ali, junto à família de Anajé Guaraciaba se sentiu outro. Tinha orgulho agora de ser um índio. Ele sabia que seu coração era feito de sangue vermelho, sangue dos antepassados e agora mais ainda sorria por ser quem era.

              Naquele sábado que ele foi apresentado a Tropa, a Alcateia, e Guaraciaba chorou. Não queria demonstrar fraqueza, pois diziam que índios são fortes valentes e não choram. Sentiu a força dos meninos de amarelos e azuis, de lenço e chapéu grande. Sentiu uma amizade entre eles incrível. Quem sabe ele poderia fazer isto na sua tribo? Retornou pensando em mudar. Em voltar no tempo dos guerreiros fortes, sorridentes e se orgulhar dos seus antepassados. Guaraciaba casou com Avati e com ela teve dois filhos homens. Mandou vinte guerreiros estudar na capital. Dois voltaram doutores. A tribo mudou da água para o vinho. Agora a Aldeia tinha uma escola e um posto de saúde e Guaraciaba corria pelos campos, pelos rios e riachos a procura dos gazeteiros. Dava um sermão e eles de cabeça baixa voltavam para a escola. Anajé um dia disse a ele: - Guaraciaba um dia não vou voltar. Tenho que partir para longe em busca do meu destino. Mas quero que lembre que meu sangue está junto com o seu. Em espirito aqui irei morar para sempre.

              Anajé partiu. Muitas luas se passaram e Guaraciaba ficou doente. Seus doutores e Kerexu fizeram tudo para salvá-lo, mas não conseguiram. Os filhos de Guaraciaba agora adultos juraram ao seu pai que os antepassados dos Botocudos iriam se orgulhar na nova tribo para sempre. Uma semana depois Guaraciaba estava nas últimas. Seus olhos quase não abriam. A taba cheia de índios rezando. Alguém pediu passagem e ninguém mais ninguém menos que Anajé apareceu. Deu um abraço em Guaraciaba. – Meu amigo, eu estava longe e uma noite Caapora e Catu me apareceram em sonhos. Disseram que você precisava de mim e sumiram em uma nuvem branca no céu. Aqui estou e vim trazer para você o meu amor Escoteiro onde um dia nossos sangues se cruzaram para que pudéssemos ser amigos até no firmamento na terra dos seus antepassados. Quando você partir o sol vai sorrir, quando você chegar ao meio do céu Tupanã o Deus do Universo vai abraçar você. Então Tupanã vai soprar sobre você e vai dizer – Aqui Guaraciaba você vai esfriar sua sede, aqui o fogo do céu vai aquecer seu corpo quando sentir frio, aqui você vai correr pela terra junto aos seus antepassados. 


                 Guaraciaba morreu sorrindo. A tribo começou a cantar aos sons de tambores, chocalhos, guizos e cabaças. No céu de brigadeiro um trovão anunciou a chegada de Guaraciaba junto a Tupanã.  Anajé partiu três dias depois. Abraçou Piatã e Apuã os filhos de Guaraciaba – Estarei com vocês em todas as horas e em todos os momentos. Pensem em mim quando precisarem de ajuda. Anajé colocou seu chapéu de abas largas, firmou seu lenço verde e amarelo no pescoço, amarrou sua bota negra e alçou sua mochila verde nas costas. Em uma simples jangada atravessou as águas tranquilas do Rio Doce levando consigo as saudades de um índio que sempre amou!

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Antonio. A paz que o vento nos traz.


Antonio.
A paz que o vento nos traz.

                     Era um Velho conhecido meio amigo perdido no tempo. Nem sei por que nos cumprimentamos tão efusivamente. Foi um reencontro despretensioso uma rápida conversa mais convencional. – Olá Chefe! – Como vai? - O olhei de soslaio. Eu me lembrava de tudo que fez e das mágoas que deixou. Pensando bem são cicatrizes benignas feitas por pessoas que, usufruindo de uma fraternidade deixaram uma intersecção de uma história que seria melhor apagar. Ele apertou minha mão.

               - Chefe ainda com ressentimentos? – Olhei para ele e não disse nada. – Um pedido de desculpas, um abraço e uma lagrima poderiam ser consideradas como um retorno para um perdão? – Chefe, desde aquele dia vou sobrevivendo a cada dia, com tombos e tropeços em meio à ventania que me aconteceu. Tento vencer os desafios, mas a dor é maior que aceitar o que fiz e me manter de pé a cada folha que caiu...

                - Não disse nada e o abracei. Choramos juntos as desventuras de um desentendimento que nem deveria ter existido. – Chefe eu não conheço todas as flores, mas vou colher uma por uma e mandar ao senhor todas que eu puder. – É o tempo cura cicatrizes. A velha amizade sincera voltou. Se todo mundo erra, temos mais motivos para a tolerância e o perdão. E se ninguém é perfeito, mais razão para entender as imperfeições alheias. Ou será que só temos o direito a tropeçar? Pensei nisso. A terra é uma escola de aperfeiçoamento. Por este motivo vale a pena prestar atenção no seu próprio aproveitamento pessoal e deixar aos outros o dever de cuidar de seus próprios atos.

                - Existem verdades que a gente só pode dizer depois de ter conquistado o direito de dizê-las. Alguns escoteiros veem as coisas como são e dizem “Por quê?” Eu sonho com as coisas que nunca foram e digo; - “Por que não?” - O abraço fez do tempo um pedaço de bem querer. Lentos os dias que se acumulam. Como vão longe os tempos de outrora...



segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Cascudo de Escoteiro a Promotor.


Lendas escoteiras.
Cascudo de Escoteiro a Promotor.

                         O ônibus parou no ponto e desci. Meu tempo era curto, portanto não podia ficar olhando aqui e ali. Estava na Av. São João e mais dois quarteirões eu iria encontrar a Rua Santa Efigênia. Talvez pela pressa eu dei um esbarrão forte em um transeunte e ele olhou-me desaforado. Não queria briga e pedi desculpas. Ele que tinha caído ao chão levantou e me encarou. Poxa, pensei! Não vim aqui para isto. O desconhecido deu um belo sorriso – Monitor! É você? – Olhei para ele. Não reconheci. Estava de terno, um sujeito forte, cabelos negros bem penteados. O danado até que era simpático. – Desculpe amigo, pelo jeito estivemos juntos no passado no escotismo. Ele deu belas risadas chamando a atenção de outros que passavam. – Olhe bem Monitor! Sou eu, Josiel de Arimatéia a que você e os outros da tropa chamavam de Cascudo! Caramba, como ele mudou, agora eu me lembrava de nosso glorioso passado. Ele se aproximou de mim bateu os calcanhares e gritou bem alto: – “Sempre Alerta Monitor”! Quem passava sorria.

                        Nos abraços efusivamente – Vamos beber alguma coisa. Eu pago ele disse. Na esquina bem próxima a Avenida Ipiranga encontramos um barzinho aconchegante. Olhei para ele, se transformou em um homenzarrão bem mais alto que eu. Ele ria de satisfação – Monitor! Como foi bom encontrá-lo. Quanto tempo eim? – É meu amigo – falei. Muito tempo. Mais de quarenta anos. E você me fale de você – eu disse. Monitor eu ralei muito neste mundo. Você deve se lembrar do meu pai um pobretão. Coitado. Mas me formei e hoje sou Promotor de Justiça. – Nossa! Pensei. – Que bom eu disse. Mas desistiu do escotismo? Lembro que você era um entusiasta. – Olhe Monitor, acho que você sabe, é muito difícil entrar e participar de um Grupo Escoteiro como o nosso no passado. Enquanto estudava nem pensei em procurar um grupo depois quando me formei achei que podia ajudar. Ele riu e continuou – Mas eles não querem ninguém como eu. Preferem pessoas mais humildes que não discutem muito. – Pensei comigo como as coisas mudaram.

                      - Mas Monitor não vamos falar sobre isto. Porque não se lembrar daqueles tempos? – Porque não pensei. – Olá posso me sentar com vocês? Olhei e vi um senhor de uns sessenta anos cabelos grisalhos, óculos de grau bem grossos e uma bengala – Não estranhem meu pedido ele disse. Também fui Escoteiro e sênior. Estive na luta pelas estradas da vida e só me dei conta que era hora de parar a cinco anos passados. Cansei. Estava solteiro, não tive ninguém ao meu lado. Tentei como você entrar em um grupo. Sempre amei o movimento Escoteiro, foi ele quem me deu a força para enfrentar tudo que enfrentei. – Ele já estava sentado. – Não parou por ai, outro sentado numa mesa próxima sorria. Deu-nos o sinal de Sempre Alerta. – Posso participar com vocês? Claro eu disse. Quatro antigos Escoteiros se encontrando por uma cisma do destino. Cada um querendo lembrar e contar histórias do seu passado. Todos dizendo que não se adaptaram ao escotismo de hoje. Tentaram mas viram que eram peixe fora d’água.

                          Mas bons Escoteiros não ficam reclamando. Eles quando se encontram é para contar causos e causos. Lembrei-me de um Chefe que me enviou um convite - 
Chefe! Aguardamos sua visita. No meu grupo o senhor vai poder contar muitas “historinhas”. Ri a valer. Contar “historinhas”! Sei que quando começamos a contar nosso passado era onze da manhã. Agora passava das seis da tarde. Cada um telefonou para sua cara metade explicando. Não guardei o nome de todos e eu pouco falei. Quantas histórias foram contadas. As noites das cobras, o vale seco, o Calcanhar de Aquiles onde todos tinham medo de ir, o Delegado que prendeu uma patrulha inteira, quinze escoteiros correndo de seis emas selvagens, e assim foi até o cair da noite. Pensei comigo que não era só eu o contador de histórias. Todos aqueles antigos Escoteiros também tinham a sua.

                       Se quatro antigos Escoteiros em um pequeno bar tinham tantas coisas para contar quem diria se estivessem em uma floresta, numa clareira qualquer, uma noite sem lua e o céu estrelado eles contariam histórias a noite toda. Nos olhos de cada um eu via a chama da esperança, a vontade de voltar no passado, às saudades que machucam, mas que ajudam a viver. Ninguém comentou sobre suas dificuldades atuais, sua vida familiar ou profissional. Ali os quatro saudosos só lembraram-se do passado. Ah! Os poetas, sempre eles para nos contarem do tempo de menino, a dizer que saudade é amar um tempo que já passou. Não é o mesmo que recusar um presente que no machuca, é não ver o futuro que nos convida... Aguinaldo Silva escreveu isto. Melhor é ler Confúcio dizendo que a experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido.


       Cheguei e em casa quase meia noite. Pelo meu sorriso a Célia sentiu que eu estava feliz. Contei para ela o encontro com Josiel de Arimatéia, o Cascudo, um escoteiro da minha patrulha, contei do Geraldo Nonato que nunca vi e que devia ter sido um grande escoteiro e do Leandro Farias um Velho Escoteiro como eu. Ela me ouviu com um olhar gostoso e um sorriso carinhoso. Existem muitas felicidades que não vemos. A maior delas é estar ao lado de uma criatura maravilhosa que sempre me apoiou. Uma grande companheira, a mulher que amo. Não esperem muitas aventuras neste conto simples. Comecei do nada e termino com a história de um grande amor. Um não são dois. O primeiro minha linda esposa querida e o segundo meu escotismo maravilhoso. Ambos eu jamais esquecerei!

sábado, 17 de setembro de 2016

Joe Colosso, um papai coruja. “Este é meu garoto”!


Vale a pena ler de novo.
Joe Colosso, um papai coruja.
“Este é meu garoto”!

          Dona Naná quando o viu cochichou para Dona Sinhá – Ele veio! Se soubesse não tinha vindo. Sempre foi assim, em qualquer reunião de pais no Colégio dom Bosco Joe Colosso estava lá. Até que podia se entender, pois sua esposa faleceu há anos e ele como pai tinha que estar presente. O que ninguém gostava era da sua superproteção do Quinzinho seu filho. Ele achava que a escola devia tudo a ele e ele não devia nada para ela. Não adiantou as dezenas de vezes que Dona Dora a Diretora o chamara em particular – Seu Joe, o Quinzinho não obedece mais ninguém. Diz que se entendam com “seu Pai”. Ele veio aqui para aprender e com sete anos já quer dar ordens a todo mundo! – Mas e daí? Joe Colosso fingia que concordava e sempre no final dava razão ao seu filho. Afinal desde que Soninha sua mãe faleceu que ele sempre foi um pai protetor. Sabia que o menino não tinha mais ninguém.

           Um dia Quinzinho “ordenou” ao seu pai: - Pai me leve nos Escoteiros. Eu gostei da farda deles. Era sempre assim, quinzinho não pedia, ordenava. No sábado eis que Joe Colosso e Quinzinho adentram ao grupo. Ele de uniforme de lobinho com distintivos e seu pai colocou dez estrelas de atividade em sua camisa – Isto é para mostrar a eles que você é o melhor! – Chefe Mattos olhou e não criticou – Seu Joe, ele disse – O Senhor tem de fazer um pequeno curso e então seu filho poderá começar. Foi à conta – Quinzinho começou um berreiro que assustou todo mundo na sede. Seu pai custou para acalmá-lo. Em casa sentou seu filho no colo e disse a ele que aguardasse, aqueles Escoteiros iriam receber uma lição oportunamente. Mesmo assim Quinzinho ficou emburrado por uma semana. Descontou suas contrariedades em Dona Nice sua professora.

            Na data prevista correu para o Grupo Escoteiro. O Chefe já havia avisado para não ir de uniforme, mas ele iria mostrar ao Chefe quem mandava ali. Chegou todo posudo e voltou para a casa em seguida. Sem uniforme disse o Chefe. Pisou com força no chão, gritou, pegou manha, mas o Chefe foi irredutível. Voltou no sábado seguinte sem ele. Não tinha jeito. Explicaram que tinha provas a fazer para a promessa e vestir o uniforme. Reclamou com seu pai que reclamou com o Chefe que levou o caso de Quinzinho ao Conselho de Chefes do Grupo. Chegaram a uma conclusão que ele podia mudar. A Akelá ficou cismada. Na matilha Verde o Primo não aguentava mais. Ele gritava que ia ser o primo, pois tinha mais qualidades. Terrível o Quinzinho. No primeiro acantonamento Joe Colosso pediu para ir. - É o primeiro do meu filho disse. E se ele quiser um biscoito? Um chocolate? E se sentir frio? E se quiser rezar? – Mas ele reza? Perguntou a Akelá Candinha. Todos em volta riram. Joe Colosso não gostou.

          Foram de manhã e a tarde Joe Colosso chegou de carro. - Só passando, só passando! Já estou de volta! – Ficou lá mais de cinco horas. Sempre ao lado do filho perguntando se ele queria alguma coisa. Interessante que Quinzinho se enturmou e esqueceu o pai. Claro até a hora de dormir, pois não queria fazer sua cama. Sempre foi seu pai quem fez. Quinzinho voltou feliz do acampamento e disse ao seu pai que aprendeu a ser homem. Joe Colosso riu. Homem? – Você é um pirralho meu filho. Cresça e apareça. – Disse aquilo e se arrependeu. Foi ciúme dos chefes da Alcateia que fez com que eles o esquecessem. Mesmo assim ao dormir disse para si – “Este é o meu garoto”!

         Joe Colosso já estava enchendo a paciência de todos no grupo. Ninguém aguentava quando ele chegava. Era meu filho prá cá, meu filho prá lá e falando mil maravilhas. Chegou a dizer ao Chefe Mattos que estava na hora de darem uma medalha ao seu filho. O Chefe Mattos um homem calmo e ponderado teve uma ideia. Quem sabe se Joe Colosso ficasse cinco dias acampados com os Escoteiros ele não pudesse ver melhor como se faz um Escoteiro? Ele iria conhecer o método na prática aprender a fazer fazendo, aprender a se virar, aprender a ser independente e então ele vai ver os reais objetivos do escotismo. Afinal um dia não saimos de nossa casa, não iremos viver sozinhos e tomar nossas próprias decisões? – Falou com o Chefe Naldo. Naldo se assustou - Tás brincando Chefe! Não teve jeito. Foi difícil convencer Joe Colosso. Onde deixar seu filho? Alguém pensou que cinco dias na casa de correção de menores até que seria bom. Pagou uma fábula a Dona Inês sua tia para ficar com ele.

        Olhe, foi a maior lição que Joe Colosso teve na vida. Assustou com os meninos viverem em patrulha, a dormirem sós em barracas, a cozinharem eles mesmos. Aquelas construções maravilhosas, e o tal fogo do conselho? Só de meninos e meninas e eles mesmos dirigindo e o Chefe Naldo os deixando fazer fazendo. Que lição aprendeu. Quando um Monitor se apresentava ele pensava na vez de Quinzinho quando fosse eleito. Assimilou o Sistema de Patrulhas no seu todo. Acreditou mais ainda no escotismo e nos resultados que trariam para seu filho. Explicar a ele? Não. Ele deveria aprender por si só. Joe Colosso mudou. E para melhor. Quinzinho se revoltou com aquela mudança. – Pai vou sair dos Escoteiros – Vai não disse! – Vais ficar lá até poder assumir sua própria vida! – Mas pai, lá eu sou mandado e não mando nada – Filho, ele disse, tens de aprender a ser mandado para depois mandar. Só é um verdadeiro líder aquele que lidera e saber ser liderado. Mandar qualquer um pode mandar obedecer é mais difícil.

       Hoje eu sei que Quinzinho se transformou em um verdadeiro homem. Graças ao escotismo e a um programa bem feito. Ainda bem que Quinzinho teve sorte em entrar em um grupo bem estruturado. Um grupo que se orgulha por ser democrático. Onde todos são consultados. Onde no Conselho de Chefes todos tem voz e voto. Onde existe uma bela de uma Corte de Honra e onde seus monitores fazem de uma patrulha seu aprendizado pessoal junto ao Chefe da tropa. Quando visito o grupo sinto-me orgulhoso em ver quinzinho com seu Lis de Ouro. E melhor do que ver seu pai Joe Colosso com sua Insígnia da Madeira e ainda bem sem a pretensão de cargos maiores. Sua luta é na tropa pensando sempre nos meninos como um todo. Seu filho? Faz parte, mas no grupo é igual aos demais. Em casa ele aprendeu a exigir, a solicitar suas notas, a cobrar sua educação e respeito com as professoras. Sei que um dia no colégio Dona Naná quando o viu cochichou para Dona Sinhá – Ele veio! Maravilha amigo. Adoro a presença dele aqui!


É quem te viu e quem te vê!        

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Zezé Saviola, superando limites.


Vale a pena ler de novo.
Zezé Saviola, superando limites.

              Zezé Saviola poderia ter sido um bandido, um marginal ou um traficante de drogas. Não foi. Não foi por um motivo simples. Alguém resolveu ajudá-lo e este alguém se chamava Montana, um simples Chefe Escoteiro. Zezé Saviola era negro, magro e com o rosto marcado pela varíola que sofreu quando criança. Sua mãe vendia drogas e seu pai vigia na prefeitura vivia embriagado. Dona Leôncia morreu crivada de balas em um Beco no Jardim das flores uma favela onde moravam. Zezé não tinha ninguém por ele e por graças de boas almas vizinhas ele ainda tinha uma refeição e alguma roupa que lhe davam. Algumas vezes seu pai acordava sóbrio e olhava para ele chorando. - O que eu fiz? Perguntava a sí próprio ao olhar para seu filho Zezé Saviola. Ele amava o filho, mas era sair de casa seu caminho era cheio de bebidas alcoólicas. Muitas vezes acordava em uma marquise qualquer, em um banco da praça e muitos que o viam bêbado pelas sarjetas juravam que ele chorava.

             Chefe Montana fora Escoteiro quando jovem e se tinha duas coisas que amava na vida era sua esposa Dorinha e o escotismo. Eletricista formado pelo SENAI tinha uma boa casinha, um carrinho simples e não desejava mais nada. Sua simplicidade supria suas dificuldades, pois era fanhoso, e foi muito zoado pela molecada da cidade. Isto o deixava triste, mas nunca enraivecido. Sua Tropa no Grupo Escoteiro Águia de Haia o adorava. Eram 18 Escoteiros e 10 escoteiras sendo estas aceitas quando Dorinha uma senhora que passou a ser Chefe acreditou na coeducação. Chefe Montana era bom. Muito bom em tudo que fazia. Os pais dos meninos escoteiros da Tropa o respeitavam e acreditavam que seus filhos teriam muito a aprender com ele. Era uma Tropa impecável com qualidades incríveis do Sistema de Patrulha. Sempre acampando, excursionando ou fazendo atividades aventureiras. Na sede era uma ou duas reuniões por mês.

                         Zezé Saviola se sentia encurralado. Apesar de não ter medo era obrigado a lutar com muitos que o chamavam de fanhoso. Ele nunca esqueceu um dia quando seis moleques o pegaram no Beco da Saudade e lhe deram uma enorme surra. Por quê? Ele perguntava. Seria pelo seu rosto “perebento” ou por ser filho de um beberrão? Zezé sabia que se tivesse oportunidade para correr ninguém o alcançaria. Corria como o vento e sempre que podia ia para a Estrada do Elefante e ali corria a mais não poder. Naquela tarde no Beco Zezé se preparou para a defesa, com as duas mãos juntas sabia que pelo menos dois iriam arrepender-se de atacá-lo. Todos caíram em cima dele e aos gritos de mata o filho do demônio batiam nele a mais não poder. Uma voz forte gritou alto para largá-lo. A meninada conhecia aquela voz fanhosa e sabiam que não era hora para sorrir. Saíram correndo e gritando – Vai ter outra vez Zezé Bexiguento!

                        Chefe Montana viu que ele sangrava no nariz e na orelha e um olho estava inchado. O levou para sua casa e o tratou. Lourdinha o ajudou como podia. Zezé – Disse Chefe Montana – Quero ver você sábado no grupo escoteiro. Faço questão que seja um de nós – Zezé olhou para Chefe Montana ressabiado. Nunca pensou em ser Escoteiro, mas quem sabe se fosse um a molecada o respeitaria mais. No sábado ele chegou receoso. Assustou, pois foi muito bem recebido e encaminhado para a Patrulha Javali. Com dois meses Zezé se sentiu outro e aquela tristeza que o acompanhava se transformou em um sorriso. Disseram a ele que quem entra no escoteiro se transforma. Passa a acreditar que a felicidade existe. Quatro meses depois a tropa estava alvoraçada, pois sabiam que se aproximava a data das olimpíadas escoteiras distritais. Mesmo treinando muito todas as modalidades sabiam que dificilmente iriam ganhar uma medalha, no entanto isto pouco importava, pois o importante era participar como dizia o Chefe Montana.

         Chefe Montana não gostava muito de participar da Olimpíada. Eram cinco grupos e dois deles se achavam os tais. Viviam se gabando que eram Padrão Ouro e não perdiam para ninguém. Um deles o Grupo Escoteiro Dez Estrelas em todas as atividades que participavam sempre ganhavam. O Chefe deles um fanfarrão dizia que quem quisesse vencer que se “ralasse”, pois o grupo era de gente bem treinada e de posse. Contratavam sempre bons Professores de Educação Física e treinavam quase diariamente. Todos os anos colocavam uma faixa na porta da sede dizendo – Grupo Escoteiro Padrão Ouro! O melhor da cidade! Zezé quando soube pediu para inscrevê-lo em quatro modalidades – Corrida salto em altura, salto em distância e revezamento dos 200 metros. Inacreditável! Todos ficaram boquiabertos com Zezé. Ganhou todas. Nem Zezé sabia que era um triatleta. Zezé foi festejado e o Melhor Grupo da cidade humilhado. Se pelo menos eles tivessem aprendido que a cortesia, a lealdade e a fraternidade escoteira eram um fato então valeu a pena as medalhas que Zezé ganhou.

              Aos desesseis anos já sênior Zezé soube de uma corrida famosa na capital. Não tinha dinheiro para inscrição e o Chefe Montana fez questão de pagar. A tropa fez uma vaquinha para sua viagem e ficaram torcendo por ele. Zezé não tinha roupa apropriada para a corrida, usou a calça e a camisa de Escoteiro e sem calçado foi colocado em um dos últimos lugares da corrida. Os melhores na frente. O mundo se surpreendeu com o maior Corredor brasileiro de todos os tempos. Primeiro lugar disparado e seu prêmio em dinheiro foi de cem mil reais. Na cidade foi ovacionado e até um carro de bombeiro estava lá esperando a chegada do trem. Zezé humilde viu que a multidão aplaudia. Do premio fez questão de doar trinta mil ao grupo apesar do Chefe Montana tentar recusar. Com o saldo comprou uma casinha de alvenaria para seu pai e prometeu a ele que agora tudo ia mudar.


             Mudou mesmo. Zezé Saviola passou a participar de todas as corridas em todo o mundo. Ficou rico e todos se divertiam com ele por correr descalço e com a calça e camisa escoteira. Aonde ia fazia questão de estar com seu uniforme. Dizem que toda história tem final feliz, esta não tem. Poderia ter se não fosse Trinado da Morte, um bandido que morava na capital e recebeu um bom dinheiro de um empresário que queria que seu pupilo ganhasse todas as corridas. Contratou o matador para matar Zezé Saviola. Foi um tiro certeiro, mas Zezé não morreu. Ficou paraplégico. Ainda bem que guardou um bom dinheiro e ele e seu pai tinham o que precisavam para viver. Zezé nunca desistiu de nada. Jurou a si mesmo que voltaria a andar e correr. Cinco anos depois ele sentiu uma perna e dois anos depois a outra. Dez anos passados e Zezé ficou em pé. Quando quinze anos depois se inscreveu em uma corrida novamente foi saudado como herói por todos que o conheciam. Chefe Montana e seus Escoteiros nunca abandonaram Zezé Saviola. Sua bondade, sua simplicidade e sua maneira de ganhar sem se vangloriar serviram de exemplos para eles por toda a vida. Como dizia Ayrton Senna - Se você quer ser bem sucedido, precisa ter dedicação total, buscar seu último limite e dar o melhor de si.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Meu Chefe meu mestre meu herói!


Lendas Escoteiras.
Meu Chefe meu mestre meu herói!

                   Chegou à sexta feira. Eu estava cansado. Precisava de um fim de semana só para mim, mas tinha prometido ao Guilherme meu filho assistir naquele sábado sua primeira partida oficial de futebol. Aceitei sem reclamar. Nos seus nove anos se tornou um filho do qual me orgulhava. Queria ser mais presente e não fui o pai que devia ser. Precisava de umas férias. Joelma reclamava da minha entrega ao trabalho e eu sabia que ela tinha razão. Tinha sido escolhido pelo Conselho da Empresa como o novo Presidente e me agarrei de corpo e alma tentando mostrar que era capaz. Fora um sonho que se realizou. Meu primeiro emprego e agora estava no topo, não podia decepcionar aqueles que confiaram em mim. Cheguei até a janela envidraçada do décimo sexto andar e vi lá embaixo um aparato dos bombeiros e sirenes a zumbir nos céus. – Chamei Dona Marta minha secretária para saber o que estava acontecendo. – Um atropelamento Senhor. Um mendigo, um morador de rua que foi enxotado pela nossa segurança perdeu o equilíbrio e caiu na rua sem desviar do trânsito local.

                     - E o que ele fez Dona Marta para ser expulso do prédio pela segurança? – Senhor, há vários dias ele vem aqui querendo falar com o senhor. Explicamos a ele que seria impossível que o Senhor era o Presidente e não podia falar com qualquer um! - E o que ele queria comigo? - Veja só Senhor, ele dizia que queria abraçá-lo, queria sentir a sua vitória e confirmar se ainda tinha o espirito Escoteiro de outrora. Disse que o Senhor tinha prometido ser um homem de bem e de caráter. – A gente ria dele e ele insistente em falar com o Senhor. – Ele disse o nome Dona Marta? – Não lembro, posso perguntar a recepção se for necessário. Ligue já Dona Marta! Alguns minutos depois ela voltou sorrindo: - Um pobre diabo Senhor, calça rasgada, camisa velha, chinelo e dizia que era o Chefe Conrado! Que o senhor o conhecia. Veja só Senhor, um pé rapado se fazendo de Chefe importante. Chefe de que Senhor? Com aquelas roupas, com aquele cheiro ele não era nada, apenas um pobre diabo que nem um canto para morrer tinha.

                        Dizem que esquecer é uma necessidade. Que a vida é uma lousa, em que o destino sempre nos escreve um novo ocaso. Será que eu tinha apagado a escrita do tempo e o deixei para trás? Meu coração bateu forte. Minhas lembranças voltaram sem pedir permissão. O Chefe Conrado sempre foi minha luz, meu mestre meu herói. Porque não me disseram nada? Eu era importante demais? Logo ele que me deu tudo e eu nunca dei nada para ele depois de rico e famoso? É a experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido. O passado não importa. Sai correndo sem avisar. Foi como um século a descida do elevador privativo até a recepção. O alvoroço foi desfeito. A calçada lavada. Transeuntes nem sabiam o que houve ali. – Para onde o levaram? Perguntei ao Guarda de plantão. – Ele quem Senhor! Ele! Gritei. O que foi atropelado! – Senhor apenas um pobre homem que nada tem a ver com nossa Empresa internacional. Quem liga para ele?

                        Vontade de socá-lo. Resguardei-me para não falar palavrão. Ele sempre me dizia - Escoteiro, o homem civilizado, o homem de caráter e que tem honra, não diz e não fala palavrão! Quantas saudades me vieram à mente. Chamei meio mundo da empresa. Descubram já para onde foi levado. Eu preciso saber e não quero desculpas. – Estava sendo indelicado. Eu não era assim. O Chefe Conrado foi o pai que nunca tive. Foi à mãe que encontrei. Criado pela minha avó eu praticamente não tinha ninguém. Se sou o que sou devo a ele. Minha mente viajou no tempo e foi parar no acampamento do Pico do Falcão. O sol se ponto. Eu e mais três escoteiros monitores sentados olhando para o horizonte. – Veja ele disse. Porque se sentir importante se o sol que se põe toda tarde e volta novamente fazendo o mesmo trajeto, e nunca foi tão importante assim? Quem entendeu? Eu fiquei matutando e a noite depois de que a fogueira foi acesa ele bateu nas minhas costas sorrindo: - “Nunca desista de algo que você não consegue passar um dia sem pensar”.

                     Nossa quanta saudades do meu tempo de Escoteiro. Se eu pudesse ter apenas mais um desejo eu iria pedir voltar no tempo e ser Escoteiro novamente. – Hospital Santo Ângelo Senhor – Dei ordens para preparar o helicóptero. Precisava chegar logo, saber como ele estava. Pagaria tudo que fosse preciso. Não haveria senões, não me importava o preço, o Chefe Conrado merecia isto e muito mais. Subi até o heliporto e parti. No meu destino o Diretor me esperava. A empresa era uma das mantenedoras e a direção sabia disto. Ele estava sendo operado. Costelas, braços e pernas quebrados. Não iria durar muito tempo. – Façam o que for preciso. O possivel agora e o impossível daqui a pouco. – Três horas depois me chamaram até a enfermaria. Ele estava enrolado em um cobertor Velho e mal cheiroso. – Exigi respeito. Foi levado para o melhor apartamento. Ainda estava sonolento e nem me reconheceu. Fiquei ali no quarto por tempo que não soube medir. Liguei para Joelma explicando. Ela sabia do meu amor pelo Chefe Conrado.

                    De madrugada dormitava quando ouvi sua voz – Escoteiro, é você? Levantei chorando de alegria. – Não me abrace, estou moído, me dê somente um aperto de mão! Fiquei com ele toda manhã e voltei à noite para ver como estava. – Chefe, eles não sabiam quem era o Senhor. – Desculpe! – Escoteiro, só existe um universo, oito planetas, 204 países, 809 ilhas, sete mares, sete bilhões de pessoas. Como posso exigir que soubessem quem era eu? E você sempre foi o Escoteiro que me deu tanta felicidade enquanto estivemos ombreando nos nossos acampamentos que nunca esqueci. Eu chorava de alegria. Disse para ele que agora tudo ia mudar. Ele na sua simplicidade disse-me que não queria nada, tinha o mundo, tinha a lua tinha a estrelas que alimentavam seu lar. – Escoteiro! Algumas vezes coisas ruins acontecem em nossas vidas para nos colocar na direção das melhores coisas que poderíamos viver. Nunca sabemos quão forte somos até que ser forte seja a única escolha.


                Um mês depois ele deixou o hospital. Não deixou endereço, não disse para onde foi. Fiz tudo para localizá-lo e não consegui. Chamei Guilherme e perguntei se queria ser Escoteiro. Ele me olhou ressabiado. Pai, não sei o que é isto. Vai saber, vai ver que lá é onde damos os primeiros passos para enfrentarmos as dificuldades da vida! Pai será que vou gostar? Não sei Guilherme, se não gostar terás o direito de decidir. Naquela tarde eu e ele adentramos no pátio dos escoteiros. Uma lembrança forte do Chefe Conrado. Nunca esqueci o que ele me disse quando fui para a faculdade: - Escoteiro, se a caminhada está difícil, é porque você está no caminho certo! E de novo voltei ao meu passado sendo o Escoteiro que eu sempre fui!

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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