sexta-feira, 27 de abril de 2018

Lendas Escoteiras. Jesus de Nazaré.



Lendas Escoteiras.
Jesus de Nazaré.

                        Um asilo de periferia. Paredes descascadas, sem jardins, sem flores; Utensílios simples sem sofisticação. Quartos com três beliches um pequeno refeitório e uma TV preto e branco. Na rua o lixo acumulava. Um Chefe me contou sobre Jesus de Nazaré um Velho negro que às vezes dizia ter sido escoteiro. Chefe, ele é um exímio contador de histórias. Entrei meio deslocado naquele ambiente desleixado. Achei que os idosos ali não teriam muito tempo de vida.

                         A recepcionista com cara de poucos amigos relutou em me deixar entrar. Vendo-me de uniforme Escoteiro abriu um precedente e me levou até um quarto onde mais dois idosos dormiam ou estavam dopados com alguma substância que eu desconhecia. Jesus de Nazaré estava acordado. Estava limpo e bem asseado e me recebeu com um sorriso.

                          O cumprimentei. Sentei no beiral de sua cama. Ele me olhou sorridente. Um olhar comovente mostrando ser alguém com alma e coração escoteiro. Só de olhar vi que Jesus de Nazaré era um homem feliz. Cabelos crespos brancos olhos negros que me fitaram bondosamente. – Olá eu disse! – Me surpreendeu dizendo em voz cantante: - Sempre Alerta Chefe! Um alerta que jamais alguém me disse como ele. Tocou-me demais. Sabe Chefe, há tempos não via um escoteiro. Tenho grande admiração por vocês.

                          Falando compassadamente, uma voz maravilhosamente bela, começou a toar como se tivesse contando uma história para milhares de escoteiros perdidos na escuridão da noite em uma floresta qualquer na beira de uma fogueira: - Ouvi falar de vocês... Amam a natureza. Gostam de uma noite de luar. Admiram as estrelas e os ventos que sopram nos baixios dos vales perdidos entre montanhas e picos mais altos. – Olhei para ele surpreendido pela maneira com que conduzia seu monólogo. O modo como contava poderia ser um de nós.

                         – Piscou os olhos sorriu e continuou: - Eu sempre quis ser um. Na minha alma eu não lembro se fui, pois muitos são e não sabem que são. Meu Senhor da Fazenda onde morava nunca deixou. Seu filho era. Era meu amigo. Contou-me as maravilhas de uma vida escoteira, que dizia nunca esquecer.

                           Percebi suas qualidades de Contador de Histórias. Em poucas palavras prendia minha atenção. Eu sabia que para ser um haveria de ter sensibilidade e empolgação, saber esticar sonhos em forma de ponte para juntar o mundo da fantasia e do imaginário. Ele deu outro sorriso. Parecia ler minha mente. Contaram-me que tinha mais de 110 anos. Se tivesse sido escoteiro seria um dos mais velhos que o Brasil conheceu.

                            Não era conhecido. Um negro perdido em um asilo de beira de estrada. Nunca foi famoso. Alguns tiveram a sorte de ouvir seu vozear. Imaginei quantas histórias contou nos píncaros mais altos ou na bruma escura de uma floresta e quantos devem ter se extasiado. Penso que os Contadores de Histórias são uma raça em extinção. Seu sorriso era viçoso, cheio de amor e paz. Mesmo ali em um albergue imundo, ele se sentia feliz. Se teve amores não demonstrou.  

                         Apertou-me a mão como se fossemos irmãos de sangue. Jesus de Nazaré era diferente, alegre, gentil e educado. Um antigo Contador de Histórias dizia que ser bom é ter conhecimento antecipado do texto. Dos elementos que o compõe, das emoções escritas e familiarizando com suas personagens. Seria isto mesmo? E aqueles que contavam as histórias tiradas da imaginação? Não sabiam como seria o meio e o fim.

                         – Me olhava com olhar sutil e sincero e confesso que entreguei a ele meu coração. - Chefe... Nunca fui Escoteiro, nunca pude pegar a lua e guardar nos parcos pertences que tenho. As estrelas que vocês contam eu nunca pude contar, não sei ler nem escrever. Tive a felicidade de respirar o ar da floresta, de sentir no rosto a brisa da manhã. Com minhas mãos construí cidades, fui amigo de cobras e animais que muitas vezes se mostraram mais verdadeiros que os homens.

                      - Conheço a Lei do Escoteiro. Deus deu a Moisés primeiras Leis no mundo. Pouco comentadas e muitos não levam a sério. Mas a de vocês é simples e direta. Ela não diz faça ela diz tente para compreender. Ter uma só palavra, ser leal belo demais. São dez artigos da lei, não? Fiquei ouvindo extasiado. - Sabe o que mais gosto de vocês? A promessa. Não diz que é obrigado diz que fazer o melhor possível é melhor que prometer. Estava estupefato com aquele Velho negro Contador de Histórias. Como sabia tanto de nós? Verdade é que palavras bonitas ditas com sinceridade me emocionam. Sempre admirei sorrisos sinceros e me encantavam as atitudes de um homem honesto.

                       – Ele me fitou sorridente... Não se assuste como o ambiente que estou. As palavras ásperas que me dirigem não me magoam mais. As agressões não me ferem e muitas maldades não mais me assustam. Olhei para ele e me senti pequeno diante da sua grande verdade. O Velho Contador de História marcou em minha vida uma existência que desconhecia. Francamente eu não conhecia sorrisos honestos, espontâneos e a aceitação da adversidade com um simples estalar de um olhar. Ele se tornou para mim especial.

                        Nunca imaginei que pudesse me modificar e aceitar um local como aquele para morar, agora via o Asilo como se fosse à redenção de um jardim do Edem que ele fazia questão de apregoar. Quando o olhava parecia estar respirando o ar das montanhas em dia de sol. Quantos pensamentos e lembranças ele deixou em mim. Fiquei calado, já não me sentia o Contador de Histórias que tantos me apregoavam que eu era. Pensava em estar com ele sempre, pois só seu olhar me rejuvenescia. Quando a enfermeira disse que o tempo acabou lhe dei um abraço. O beijei como se fosse o meu pai. Dei-lhe a mão esquerda e me senti realizado.

                         Na porta do Asilo ela me disse: - Tem pouco tempo de vida, vai partir em breve. Seu coração não vai aguentar outras luas que irão nascer. – Chorei. Fui para casa rezando e pedindo a Deus que no fim da minha vida me desse à força daquele Velho Contador de Historias. Nunca o esqueci. Pessoas como Jesus de Nazaré ensinam sem palavras só com sorrisos. Até hoje sinto saudades daquele negro velho contador de historias. Sorridente mostrou que a realidade uns machuca e para outros encanta.

                         Voltei lá outras vezes. Um dia me disseram que ele morreu. Para mim não morreu, partiu em busca do seu verdadeiro caminho. Queria estar lá para dizer Adeus. Mas ainda me divirto quando ia saindo e ele sorrindo me disse: Chefe, entrou por uma perna de pato, saiu por uma perna de pinto, quem quiser que conte cinco!

Nota – Conheci um Negro velho, cabelos crespos brancos que dizia se chamar Jesus de Nazaré. Vivia em um asilo pobre, um albergue daqueles que a gente pensa duas vezes se deve entrar. Contaram-me que era um Maravilhoso Contador de Histórias. Fui ver se era verdade. Conheci sim um santo homem, que transmitiu para mim a humildade de alguém que muito sofreu e aprendeu e que a vida é maravilhosa se não se tem medo dela. São meus convidados. Bem vindos!

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