quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Contos de Fogo de Conselho. Entre o céu e a terra.


Contos de Fogo de Conselho.
Entre o céu e a terra.

                  Um silêncio sepulcral na sala de aula. Se entrasse uma mosca pela janela seria como o barulho de um avião levantando voo. Dona Nena de olhos semi-serrados em sua mesa lia um livro comum. Os meninos e meninas calados fazendo uma redação. “Como evitar Escorpiões”. Ela tinha dado uma aula sobre o tema. De vez em quando passava os olhos pela sala. Uma austeridade que era reconhecida em toda cidade. Seus ex-alunos tremiam quando encontravam com ela. Um grito estridente assustou todo mundo – Escorpiões na sala. Corram! Uma correria e uma gritaria sem fim. Dona Nena também assustou. Viu que a sala esvaziou em segundos. Olhou de novo. Só Ruanito sentado, compenetrado fazendo a redação. Dona Nena o pegou pelas orelhas e o levou ao Diretor. Não era a primeira vez.

                 Aniversário da cidade. Na praça um enorme palanque. Várias festividades programadas. O Prefeito Paredes discursando. Ao seu lado Dona Eufrásia sua esposa. Muitas autoridades juntos. O povo em pé na praça. Alguém gritou alto! – Uma cobra! Uma cobra! É uma cascavel! Ela atravessava o palanque devagar rumo às escadas. Um reboliço. O delegado Marcondes esvaziou seu revolver na cobra. Pá, pá e pá! Ela não parou. Gente gritando, caindo, o palanque quebrando. Dona Eufrásia caiu sobre a multidão. Seu vestido novo subiu até as orelhas. O Povo viu tudo. Ela adorava azul com bolinhas amarelas. A multidão dá praça correndo pela Avenida Tiradentes. A praça vazia. Muitos de pernas e braços quebrados foram para o pronto socorro. Só o Zé Bedeu um bêbado ria sem parar e gritava: “Viva Ruanito, o único gente boa da cidade!”. Sentado no banco da Praça Ruanito olhava sério para tudo aquilo. Na sua mão a linha de pesca que usou para puxar a cobra morta.

              Todos sabiam que onde havia estripulias tinha a mão de Ruanito. Seu pai já fora intimado várias vezes na delegacia. Alfredão adorava o filho. Sua mulher fora internada na casa de repouso Santo Angelo há muitos anos. Diziam que ela era louca. Ele não achava. Ela só gostava de se divertir. A cidade não tinha ninguém capaz de ajudar seu filho. Naquela época falar em psiquiatras ou analistas seria um palavrão. Chefe Cleyde era assistente de Tropa. Sempre soube de Ruanito. Tinha pena dele. Um dia tentou com todos os chefes do grupo a aceitá-lo. Ninguém quis. Convenceu o Chefe Manollo a dar uma oportunidade ao menino. – Ele quer se um de nós? – Não sei disse – Se ele quiser vamos tentar por seis meses.  Ela foi a sua casa. O pai de Ruanito gostou da ideia. Ele não disse nem sim e nem não. Olhou indiferente para a Chefe Cleyde.

               Quando foi apresentado à tropa todos se assustaram. Já conheciam sua fama. Romerito da Patrulha Peixe Boi era o Monitor mais antigo. Com quinze anos ainda não tinha ido para os seniores. A pedido do Chefe Manollo ficou até os dezesseis. Era considerado o guia da tropa.  Ficou responsável por Ruanito. Ele o pegou pela mão e o levou até um grande abacateiro que dava sombra no pátio onde se reuniam. – Está vendo aquela formiga? Ela está a “Escoteira” significa aquela que anda só. Você vai ficar aqui e observar quando ela encontrar uma folha e levar para sua morada. Marque o tempo e quantas vezes ela deixa cair à folha! Ruanito olhou para Romerito, olhou para a formiga e não disse nada. Sentou na grama de olho na formiga. A reunião terminou às seis e meia da tarde. Ruanito sentado. Romerito o viu quando ia saindo. Romerito foi embora. O deixou lá. Nem até logo disse. A sede vazia. Ruanito firme sentado no pé do abacateiro.

              Às duas da manhã alguém bateu na porta da casa de Romerito. Ele com sono levantou-se e ao abrir a porta viu Ruanito todo molhado. Chovia a mais de quatro horas. O mandou entrar. Foram para a cozinha onde preparou um café forte.  – “Foram nove horas, vinte e quatro minutos e trinta segundos”. A folha caiu vinte e três vezes e vinte e três vezes a formiga repetia fazendo tudo de novo. Sempre com uma nova tentativa. Pensei em ajudá-la. Mas será que serviria para ela aprender como deveria fazer? Quando ela conseguiu entrou em um buraquinho no tronco do abacateiro não apareceu mais. Romerito olhou para Ruanito. Não disse nada. Pegou dois guarda chuva e o levou até sua casa. Seu pai dormia sono solto.

             No sábado seguinte pela primeira vez Ruanito foi apresentado a Patrulha. Romerito perguntou: - Algum de vocês conseguiram seguir a formiga do abacateiro? Cada um olhou para o outro e não disseram nada. Uma prova muito difícil. Apertem a mão de Ruanito. Ele conseguiu! Os escoteiros olharam espantados. Três meses depois Ruanito fez a promessa. A tropa feliz. Muitos seniores e chefes preocupados. Chefe Cleyde acreditava na mudança. Chefe Manollo era outro que sorria. A cidade se assustou quando viu Ruanito de Uniforme andando garboso pela Avenida Tiradentes. O delegado tirou o boné da cabeça. O Prefeito veio à janela da prefeitura para vê-lo. Zé Bedeu na sua bebedeira dava risadas e gritava: - Viva Ruanito, o maior Escoteiro do Brasil!


           E assim termina a história. Aquela cidade passou a ser uma feliz morada da felicidade. Ela ficava bem ali, bem próxima entre a terra e o céu!

Nota de rodapé; -  Ele era apenas um menino que ninguém acreditava que poderia ser bom. Uma sina do destino fez dele um Escoteiro e para espanto da patrulha cumpriu as ordens do monitor sem reclamar. Um exemplo de perseverança e exemplo e respeito às ordens do monitor. 

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