terça-feira, 22 de maio de 2018

Lendas Escoteiras. A lenda do Pássaro Preto.


Lendas Escoteiras.
A lenda do Pássaro Preto.

“Tudo em vorta é só beleza sol de abril e a mata em frô
Mas assum preto, cego dos óio não vendo a luz, ai, canta de dor”.

             Zito Francesco não era faroleiro e nem mal educado. Almoxarife na Patrulha Gralha fez história. Uma história que até hoje é contada pelos Escoteiros do sertão do Piaui. Poderia dizer que Zito Francesco era um cavalheiro de maneira tal que alguns se incomodavam. Mas ele tinha um defeito, defeito que muitos jovens ainda não aprenderam que fazer o bem sem olhar a quem é vida dentro do Espírito Escoteiro.

             Tinha um hobby adorava ouvir o cantar dos pássaros. Sabia de cor e salteado quando algum cantava. Ninguém mais se surpreendia quando em marcha de estrada ele parava e dizia: Ouçam, é um Rouxinol da montanha! A Patrulha batia palmas. Se eles conheciam o cantar dos pássaros foi graças a Zito Francesco. Conhecia o canto do Uirapuru, do Rouxinol, do Curió, de um Sabiá Laranjeira ou um Pintassilgo. Ficou dias na Mata do Roncador a procura de um Inhapim, que diziam estar em extinção. Depois foi para a Mata do Azulão e ficou lá dez dias só para ouvir o Tuiuiú cantar.

            Todos gostavam muito dele. Seus pais sentiam uma vibração boa quando estava à família toda reunida. Não foi um Escoteiro que fez carreira. Mal chegou a Segunda Classe. Poucas especialidades. O cantar dos pássaros o prendiam mais que o sonho de ser um Correia de Mateiro ou mesmo um Cordão Dourado. Vieram as chuvas de verão e os acampamentos diminuíram. Zito Francesco não se incomodava. Ele sabia onde encontrar seus pássaros cantadores. Gostava da chuva, e elas lhe faziam muito bem. Ele sabia que logo viria à primavera e era a época onde os pássaros cantavam melhor.

           Quando passava mochilado, um bastão um bornal e sua faca escoteira, com seu Chapelão torto de lado, Todos sabiam que ia para a Mata do Jaú. Dois ou três dias lá vinha ele sorrindo e imitando algum pássaro que ouviu por horas e dias.

             A história que aconteceu é difícil de explicar. Juan Maneco o Monitor contou que ao passar em frente à Barbearia do Fagundes uma das poucas existentes em Barra da Garça, viu uma aglomeração de gente na porta. Assustou quando ouviu um canto triste de um Pássaro Preto. Triste, choroso, aflito em sua gaiola azul a olhar para o nada. Zito Francesco viu os seus olhos opacos, sem destino, com dois buracos negros como se tivesse sido furados, sem olhar para ninguém. Ele estava cego.

            Seus olhos ficaram marejados de lágrimas. Era penoso, era angustiante ver que existia alguém capaz de furar os olhos de um lindo pássaro como aquele só para vê-lo cantar diferente. Zito Francesco não ficou ali a ouvir o cantar do Pássaro Preto. Foi para casa penalizado e chorou noites seguidas. Ficou dias sem falar com ninguém. Na reunião do sábado todos estranharam sua tristeza. – O que foi Zito? Ele não disse nada. Se coração doido pela maldade que fizeram ao Pássaro Preto.

             Lembrou-se do Chefe Zezé quando disse que matar alguém é tirar tudo que ele tem e o que ele poderia ter um dia. O Pássaro Preto perdeu tudo que tinha ao perder a visão e nunca mais teria nada na vida. Seu cantar era choroso por não poder mais ver a floresta, as campinas e as águas cristalinas do Riacho dos Anjos. Ele agora nunca mais poderia voar pelos céus.

               Uma tarde a mãe de Zito Francesco foi à casa do Monitor a procura dele. Sumiu e nem avisou aonde ia – Não sei Dona Mercedes. Ela procurou o Delegado Tonhão. Cidade pequena impossível sumir assim. Uma semana, um mês, dois três. Zito Francesco o Escoteiro nunca mais apareceu. Quem sabe estaria ligado ao sumiço do Pássaro Preto do Barbeiro Tobias? Ninguém sabia explicar. O pássaro desaparecera da noite para o dia de sua gaiola azul.

               Enfim a vida passa, as nuvens passam, e as histórias continuam a ser contadas. Muitos juraram que o viram com o Pássaro Preto na Floresta Negra. Reviraram a floresta e nada. Outros estranharam porque uma nuvem de pássaros pretos saia pela manhã e voltava à tarde para a Floresta Negra. À noite ninguém se arriscava a entrar lá. Histórias, ah! Quantas histórias fizeram de Zito Francesco.

              Veio o outono e a patrulha Pico da Neblina passou por Barra da Garça. Seguiam para o Pico do Jaú acampar com uma Patrulha desta cidade. Ficaram uma noite na cidade. À noite na sede escoteira outras patrulhas se juntaram a eles e ficaram noite adentro contando causos e causos. São coisas de Escoteiros quando se encontram pela primeira vez. Foi Neco Sartano Sub Monitor da Gralha quem contou a história de Zito Francesco. Dois anos sumido. Evaporou-se. Nunca mais ouviram falar dele. Corria um boato que ele virou um fantasma da Floresta Negra. A conversa foi até lá pelas tantas. Dormiram no salão da sede. Bem de madrugada partiram. A patrulha decidiu passar pela Floresta Negra para tirar tudo a limpo. Tem fantasma? Vamos lá!

              Tinham tempo. Perder um ou dois não faria diferença. Partiram cedo. Tralhas amarradas nas bicicletas e lá foram eles. Após o Morro do Sultão avistaram a Floresta Negra. Não era grande, mas era linda. Montaram um acampamento na clareira do Sargaço. Era notável o silencio da floresta e nenhum cantar dos pássaros nativos. Quando a noite chegou ouviram um pio angustiado de um Pássaro Preto. Choroso, plangente e tristonho se fez ouvir. Ficaram estáticos. Ninguém falava nada.

              Milhares de pássaros pretos começaram a cantar acompanhando a melodia triste de quem já não enxergava mais. Foi então que viram um vulto brilhante e logo desapareceu. Devia ser Zito Francesco. Assustados nem dormiram naquela noite e partiram tão ao amanhecer. De novo aquele silêncio de quando chegaram. Ninguém dizia nada e pedalando não viram um menino com um pássaro nos ombros seguindo suas pegadas para onde foram.

              Nunca mais esqueceram aquela noite. Nunca esqueceram o canto de morte e choroso. Seria Tiger Joy o pássaro Preto cego? Ou seria Zito Francesco que incorporou o pássaro para poder sentir sua dor? Ninguém soube explicar. A lenda foi contada por muitos anos. Verdade ou não, isso aconteceu no passado. Hoje não sei.  

Nota - “Assum Preto veve sorto Mas num pode mais avuá
Mil vez a sina de uma gaiola desde que o céu, ai, pudesse oiá. 
Assum Preto, o meu cantar. É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor que era a luz, ai, dos óios meus”.

Um conto em homenagem aos pássaros pretos vitima das maldades dos homens.
Musica e letra de Humberto Teixeira/ Luiz Gonzaga

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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