sábado, 22 de julho de 2017

Jesus de Nazareth O Contador de Histórias.


Jesus de Nazareth
O Contador de Histórias.

                        Um asilo simples, paredes descascadas, sem jardins, sem flores, quartos com três ou quatro camas, um refeitório espremido, uma sala com uma TV colorida pequena e cadeiras simples e sem conforto. Localizado na periferia sem luxo não muito limpo onde o lixo acumulava nas ruas próximas. Convidaram-me para ir conhecer Jesus de Nazaré um Velho negro contador de histórias. Disseram-me ser o melhor de todos. Deslocado naquele ambiente pensei que os velhos não tinham bom tratamento no fim da vida. A recepcionista com cara de poucos amigos relutou em me deixar entrar. Vendo-me de uniforme Escoteiro abriu um precedente e me levou até um quarto onde mais dois idosos dormiam. Jesus de Nazaré estava acordado. Olhava para o teto e incrivelmente feliz, pois tinha um sorriso nos lábios.

                          Quando cheguei a sua cabeceira da cama ele virou a cabeça e me olhou. Um olhar marcante que me comoveu. Não era de piedade ou de sentimento mesmo sabendo do quanto eram os maus tratos que recebia ali. Jesus de Nazaré parecia feliz. Balançou a cabeça e notei seus cabelos brancos e crespos sujos e mal cortados. Em compensação tinha um sorriso contagiante. – Olá eu disse! – Ele sussurrou um Sempre Alerta com um tom de voz que me tocou demais. – Escoteiro? Dizem que são amantes da natureza disse. Contaram-me que gostam da lua, das estrelas e dos ventos que sopram nos baixios de um vale verdejante entre montanhas enormes. – Olhei para ele enigmático. Como sabia tanto sobre nós? Ele piscou o olho e disse: - Não fui escoteiro, meu senhor da Fazenda onde morava nunca deixou. Ele foi quem me contou muito sobre vocês.

                           Reconheci suas qualidades de Contador de Histórias. Em poucas palavras já prendia minha atenção. Um Contador de Histórias teria que ter a sensibilidade e empolgação, saber esticar sonhos em forma de ponte para juntar o mundo da fantasia e da imaginação. - Ele sorriu. Parecia ler minha mente. Sabia que iria fazer 103 anos um dos homens mais velhos do Brasil. Um biógrafo escreveu sobre ele muitas das suas histórias, até um livro foi editado, mas pouco difundido. Eu li o livro, tinha imperfeições por culpa do biógrafo. Resolvi conhecê-lo, ouvir sua voz, quem sabe me contaria um conto qualquer. Afinal se eu me considerava um Contador de Histórias ainda tinha muito que aprender. Ainda me faltava à sensibilidade de ter o poder de encantamento.

                     Sentei em um banquinho de madeira e me apresentei. Ele mantendo aquele sorriso maravilhoso começou a me contar pedaços da sua vida, mas só as alegres, pois me disse que as tristes não valiam a pena. Lembrei-me de um famoso contador de histórias que dizia que o importante era ter o conhecimento antecipado do texto, dos elementos e das emoções escritas familiarizada com suas personagens. Seria isto mesmo? E aqueles que contavam a história de sua imaginação? Não sabia o meio e o fim que o desenrolar da narração e como iria terminar. – Ele me olhava com olhar sutil que me transportei para o que ele narrava: - Nunca fui Escoteiro, nunca pude pegar a lua e guardar nos pertences do coração. As estrelas que vocês contam eu nunca poderia contar, não sei ler nem escrever. Respirei sim o ar da floresta, senti no rosto a brisa da manhã. Como peão ajudei a construir cidades, fui amigo de cobras e animais que deram a felicidade de me mostrar que são mais verdadeiros que os homens.

                      - Soube que vocês tem uma lei. Bom isto. Tudo começou com Moisés e as tabuas da lei. Até hoje são comentadas e muitos não levam a sério. Mas a de vocês é simples e direta. Ela não diz faça ela diz veja e tente compreender. Afinal não é desejo de muitos ter palavra? E saber ser leal? São dez artigos não? Ele continuou desfiando até que parou na promessa. Sabe o que mais gosto de vocês? A promessa. Não diz que é obrigado diz que fazer fazendo o melhor possível é melhor que prometer e não cumprir. Estava maravilhado. Como aquele Velho negro analfabeto e Contador de Histórias sabia tanto sobre nós? Verdade é que muitas palavras bonitas emocionam. Sorrisos sinceros também. E mais ainda reconhecer um homem honesto como aquele na minha frente.

                      Ele me olhou e disse: - Vejo que você se assustou com o ambiente que estou. Não se preocupe. As palavras ásperas não me magoam mais. As agressões não me ferem e muitas maldades não mais me assustam. Eu me pergunto: - O que aconteceu? Tornei-me mais forte? Ou será que agora sou muito insensível? - Sinceramente minhas emoções estavam acima de minhas forças. Aquele Velho Contador de História marcava uma existência que desconhecia. Eu não conhecia sorrisos espontâneos e a adversidade com um sorriso no rosto. Ele se tornou especial como homem exemplar. Aceitar ficar ali, em um local não condizente era para mim difícil de entender.

                    Eu agora via o Asilo como se fosse à redenção de um Edem. Vi que ele respirava tranquilidade de um ar que já respirei nas montanhas por onde eu acampei. Quantos pensamentos e lembranças ele deixou em mim. Estava calado já não me sentia o Contador de Histórias que tantos me apregoavam com o melhor. Nunca poderia me comparar a Jesus de Nazareth Olhando para ele me sentia rejuvenescido Quando a enfermeira disse que o tempo acabou eu emocionado lhe dei um abraço. Um forte abraço e grande abraço que nunca mais esqueci.


                         Na porta do Asilo a enfermeira me disse: - Tem pouco tempo de vida, vai partir em breve. Seu coração não vai aguentar outras luas que irão nascer. – Chorei. Fui para casa rezando e pedindo a Deus que no fim da minha vida me desse à força daquele Velho Contador de Historias. Anos e anos escrevendo e pensando que eu era o melhor. Ainda tinha uma longa estrada para percorrer. Aprendi se que para contar histórias tem que ter um belo sorriso. Aceitar as adversidades com encantamento. Naquele momento entendi que estava renascendo como Contador de Histórias Até hoje nunca esqueci seu semblante de felicidade quando sai do seu quarto e ouvi sua voz calma a dizer: - Entrou por uma perna de pato, saiu por uma perna de pinto, quem quiser que conte cinco!

Nota: - Seu nome era Jesus de Nazareth. Não sei como era o mestre na sua época, mas ali eu conheci um homem simples, amigo sincero com um sorriso magistral. Dizia-se iletrado, mas conversava como um doutor. Estava prostrado em uma cama de colchão de capim, em um asilo, e a enfermeira me disse que ele esperava a morte chegar com resignação e compreensão. Uma história simples de um contador de histórias que eu tive a honra de conhecer.

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