segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Lendas escoteiras. O último adeus!


Lendas escoteiras.
O último adeus!

                        Estou aqui, como sempre faço todas as tardes, sentado em um banquinho que fiz e que eles disseram ser uma pioneiría, na volta do Rio das Flores, esperando por eles e nem sei se vão mais voltar. Sei que não virão, mas sonho um dia ver todos de volta, cantando, brincando naquele ônibus cheio colorido. Quando penso em tudo que aconteceu, meus olhos se enchem de lágrimas. Foram os dias mais lindos da minha infância. Dias que nunca, mas nunca mais vou esquecer. Quatro dias de felicidade!

                        Morava em uma pequena casa de pau a pique, próximo a Fazenda Esperança. Meu pai trabalhava na fazenda do Senhor Coronel Alcebíades, e tínhamos uma casinha pequena, de adobe. Éramos quatro. Eu, meu pai, minha mãe e meu irmão de três anos. Uma família feliz. Toda manhã eu ia para a escola na fazenda do Coronel, a única escola da redondeza. Eram quatro quilômetros que eu fazia correndo. Ajudava meu pai na lida da capina e a tarde nadava no rio. Diziam que nadava como um peixe.

                       Numa quarta feira vi um ônibus colorido, cheio de cantorias que se dirigia a fazenda do coronel. Cortei caminho e do alto da Morada do Gigante vi dois homens de calça curta e chapelão conversando com o Coronel. Ele fez sinal para mim e disse que os levassem até A várzea, perto do rio e do bambuzal. Não falou mais nada. Entrei no ônibus.  Todas as crianças da minha idade, rindo, brincando me chamando de Sempre Alerta. Meu nome é Tonho, mas tudo bem.

                       Estava com vergonha deles e fiquei em pé bem na frente do ônibus, mas olhando todos de rabo de olho. Chegamos, eles desceram. Juntaram a tralha e ficaram esperando a chamada. Logo eles fizeram um meio circulo próximo a um pé de amora, o tal do "Chefe" Escoteiro passou uma cordinha, e colocaram a bandeira do Brasil. Fiquei de longe olhando. Meus olhos estavam fixos na meninada. Eles corriam aqui e ali. Cada turminha fez um cercado, armaram barracas e foram cortar bambus.

                      Olhei o sol e vi que mamãe estaria preocupada. Corri até em casa e contei as noticias. Pedi a ela e o papai se me deixavam ficar lá olhando. Meus pais nunca ralharam comigo. Almocei correndo um prato de abobora com peixe frito. Voltei ao lugar que eles estavam. Várias barracas, e eles construíram alguma coisa que não entendi e a fumaceira pegou fogo em todos os cercadinhos deles. O sol já se pondo e foram tomar banho no rio. Um deles tentou atravessar. Começou a fazer sinais. Corri lá. Pulei de roupa e tudo. Era bom nadador apesar dos meus doze anos.

                   Tirei-o da água. Os chefes começaram a beijar e ele voltou a respirar. Agradeceram-me. Bateram uma palma esquisita. Chamaram-me de herói. Disseram que se quisesse ficar em uma Patrulha era só escolher. Nem sabia o que era isso, mas um loirinho me fez um sinal e fui. Disseram que eram os Touros. Dei risada. Aqueles fracotes Touros? Mas foi bom. Ensinaram-me a dar sempre alerta, a gritar o tal grito da Patrulha, a entender os sinais do "Chefe" Escoteiro para formatura. 

                   Durante os quatro dias eu brinquei com eles. Corremos na mata. Pulamos a cerca do Boi Lamego, fomos até a subida do Catatáu. Mostrei a eles o canto do sabiá, do pássaro preto, mostrei como fazer o tatú sair da toca. Eles me ensinaram nós e quiseram ensinar sinais de pistas. Dei risadas. Nunca iriam pegar uma seriema contra o vento. 

                  Quatro dias maravilhosos. Comi a comida deles, ruim à beça. Sem sal. Mas eu ria e eles riam. Um dia cozinhei para eles. Gostaram. Até o "Chefe" Escoteiro veio tirar um sarro. Um deles deu dor de barriga, levei para ele a fruta do pastor. Chupou a fruta e sarou. No ultimo dia fizeram um fogo. Cantaram, gritaram, bateram palmas, contaram causos, fizeram teatrinho e depois em volta da fogueira cantaram uma linda canção que só guardei uma parte. “Não é mais que um até logo, não é mais que um breve adeus”. Sabe me deu uma vontade enorme de chorar quando eles cantavam.

                   No ultimo dia desmontaram tudo. Fizeram uma limpeza em todo o campo. Na bandeira o "Chefe" Escoteiro deles me chamou. Dissera que eu era um Escoteiro honorário. Mandou-me ficar durinho, e fiz o sinal deles. Fizeram-me repetir a promessa deles. Prometo pela minha honra... Foi lindo. Foi demais. Depois ele me colocou o lenço deles. Chorei. Abraçaram-me. Chorei. Deram os gritos que chamavam de Patrulha. Chorei.

                 Disseram-me Adeus e partiram. Eu chorava. Entraram no ônibus. Eu fiquei ali em pé, ao lado do mastro de bandeira como eles chamavam. O ônibus virou a curva do rio buzinando. Um silêncio atroz. Chorava. Chorava. A tarde veio. Não arredei o pé. Não podia sair dali. Via todos eles cantando, brincando e me abraçando. Se saísse toda essa ilusão iria desaparecer. A noite chegou de mansinho. O orvalho caindo. Eu chorando. Não parava de chorar. Eu sonhava que eles voltariam, mas sabia que isso não ia acontecer.

                Meus pais chegaram e me levaram. Não queria ir. O dia amanheceu. Como sempre voltei a minha rotina. Escola, trabalhar na roça com meu pai e as tardes ia sentar no meu banquinho lá na curva do rio. Olhava o horizonte quem sabe, um ônibus viria novamente! Meus olhos enchiam-se de lágrimas. Agora não chorava mais. A dor que sentia era no meu coração. Uma dor doída. Lembranças, lembranças que machucavam. Que dias lindos maravilhosos eu tive e se foram.

                 Durante muitos anos minha memória trazia de volta os dias felizes que com eles passei. As saudades permaneceram por longo e longo tempo. Meu Deus! Daria tudo para vê-los novamente! Sabia que não ia acontecer. Quando foram eu ainda não sabia, mas era o último Adeus. Um adeus sem volta. Sem retorno. Todos os domingos sentava próximo no mastro da bandeira deles. Agora seco, mas firme. Eu não deixava cair. Chegava com meu lenço, ficava durinho e dava sempre alerta. Olhava uma bandeira invisível sendo erguida e chorava.


               Não sei quantos anos se passaram. Cresci, casei, tenho filhos. Nunca mais vi os escoteiros. Quantas saudades que permanecem na minha lembrança e não se apagam. O ultimo adeus! Sim, foi o último adeus daqueles que fizeram de mim, um homem feliz. Quatro dias.  Quatro dias! O ÚLTIMO ADEUS! 

Nota de rodapé: -   O menino morava na roça. Conheceu uma tropa de Escoteiros. Nem sabia que eles existiam. Por uma escolha do destino conviveu com eles em um acampamento. Quando foram embora ele chorou, uma dor doida machucada e que permaneceu com ele por muito tempo. Nunca na vida alguém tinha tratado ele como aquele Chefe e o monitor da Touro. Até hoje nunca esqueceu. Uma história, um conto. Convido vocês a lerem e viver como o menino se sentiu quando eles partiram.

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