sábado, 10 de junho de 2017

Uma janela no meu trem para lembrar.


Uma janela no meu trem para lembrar.

                         A tarde chegou mansamente. Eu a via em minha janela ainda sem aquele sol que brilha nas tardes enluaradas. Eu repousava quieto de olhos abertos em minha cama tentando recuperar as forças que havia perdido nestes dias hospitalares. São coisas de velhos principalmente os escoteiros que ainda acreditam estar subindo em uma montanha como se fosse aquele jovem menino de outrora. A mente rodava procurando um ponto qualquer no passado para se firmar e ver algum importante para relembrar. Fechei os olhos devagar, uma música suave veio ao meu encontro. Que música era aquela? Lembrei-me de Cary Grant no seu papel de playboy mulherengo e Deborah Kerr uma ex-cantora que viajando em um cruzeiro para a Europa, se conhecem. Apaixonam-se. Mas precisam dar novo rumo as suas vidas e combinam encontrar seis meses após no alto do Edifício Empire State. Se ambos aparecerem o amor é verdadeiro e se casarão. Tarde demais para esquecer!

                       Não resisto às lembranças. Não tive um amor tão grande assim em minha vida. O que tive até hoje somos felizes. Ela está ao meu lado até hoje. “Na Affair To Remember” me marcou muito. A música foi entrando em meu ser. Dominando-me, me senti tonto, inebriado. O piano deslizava em minha fronte tal qual um por do sol na Montanha da Lua onde tantas vezes acampei. Viajei no tempo. Na fila do Cinema Palácios, de braços dados com ela. Íamos assistir finalmente “Tarde demais para esquecer”. Não sabia o que íamos ver, não fazia ideia. Sou emotivo demais. Quando no final ele não a encontrou no Empire State chorei. Ainda não fazia ideia porque ela não foi. Um trágico acidente a impede de ir ao encontro. Ela toma um rumo emocionante e incerto. Saí do cinema perdido em conjecturas e nenhuma me agradava. Não seria eu o Leo McCarey o diretor para mudar tudo no final. Eu era apenas um Escoteiro, emotivo, noivo, amante de sua linda e futura esposa e que vivia a sorrir e cantar na natureza.

                         Vejo-me sentando em uma poltrona viajando no meu trem do passado. A janela aberta, a fumaça do trem volta e meia entra no vagão de primeira classe. Não reclamo. Adoro amo esta fumaça que até hoje me faz uma falta enorme. Ajeito o travesseiro para aceitar melhor. Minha cabeça fica zonza, pensando e pensando. Meus olhos se firmam na paisagem que o trem vai me mostrando em cada curva que faz. Um pontilhão me assusta. Sorrio. Pego de surpresa. Quantos pontilhões passei na minha infância? Correndo com medo de o trem chegar... Ah! A janela não para de me mostrar um passado, mas a música o piano gostoso, a melodia do filme que me marcou entra em meus poros. No final da passagem do túnel do Corcel perto de Derribadinha vejo-me ali, em pé, segurando meu cavalo de aço junto aos meus outros cinco companheiros. Esperando o trem passar para adentrar no túnel desconhecido.

                         O piano cessa. A melodia fica a parafusar minha mente. Preciso ouvi-la novamente. You tube? Sim! Vou lá. Ela volta agora sim me refastelo na cama, minha cabeça repousa no travesseiro e minha mente de novo viaja naquele trem que me leva ao passado. Lembrei-me de Gilwell. Por quê?  Afinal “Na Affair To Remember” não tem nada do escotismo que amo. Quem sabe será porque me sinto Velho e fraco e preciso voltar. Voltar onde? Em Gilwell, no tempo? Assistir novamente o filme da minha vida? Minha mente embaralha. Já nem sei mais o que pensar. Volto novamente ao meu trem. Minha janela. A fumaça branca entrando. Meu paletó branco era macio como leite em calda. O trem vai diminuindo sua marcha. Entra na estação e vejo em algum canto da estrada a garotada correndo sem parar jogando uma pelada com bola de pano. Alguém grita: - Amendoim torradinho, doce de leite e cocadas! Comprem é barato!


                         O trem já vai partir. – Alguém diz com voz chorosa: - Não quer ir comigo? Ela responde chorando... Desculpe sou feliz aqui! Um grande amor interrompido. Minha mente volta ao Empire State. E ela? Mesmo em uma cadeira de rodas ainda pensa em casar com ele? Não sei. Não quero contar. Filmes são assim, trilhas sonoras inolvidáveis. Um piano tocante quem sabe na Floresta do Tenente, lá muito longe onde acampei. Alguém toca baixinho para mim “Na Affair To Remember”. Sento-me na porta da barraca. Uma noite linda, o céu salpicado de estrelas brilhantes, cai uma brisa vinda do ar da Lagoa dos Peixes dourados. Tudo é encantamento. Noite romântica mágica repleta de felicidade. Fecho os olhos, minha viagem vai chegando ao fim. Levanto-me meio tonto da minha cama. Olho pela janela, daqui a pouco vai escurecer. No meu trem ouço alguém dizer na estação final: - Muito obrigado meu jovem cavalheiro e escoteiro, muito obrigado por esta bela viagem. Desço do trem. Vejo-me fardado, na mão o meu chapéu de abas largas. É noite, lágrimas em meus olhos mostram que ainda penso no grande amor de Deborah Kerr e Cary Grant.


O que? Uma foto não escoteira? Para lembrar o que? Hoje foi demais. Tarde demais para esquecer bateu forte em mim. Afinal sempre fui emotivo com histórias de grandes amores. Os poetas cada um define a passagem de um grande amor em cada vida. Dizem eles que há sempre alguma loucura no amor. Mas a sempre um pouco de razão na loucura! Tenham uma excelente noite!

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