sábado, 12 de maio de 2018

Lendas Escoteiras. O último Guerreiro Tapuia.



Lendas Escoteiras.
O último Guerreiro Tapuia.

                    Otanka era um índio. Olhos negros, cabelos negros agora cortado curto. Ele não gostava. Usava comprido, mas seu pai disse que agora deveriam parecer com os homens brancos. Nas margens do Rio Pardo próximo ao Rio Doce, ele contou para a Patrulha Lobo que era um descendente da Tribo dos Aimorés. Hoje não mais se considerava um índio Tapuia. Não tinha história para contar. – Vado foi o pai do meu pai quem contou o nosso valor. Nossa tribo habitava um pedaço de terra as margens do Rio São Francisco. Vivíamos em guerra com os tupinambás e os tupiniquins. Quando perdemos uma delas fomos obrigados a nos emigrar para o sertão.

                    Quando ele me disse que eram no passado altos e robustos, de pele clara, pois só andavam no interior da selva quase duvidei. Otanka era magro, raquítico parecia estar sem comer a dias. Era um acampamento de quatro dias. Só a Patrulha Lobo. Naquela época podia hoje não mais. Pretendíamos descer o Rio Doce por uma balsa que fizemos por uns dez quilômetros desde a ponte de ferro da Estrada Vitoria Minas até Resplendor. Fumanchu estava terminando o jantar quando o vimos em um Kaiki aportando próximo onde estávamos.  

                    - Ouve uma época Vado que vivíamos peregrinando pela floresta, sem casa, sem conforto sem agasalho. Dormíamos no chão e quando chovia corríamos para as copas de árvores verdejantes. - Ele comia em um prato esmaltado que Darci deu a ele. Olhou para Fumanchu quando encheu seu prato novamente com uma sopa de beterraba colhida na beira do rio e disse obrigado. Estava mesmo com fome. Repetiu três vezes.

                    - Sabe Vado um dia nos dispersamos. Kokum o pagé explicou e quase ninguém entendeu que chegava o nosso fim. Já não havia caça, frutos silvestres pela selva. Andávamos pela mata tentando encontrar nosso alimento e até a pesca estava difícil. Mantínhamos nosso espirito guerreiro. Otanka passou os olhos em todos da Patrulha, admirou Tãozinho tão raquítico como ele e sorriu. Sei que não sou um bravo nunca fui. Se antes nosso espírito guerreiro era fazer a guerra hoje não mais.

                     - Sabem... Nas guerras não tínhamos Chefe, nem borés, nem trocanos, nem guerreiros procurando lutar frente a frente. Pelejávamos rastreando pela mata como sáurios, armando emboscada em pequenos grupos. Se algum de nós caíssem prisioneiros recusávamos a comer. Melhor morrer seja de fome ou talvez pela saudade da vida liberta que levávamos. Meu pai contou que empurrados pela expansão da civilização dos brancos passamos a ser conhecidos como botocudos.

                       - Nos chamavam assim porque usávamos grandes pedaços de pau confeccionados por nós mesmos nos lábios e na orelha. Alguns de nós se separaram e formaram etnias – Os Pojixá, os Jiporok, os Naknenuk e tantos outros. Meu pai Borô que o Grande Espírito o tenha, disse que nos tornamos Krenak e terminamos nossos dias ao norte deste seu estado. Não usamos mais os botoques. Meu pai me ensinou nosso dialeto que nunca esqueci. Éramos religiosos, tínhamos um contato frequente com o mundo dos espíritos.

                        A Patrulha sentada em volta do fogo admirava a história de Otanka. Eu mesmo me lembrei de Aplanã que nunca teve filhos. Dizem que ele foi uma lenda, sabia conversar em Macro-Jê, Tui e Arauak. Contava que Namuré um valente guerreiro corria pelos céus como um raio flamejante a muitas mil luas atrás. Ele era respeitado em sua tribo. Não tinha medo... Nunca teve. Sabia que um dia iria voltar para as Terras Bravias dos seus ancestrais. Ele dizia que era o fim dos Botocudos. O homem branco agora mandava e não ligava para aqueles que eram donos de sua terra.  

                      - Otanka tinha os olhos rasos d’água.  - Meu pai Vado foi um herói e morto por uma flecha invisível que atingiu seu coração. Minha mãe Marét-Jikki saiu pela selva e nunca mais voltou. Eu olhava para ele sem ter o que dizer. Sabia que ele não teria um novo dia, nem uma réstia de sol. Só as brumas e as tempestades nas terras que não eram mais suas.

                           - Hoje um sábado me lembrei dessa história. Otanka partiu já com os raios do sol nascente. Era hora de partir para nosso destino. O campo foi desarmado. A brisa daquela manhã acariciava meu rosto. Mais um dia na minha vida escoteira. Dias soturnos escuro tristonho e silencioso para Otanka. Nunca esqueci seu olhar para a Patrulha quando contou que sua família foi morta por cães especialmente treinados na caça aos Botocudos. Eles Vado se alimentação com a carne dos índios assassinados!

                         - Quantas vezes atravessei o Rio Doce, o rio Pardo o das Velhas e o São Francisco? Quantas vezes encontrei índios esfarrapados, sem casa sem terra vivendo de uns míseros tostões que o país lhes davam através da FUNAI? Quantas vezes ouvi meu lado mau dizendo: - Desista Chefe, este mundo não é mais o seu. Eu desistir? Se caio levanto, se ando um passo atrás sempre direi: - Eu voltarei! Como foi que Otanka disse quando partiu?

                          - “Adeus amigos, obrigado pela refeição. Estarei com vocês em todas as horas e em todos os momentos. Pensem em mim quando precisarem de ajuda”. Otanka colocou seu chapéu de palha amassado, abotoou a gola da camisa, amarrou sua bota negra e alçou sua mochila velha nas costas. E em seu simples Kaiki atravessou as águas tranquilas do Rio Doce levando consigo as saudades de uma Patrulha que nunca mais o esqueceu!

- Nota – Muitas das minhas histórias são tiradas da imaginação. Outras não. Conheci nas minhas andanças no Vale do Rio Doce, Jequitinhonha e São Francisco dezenas de índios. Fiz amizade com alguns, outros foram escoteiros e um deles me disse um dia: - Vado, um dia quando crescer você pode até desejar ser um Chefe, mas primeiro terá que aprender a ser índio!

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