sábado, 18 de março de 2017

Lendas Escoteiras. Servidão Humana.


Lendas Escoteiras.
Servidão Humana.

                         Moro no inferno. Aqui onde estou é a casa do demônio. Não me invejem e nem queiram me fazer companhia. Onde estou à degradação e o sofrimento humano não é mais que um antro de podridão. Quem me visita e são poucos, eu sempre digo que se existir um inferno na terra ele é aqui nesta prisão onde a devassidão é inimaginável. Só quem vive aqui sabe que não existem palavras suficientes que explicam como é essa morada. Quem por aqui já passou pode relembrar o sofrimento, pois aqui eles são o pior que existe. Aqui sou um inquilino do príncipe das trevas. Não durmo o sono dos justos. Não sou inocente. Se estou aqui é porque mereço. Ouvi alguém dizer que quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo. Eu não consigo parar de lembrar.

                      Marcou profundamente minha alma, meus sentimentos e até hoje não sei se os tinha. À tarde quando saio da cela nada tenho a fazer. No pátio ando de um lado para outro como um zumbi. Olho as paredes da prisão descascadas e úmidas cheirando a bolor. É melhor que nas celas, também úmidas, cheirando a podridão e onde as paredes sujas são cobertas pelos companheiros com fotos das namoradas e de mulheres nuas rasgadas de revistas masculinas. Não tenho cama. Um levantado de cimento com um colchonete fino. Meu corpo já acostumou. Estou aqui há oito anos. Até a comida podre servida em marmitex de terceira já aprendi a comer. Muitas vezes infestadas de insetos, baratas e excremento de ratos. Não me incomodam mais. 

                      Eu mesmo lavo a minha roupa não mais que quatro peças. Não tenho ninguém para fazer isso. Os meus companheiros de cela recebem visitas e sempre trazem roupa limpa. Eu não. Fui esquecido e nunca mais lembrado. O banheiro? Só rindo. Um quadrado pequeno chamado por todos de “boi” é compartilhado pelos companheiros de cela, pois aqui não se tem amigos. Aqui me chamam de Pato o coxo, não sei por quê. Já tive uma vida, tive amigos, era querido e amado por todos que me conheciam. Nunca pensei que me tornaria um bandido, um assassino, pois até hoje me arrependo do que fiz. Era feliz, vivia sorrindo, era um Chefe Escoteiro querido pelos meninos e pela comunidade.

                       Aprendi a respeitar, a amar a ser responsável o que me deu um crédito de cidadão exemplar. Dom Marcelo o pároco era meu amigo, Josuel o Delegado era como um irmão. Acampava, fazia atividades aventureiras, corria mundo sempre a desbravar aventuras da vida que escolhi. Quando cheguei aqui há oito anos, fui violentado. Diziam que era meu batismo pelo que fiz. Não perdoei ninguém. Matei todos que me fizeram mal. Aqui me tornei um assassino para me defender. Muitos me pediram perdão. Aprendi a não perdoar ninguém.

                Quantas vezes fui convidado como padrinho de almas inocentes que vinham ao mundo? Quantas vezes ajudei a paroquia nas festas religiosas? Quantas vezes ajudei pais de jovens que não tinham nada para pagar nas atividades Escoteiras? Eu sabia que isto não valia para abreviar minha pena. Amigos que se formaram em direito nunca me procuraram. Eu não tinha nada e nem podia pagar um advogado para me defender. Mas eu merecia ser perdoado? Aprendi a ficar calado. Aqui não dou as costas para ninguém. Os que dizem ser meus amigos eu sei se tiverem oportunidade acabarão comigo. Quando aqui cheguei me revoltei. Passei boa parte do meu tempo na solitária. Mal cabia um homem deitado. É um lugar fétido, sem sol, sempre na escuridão. De vez em quando baratas cruzavam meu corpo. Aprendi a comê-las. Assim elas diminuíam e me deixavam em paz. Não reclamo. Nunca reclamei.

                Tinha 22 anos, na flor da idade. Trabalhava na Farmácia Santa Lucia, bem conhecido bom vendedor. Escoteiro deste os nove anos. Amava aquela escoteirada que me amavam também. Porque tudo aconteceu? Era destino? Eu devia passar por isto? Não acredito. Marinalva não merecia o que fiz com ela. Mas afinal sou um animal? Um demente? Porque agi daquela maneira? Ela apareceu um dia na cidade, filha de João do Bar. Diziam que estudava na capital. Me viu fardado, sorriu, Deus! Que sorriso lindo! Esqueci tudo esqueci o que iria fazer. Me apaixonei. Uma bruta paixão aconteceu. Tentei tudo para fazê-la feliz. Ela com seu jeitinho brejeiro me namorou mas namorou meio mundo da cidade também. Tentei tudo, até larguei os escoteiros para ficar com ela e não adiantou.

                Há encontrei um dia deitada no celeiro dos Anjos com Daniel o gostosão da cidade, ela ria, ele também. Meu sangue ferveu. Devia ter rezado contado até dez como ensinava aos monitores quando ficavam com raiva. O peguei pelo pescoço, ele gritou, ela tentou ajudá-lo. Dei cabo dela também. Sai chorando dali direito para a Cadeia. Josuel o delegado veio correndo quando soube. Não teve jeito. Não me defendi. Se matei por amor não justificava o que fiz. Fui doente, demente maldito que tirou a vida de dois seres que não mereciam morrer. Dizem que quando você mata alguém, você tira tudo que ele tem e o que ele poderia ter um dia. Aqui nesta prisão fétida todos se dizem inocentes. Eu não sou inocente. Sou culpado e mereço morrer sem dó e nem piedade.


                Se escrevi estas poucas linhas não é para tentar uma justificativa. Meus sonhos acabaram, minha vida escoteira não existe mais. Não existe explicação para os meus atos. Dizem que aqui é a sucursal do inferno. Acredito. Tenho 26 anos, se sair daqui estarei com mais de setenta. Acabou as ilusões, os amores, os sonhos de menino Escoteiro. Sei que lugar de assassino é na cadeia. Nem sei se me resta um pouco de dignidade e caráter. Honra não tenho mais. Vivo no meio de ladrões, bandidos e assassinos. Também sou um deles. Somos todos aqui demônios dominados pelo ódio e alimentados pela sede de vingança. Que Deus tenha pena da minha alma!

Escrevi esta história há quatro anos. Nunca publiquei. Tinha duvidas se os meus amigos leitores entenderiam o tema. Afinal o mundo está aí cheio de gente com boas intenções e outros não. O Escotismo tem uma nuance linda, parece uma estrela brilhante no céu que não conseguimos alcançar. Mas mesmo sendo escoteiros somos humanos e tudo é possivel. Os exemplos estão aí e todos conhecem. É uma historia cruel, dura e crua. Se não for do seu estilo é melhor não ler. Afinal existem historias que muitos não iriam entender!

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