sábado, 14 de julho de 2018

Contos de Fogo de Conselho. Como é difícil dizer adeus!



Contos de Fogo de Conselho.
Como é difícil dizer adeus!

                      A tarde chegou e já partiu. A noite agora é minha companheira inseparável. Aqui sentado em minha varanda me lembrei dele. Porque não sei. Chamava-se Antônio Trevisan, mas o apelido dele era Bocalarga. Nunca soube o porquê do apelido, pois ele não tinha uma boca grande. Quem pôs o apelido nele saiu do grupo e foi embora da cidade. Era uma espécie de norma ter um apelido. Chamavam-me de Vado, Pescoço ou Valente. Valente eu nunca fui, pois o medo sempre foi meu companheiro por toda a minha vida. Ele sempre chegava à sede sorrindo. Que belo sorriso. Era olhar para ele e a gente se sentia bem e logo estava sorrindo como ele. Um bálsamo para a tropa.

                      Nos fogos de conselho bastava ele olhar para todos e sorrir e logo a tropa estava gargalhando. Ninguém nunca o viu triste. Seu rosto não demonstrava. Se precisasse de alguém que fazia questão do oitavo artigo da lei, Bocalarga seria ele. Um dia ele me contou que seu rosto era assim desde que nasceu, mas ele chorava e sofria muito com isto. Não dava para mudar sua expressão.

                           Lembro que um dia me procurou sorrindo. Mas quando falou seus olhos encheram-se de lagrimas. - Monitor, ele dizia. Meu pai foi preso. Dizem que ele era assassino, matava por dinheiro. Eu nunca soube disto Monitor. O que eu vou fazer de minha vida? Seus olhos vermelhos e seu sorriso era um contraste por aquela dor que ele sentia. O pai dele foi condenado a dezenove anos de prisão. Bocalarga continuou no Grupo Escoteiro. Não havia motivo para afastá-lo. Éramos um grupo de amigos e irmãos. O que aconteciam de ruim com os parentes para nós não tinha valor. O lema de um por todos e todos por um para nós era questão de honra.

                        Lembro-me quando fomos acampar na Pedra do Mosquito. Bocalarga era da patrulha touro e eu da Raposa. Como era uma subida íngreme sempre amarrávamos um cabo em uma corda comprida para segurar quem escorregasse e não caísse no despenhadeiro. Bocalarga não amarrou bem o cabo. Escorregou e caiu de uma altura de mais de quarenta metros. Não foi em queda livre. Foi batendo o corpo nos arbusto até que se estatelou no fundo.

                   Todos correram para ajudar. A corda serviu para chegar até ele. Ele gemia de dor, mas sua face sorria. Que coisa gente. Que coisa! Fizemos um Balso pelo Seio e ele foi içado. Mais dores ele sentiu e sorria. Levado ao hospital teve fratura exposta no joelho e em uma costela. Época que não sabíamos ainda como carregar feridos nestes casos. Eu mesmo o levei nas costas por um quilometro até a Fazenda do seu Damião. Usou muleta por muitos anos. Sempre sorrindo.

                 Sua mãe era costureira e resolveu ir embora para Monte Azul. Tinha lá uma tia e duas sobrinhas. Boca Larga não queria ir, mas ficar com quem? Na estação esperando o trem rápido da manhã, eu, Bocalarga e uma dezena de Escoteiros, calados não sabíamos o que dizer. Uma tristeza geral e Bocalarga sorrindo. Penso que ele dizia para si – Maldito sorriso. Meu coração sangra, não quero ir e não posso ficar aqui! Todos chorando e eu a sorrir?

                     O trem chegou de mansinho. Na plataforma fizemos um circulo. Cantamos para ele a Canção da Despedida. Todos chorando e Bocalarga sorrindo. Queríamos dizer que não era mais que um até logo. Um dia certamente tornaríamos a nos ver. O trem partiu. Ele na janela sorrindo. Vi em seus olhos as lagrimas caírem. Ficamos parados na plataforma até que o trem sumiu na curva do Boi Marinho. Voltamos tristes para casa. É muito difícil dizer adeus a quem está sorrindo, mas que sabemos estar chorando.

                     Oito anos depois o vi em Caratinga. Falamos por pouco tempo. Ele estava com alguns cavaleiros e pensei que trabalhava de vaqueiro em alguma fazenda próxima. Ele balançou a mão dizendo adeus com o sorriso de sempre, eu fiz o mesmo. Nunca mais o vi, mas guardei dentro de mim o seu sorriso de fel. Um sorriso que não era dele. Ninguém nunca soube que ele chorava ninguém. Quem ia acreditar? É, é mesmo difícil dizer adeus a quem está sofrendo.

Nota - Enquanto estava a escrever estas pequenas memórias me lembrei de uma frase: -... Se meus olhos mostrassem a minha alma, todos, ao me verem sorrir, chorariam comigo... ''.

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