sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Lendas escoteiras. “Adios amigo”.


Lendas escoteiras.
“Adios amigo”.

                        Nunca diga adeus a ninguém... Nunca deixe que as pessoas mais próximas se vão... Leve-as consigo onde quer que vá. Deus! Porque fui lembrar? Faz tempo muito tempo... Ainda vejo seu sorriso franco, sua gargalhada e seu grito quando fomos à Montanha do Eco. Ele gritou alto: - Sou o Lord! Lord Alencar! E ria, e ria. Meu Deus! Quantas saudades. Machuca e dói quando ouço a canção escrita por Jerry Livingston e Ralph Freed “Adios Amigo”. A emoção toma conta de mim. Muitos dizem que valeu estar ao lado dele mesmo que não tivesse sido por toda a vida. Vado Escoteiro, não fique assim, lembrar-se com saudade é como se despedir de novo! Não sei meu coração não esconde o quanto fomos amigos e eu até acreditei que seriamos assim para sempre.

 

                      Ele chegou em um sábado que estávamos preparando a tralha para um Acampamento em Santo Ângelo. Um novo grupo surgindo e nos convidaram. Ele chegou perto de mim, soltou aquele sorriso largo e disse: - Que horas vamos partir? Olhei para ele dizendo que novato tem que passar pela “Janela do Tempo” uma maneira amiga de dizer: - “Novatos tem um tempo para aprender”. Você Alencar é um novato, um aprendiz. Cresça e apareça! E dei uma bela de uma gargalhada! Ele espantado me olhou e me acompanhou com outra gargalhada que me conquistou na hora.


                      E quem disse que ele não foi? Foi sim e passou a ser meu melhor amigo. Morava a cinco quadras da minha casa, mas é como se fosse meu vizinho. Não saia lá de casa. Mamãe acostumou com ele e um dia disse: - Alencar será que sua mãe não tem ciúme? Ele não dizia nada. Eu mesmo não conhecia a mãe e o pai dele. Quatro meses depois acampados na Foz do Rio Paraguaçu, de cabeça baixa olhando para as corredeiras do rio brilhantes com a luz da lua, uma noite quente de um verão escaldante, ele me olhou e disse tão baixo que quase não ouvi. – Vado Escoteiro, meu pai matou um homem. Está cumprindo vinte cinco anos na Penitenciaria das Neves! Minha mãe? Nunca a vi. Não a conheci!

                      Não perguntei. Sabia que quando ele quisesse me contaria tudo sobre seu pai e sua mãe. O tempo passou quantas aventuras, quantos acampamentos quantas excursões fizemos juntos? Fomos para os seniores e quando me tornei Pioneiro ele me disse: Olhe, não sei se vou gostar... Mas um mês depois estava lá quando soube que íamos acampar no Cuieté Velho. Ele soube da lenda do Padre que nas noites de lua cheia gritava sem parar pedindo perdão. Uma história antiga, um bandido de nome Cachorro Louco o enterrou vivo em frente à Igreja deixando sua cabeça de fora. – “Quem se arriscar a tirar ele dali, pode tentar. Só tentar, pois farei nele um buraco de bala bem no meio da testa”!

                      Nunca acreditei nesta lenda, mas muitos juraram que era dar meia noite e os berros do padre se faziam ouvir por toda cidade que hoje abandonada não mora uma viva alma. Não pediu para ir. Na plataforma da estação, eis que ele surge, com sua tralha, seu uniforme impecável e seu chapelão gritando: - Servir! Sempre ao me lembrar dele me vem à memória esta frase: - “Dê valor às coisas enquanto as possuir, pois sentir saudades não é o bastante para tê-las de volta”... O acampamento foi demais. O padre gritando? Nada que um vento forte em uma pedra rachada não pudesse imitar. Mas que medo! Não foi fácil.

                      Quando me casei ele disse que seria meu padrinho. Dizer o que? Deu-me de presente uma batedeira elétrica. Como comprou não sei. Trabalhava como entregador nas Lojas Abil. Ganhava pouco. Não saia de minha casa até o dia que conheceu Norminha. Apaixonou-se e se casou. Fui trabalhar na Usiminas e ele foi comigo. Juntos montamos lá um grupo escoteiro. Vida linda, canções explodindo até o dia que ele começou a tossir e o sangue jorrou. No hospital de olhos fechados ele me disse: - Não fique triste com uma despedida... As despedidas são necessárias para os reencontros. E um reencontro – depois de um momento ou depois de uma vida inteira – é algo inevitável se somos amigos de verdade.

                      Fiquei engasgado quando o enfermeiro me disse que ele morreu. Não teve o cuidado para me preparar. Foi logo dizendo: - Bateu as botas, se danou. Quem sabe está no céu? Vontade de esmurrar Pedrinho o enfermeiro antigo Monitor da Morcego. As lembranças constroem um caminho que chega até o coração e faz com que os amigos sempre se sintam perto, mesmo que em realidade estejam muito longe um do outro... Ele se foi. Para sempre. Ele agora está morando na Terra do Sol onde foi enterrado.

                      A cada dois anos eu vou visitá-lo. Ajoelho em frente sua campa, com meus olhos marejados, canto baixinho que não é mais que um até logo não é mais que um breve adeus. Meus pensamentos voam e nunca esqueço de dizer para ele: - Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era pra sempre, sem saber que o para sempre, sempre acaba... Sei que ele não está mais ali, pela sua vida, pelo seu caráter deve estar em uma linda cidade no céu. Nunca o esqueci e nunca vou esquecer. O que mais nos aproxima de uma pessoa é a despedida, quando acabamos superando-nos, porque o sentimento e o juízo não querem andar juntos; e nós martelamos com violência o muro que a natureza ergueu entre ela e nós. Adios amigo!



Nota de rodapé: - Eu tive um amigo. Um dia ele partiu para nunca mais voltar. Na sua campa quando vou lá eu digo a ele: - “Adios amigo”! As lembranças constroem um caminho que chega até o coração e faz com que os amigos sempre se sintam perto, mesmo que em realidade estejam muito longe um do outro... Eu tive um amigo e até hoje quando as saudades apertam em digo sempre: - Adios amigo!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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