quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Lendas escoteiras. O Mistério do Corvo da pena dourada.


Lendas escoteiras.
O Mistério do Corvo da pena dourada.

                 O Chefe Lávio em uma noite sem luar, reunidos em volta de uma fogueira perdida na margem do Rio Travesso, nos contou esta história que tirou da imaginação. Pareciam palavras magicas tentando esquecer aquela noite gostosa, e um vento sul que soprava o sudoeste do acampamento. Uma Indaba só de chefes. O terceiro que participava. Uma vez por ano. Cada um levava sua tralha e a comida. Chegamos a ter 35 chefes presentes. A cada ano um nome diferente para a Indaba. Neste ano seria o III Kalapalo. Tribo da região do Alto Xingu no Mato Grosso.

                   Eu conhecia o Chefe Lávio há tempos de outras plagas. O típico Chefe que não ri. Discreto um olhar profundo e muito ponderado. Deitei em minha manta, o céu lindo estrelado, sorria a passagem de uma estrela cadente. A aragem vinda da margem do rio era gostosa e saudável. E ele começou: – Foi a muito, há muito tempo. Escoteiro em Monte Azul. Uma pequena cidade esquecida de Mato Grosso do Sul. Vida simples, meninada solta nas ruas a soltar suas pipas, a brincarem com suas bolinhas de gude, saudar educadamente a dona Marly ou dona Noêmia nossas professoras quando passavam. Na missa de domingo a melhor roupa.

                    Na missa daquele domingo uma surpresa. Padre Lemos anunciou a fundação do Grupo de Escoteiros. Um calafrio correu na espinha da meninada presente – Amigos! Nossa cidade vai organizar um grupo de Escoteiros. Inscrições abertas no Clube Remanso todo sábado à tarde!

                    Acordei às três da manhã. Papai! Vamos! - Onde? Fazer minha inscrição. Nem almoçamos. Uma fila enorme. Chefe Noel risonho cumprimentava a todos. A inscrição está feita. Agora é aguardar. Iremos treinar alguns para serem os lideres e daqui a três meses vamos chamar todos ele disse. Na fila mais de duzentos meninos. Quatro meses depois um Escoteiro uniformizado bateu em nossa porta avisando. A vaga do Lávio está aberta. Comparecer sábado às duas da tarde. As onze almocei e as doze lá fui e papai rumo ao grupo escoteiro. Leones o Monitor sorriu para mim. Na semana seguinte já havia um acampamento em Águas Cantantes. Fiquei maravilhado. Nunca me senti herói como agora. Não falava outra coisa. Leones me sugeriu para ir à biblioteca conhecer a vida do Corvo, a minha Patrulha.

                     Seis meses depois me considerava um veterano. Quando fiz um ano de Patrulha fizemos um acampamento em Morro Sião. Várias cascatas em toda subida. Uma delas lá no alto formava um lago ideal para uma boa pescada. Eu gostava de pescar. Quatro dias de campo. No terceiro estava programada uma jornada de seis quilômetros onde deveríamos encontrar uma Mina do Fantasma. Deu a cada Patrulha um croqui, uma bussola, e uma carta prego. Nela as instruções eram claras. Duas horas de caminhada rumo NNE, encontrar uma grande seringueira e depois seguir a WSE por mais um quilometro. A Patrulha era boa nisto. 

                   Ao procurarmos a bússola ela sumiu. Eu era o responsável. Não achei em meus bolsos na mochila e nem no bornal. Deu vontade de chorar. Leones me olhou calado. Jair nem falou. Até Nonato o cozinheiro meu amigo não disse nada. – E agora? – Pense Lávio. Tente lembrar onde pode ter esquecido! – Resolvemos voltar pela trilha. No Barranco onde passamos parte dele cedeu. Toda a patrulha foi arrastada para o fundo do despenhadeiro. Mais de oitenta metros de queda. Ainda bem que não foi queda livre. No fundo da ravina caímos em vários arbustos cheios de espinhos. Uma dor terrível. Todos sentindo dores enormes. Tínhamos de sair dos espinheiros. Para onde ir? Ouvimos um grasnado de um Corvo. “Croc, Croc, Croc.” O avistei a uns cem metros em uma árvore. Voou em cima de nossas cabeças.

                   Não sei por que falei para o Leones que devíamos seguir o corvo. – Por quê? Ele disse. – Ele não é o guia de nossa Patrulha? Ninguém riu. Com dificuldade conseguimos sair do espinheiro e seguimos o Corvo que voava a nossa frente indo e voltando. Paramos a beira de uma pequena nascente para retirar os espinhos. Começou a escurecer. O corvo sempre grasnando seguindo em uma direção. Perdemos a noção, mas sempre seguindo o Corvo. Escureceu. Não dava para andar mais. O Chefe e as demais patrulhas deviam estar aterrorizados com nosso sumiço. Fazer o que? Um frio forte trazia uma bruma da ravina que nos pegou em cheio.

                    Na ravina avistamos o céu cheio de estrelas. Dormir com aquele frio? Melhor acender um fogo. Catamos uns gravetos e duas boas achas de madeira. Olhei para um galho na árvore e lá estava o corvo. Ele desceu voando e pousou no meu ombro. Todos dormiam ninguém viu. Interessante que uma pena sua era dourada e as demais pretas. Ele parecia me conhecer. Dormi e acordei com a alvorada e o fogo apagado. Leones começou a cantar e dançar a musica dos cavalos trotando. Todos nos o acompanhamos. Deu para esquentar. O corvo de novo voando sobre nossas cabeças e seguindo em uma direção. Lá fomos nós. Duas horas depois avistamos o acampamento. Obrigado Deus. Todos se abraçaram emocionados.

                   Até o último dia o corvo ficou próximo ao nosso campo sempre voando e grasnando. Croc. Croc. Croc. Na partida ele nos acompanhou por muitos quilômetros. Da janela do ônibus eu o avistava. Várias vezes bicou os vidros querendo dizer alguma coisa. Um sono pesado e dormi feito um anjo. Nunca mais achamos a bússola. Ofereci-me pagar e o Chefe não aceitou. – No sábado seguinte a Tropa formada para o Cerimonial de Bandeira. Ao final do hasteamento fiz a oração: - Senhor ensinai-me a ser generoso, a servir-vos como mereces... Parei. O corvo estava voando em círculos sobre nós. Desceu até onde estava. Pousou no meu ombro. Tinha preso no bico uma pena dourada. Vou para cima do meu chapéu de três bicos. Colocou lá a pena e saiu voando e grasnando rumo sul. Sumiu no céu azul daquela linda tarde de primavera.


                  Ninguém acreditava no que via. Até o Chefe estava extático com o fato. Ele sabia da história do corvo. Tirei meu chapéu. Coloquei a pena dourada do corvo entre a correia e meu chapéu. A pena dourada fez historia. – Olhei para o Chefe Lávio. Todos olhavam para ele com um ar de incredulidade. Ele se levantou e foi até sua barraca voltando em seguida. No topo do seu chapéu de três bicos lá estava a pena dourada. Linda, nunca tinha visto igual. Ah! Histórias são historias. - E como diz um Velho Chefe Escoteiro: A vida tem muitas histórias. Nosso livro da vida é longo e sem final. Verdade!

Nota de Rodapé: -  O Corvo. - “Ave ou demônio que negrejas! Profeta, ou o que quer que sejas! Cessa ai, cessa! Clamei levantando-me! Regressa ao temporal, regressa À tua noite, deixa-me comigo. Vai-te, não fica no meu casto abrigo pluma que lembre essa mentira tua, Tira-me ao peito essas fatais Garras que abrindo vão a minha dor já crua”. - E o Corvo disse: "Nunca mais.”. E o Corvo aí fica; ei-lo trepado No branco mármore lavrado Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho. Parece, ao ver-lhe o duro cenho, Um demônio sonhando. A luz caída Do lampião sobre a ave aborrecida No chão espraia a triste sombra; e fora Daquelas linhas funerais Que flutuam no chão, a minha alma que chora Não sai mais, nunca, nunca mais! (Edgar Alan Poe).

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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