domingo, 15 de abril de 2018

Em volta de uma fogueira... O Vale da Redenção.



Em volta de uma fogueira...
O Vale da Redenção.

Nota – “Dizem que esta história nunca aconteceu”... Não sei. Eu conto em prosas as coisas belas que um dia vi... E ouvi... Por aí... No meu passado e no seu! - Danadamente ainda sinto uma emoção enorme... Ao contar... Essa história. Verdade é que João Santino me marcou muito. Sinto enormes saudades. Saudades que estão presas e não querem me abandonar. Um dia estaremos juntos novamente... Contando histórias em volta de uma fogueira em uma Floresta qualquer... Por aí... “No meio das estrelas no espaço sideral”! 

Introito.
- Chefe Vado, ele me pediu para o senhor vir aqui urgente! Diz que não vai ter outra oportunidade. Era Dona Neném. Desliguei o telefone e parti. Sabia que o pior estava para acontecer. Ele dizia que não era o pior, era apenas uma passagem para o outro lado para livrá-lo daquela dor terrível em seus intestinos. Um câncer estava acabando com ele. A porta cerrada entrei e fui direto ao seu quarto. Cabeça levantada em alguns travesseiros me viu e tentou sorrir.

- Uma cadeira na cabeceira da cama sentei. Dona Neném com os olhos rasos d’água estava ao seu lado. – Voz rouca inaudível deu para ouvir: - Vado Escoteiro! Que bom que está aqui! – Foi bom enquanto durou não Vado? – Olhei para ele. Parecia querer entrar em um túnel do tempo e voltar trinta e dois anos atrás. – Balancei a cabeça. Também estava engasgado. Vê-lo sofrendo sem poder fazer nada, era uma dor cruel ao ver um grande amigo agonizando.  

- Em um esforço incomum ele tentava falar. Fiquei mais próximo. Sussurrava. – Qual o melhor? – O que perguntei? – Acampamento Vado! – No Rio do Peixe? – Não, não foi... – Minha mente voou ao passado rebuscando no tempo e tentando lembrar. Muitos anos, muitos... – No Vale da Redenção! – Olhei para ele e tive de concordar. Para nós Velhos Escoteiros é difícil escolher qual o melhor. Foi um acampamento no Vale da Redenção deixou saudades.

- Voltei no tempo. Doze anos. Ele? Acho que quinze. Era bem mais velho quando cheguei na Patrulha Coruja vindo dos lobos. – Lembro até hoje. Ele me olhou e disse: - Lobo, aqui não tem chefinho para ajudar... Vais comer o pão que o “diabo” amassou... E riu. Disse por dizer. Foi meu amigo, meu irmão. Não saia lá de casa. Mamãe disse que iria adotá-lo. Ele nem sabia o que era adotar. – Olhei para ele, os olhos rasos d’água. João Santino se for chorar vou embora!

  - Foi Joelson Piaba Monitor da Pantera quem deu a ideia. – Um acampamento de seis dias para ver quem fazia a Pioneiría mais bonita. Sinfrônio disse que ninguém era páreo. Zeca Borboleta sorriu sabendo que não era um amador em pioneirías. Bartolomeu um grande mateiro aceitou a ideia e o desafio. Juca Pirama sorriu. Todos especialistas em construções de Pioneiría em suas patrulhas. A Corte de honra levou quinze minutos para aprovar. Chefe Condor apenas sorriu. Seu sorriso matreiro era sinônimo de “aprovado sem ressalvas”!

 - Não vou comentar os preparativos. Os intendentes e almoxarifes passavam dias na sede. Se alguém tivesse barba as machadinhas e facões dariam conta do recado. A caixa de Patrulha só foi fechada no último dia. As carrocinhas abarrotadas e com a fricção do mancal no eixo, faziam um som extremamente belo cantado em um ruído constante nas subidas e descidas. Dizem que é um gemido, mas para os escoteiros era uma canção escoteira “belamente” cantada em sustenido. O Vale da Redenção era um velho amigo. Perdi a conta de quantas vezes acampamos lá.

- A Pantera construiu em dois dias uma Torre linda de cair o queixo. Toda com encaixe e amarras de cipó de Vidro. A Coruja fez um Bungee Jump espetacularmente assustador. No alto do Jacarandá próximo ao Riacho Natureza com mais de doze metros de altura e feito de Cipó Amora o melhor para usar nesses casos. Nunca quebrava. Pular a doze metros com o cipó amarrado no tornozelo era demais. Ainda bem se alguém caísse se perdia no remanso do Riacho. O Portal da Onça Parda foi um dos mais belos que já vi. O Caminho de Tarzan feito pela Lobo por mais de quinhentos metros com corda cipó amora foi sensacional.

- Olhei para João Santino. Ele não sabia se sorria ou chorava. Tentou falar, mas vi sangue escorrendo em um canto dos seus lábios. – Por favor, João, não fale, deixe que eu conto para você àquela epopeia que os que lá estiveram nunca esqueceram. – Realmente as Pioneiras foram demais. No penúltimo dia o Chefe Condor esperava a visita do Renatinho Fotógrafo, um antigo escoteiro para fotografar as pioneirías que iriam ficar na história. 

- A visita do Renatinho nunca aconteceu. Um temporal desabou por mais de seis horas. Jogou no chão as pontes, os mata-burros e as cancelas para chegar até lá. O Riacho da Natureza não perdoou. Levou sem pedir as barracas, as pioneirías, o material de sapa tudo que encontrou pelo caminho. Conseguimos subir em um platô para ver sumir o sonho de uma vida que levamos para conseguir. Quando o sol apareceu não restava nada em cima da terra. Voltamos com calções e camisetas, mas perfeitamente confortáveis em nossos Vulcabrás!

- Quando ia contar o tombo que João Santino levou próximo à cachoeira Cinzenta, onde ele foi levado entre as pedras gritando e pedido socorro, mas saiu ileso do outro lado do riacho, olhei para ele. Um sorriso nos lábios. Sereno, calmo com os olhos fechados, não respirava. João Santino tinha partido no meio da história. Quem sabe sentado em uma nuvem ouvia o final do fenomenal acampamento no Vale da Redenção!  E eu... E eu pacientemente olhando para sua figura inerte não parava de chorar!

Nota – Os contos as histórias trazem um pouco de saudade dos tempos de outrora. Às vezes aumento, às vezes mudo a frase, mas nada pode esconder as melhores coisas que um dia vivemos e recordamos do nosso passado. São tantas histórias, tantas recordações de um tempo que não volta mais... Sempre Alerta Vado Escoteiro, almoxarife e Escriba, o terceiro escoteiro da Patrulha lobo, que brotem histórias enquanto não for sua vez de partir!

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