segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Lendas Escoteiras. O estranho sem nome da Rua do Cravo.



Lendas Escoteiras.
O estranho sem nome da Rua do Cravo.

Nota - Não voltaria no tempo para consertar meus erros, não voltaria para a inocência que eu tinha - e tenho ainda. Terei saudades da ingenuidade que nunca perdi. Não tenho saudades nem de um minuto atrás. Tudo o que eu fui prossegue em mim.

                   Surgiu como um fantasma na Estrada dos Aflitos. Andava devagar sem pressa entrou na rua principal, atravessou a praça lentamente. Usava uma calça de gabardine azulada e desbotada. Um pulôver cinza cobria parte do seu corpo. Não deu para ver seu rosto, estava coberto por um chapelão de abas largas. Na igrejinha Bolonha o sacristão forçava a corda do sino com as primeiras badaladas da Ave Maria. O inverno chegava manso sem fazer alarde. Um frio cortante percorria a rua e a praça sinalizando uma madrugada aonde se prenunciava a chegada do frio.

                 As janelas estavam encostadas com uma fresta aberta para poder ver o Estranho que chegava. Impossível ver o rosto coberto com a aba do chapéu. A rua deserta os olhos escondidos esmiuçavam quem era o Estranho que chegava. Dobrou na Rua do Cravo e no número 17 entrou. Quem contou foi J. Pessoa, um mendigo que vivia nas ruas do Arraial vivendo da caridade alheia. Cidade pequena, não mais que 2.000 almas tudo era motivo de conversa, fofoca, disse me disse e mais nada.

                    Durante um mês ele não saiu e nem na porta chegava. A casa da Rua 17 pertenceu a Dona Joelma que morrera dois anos antes. Ficaram sabendo que fazia suas compras por um celular. O entregador colocava na porta e pagava com cheque na fresta da janela sem mostrar o rosto. Todos sabiam o que comia o que bebia, mas nada diferente de gente simples ou remediada. O falatório foi aos poucos sendo esquecido. Se o Estranho tinha nome ninguém sabia. O Cabo Marinho sorria quando lhe cobravam investigação – Ele não fez nada, se fizer eu usarei da minha autoridade!

                     – Dois meses depois pela manhã, um sol de rachar eis que surgiram seis rapazes dos seus quinze a dezessete anos de bicicleta, bem equipados e fardados de escoteiros. Não perguntaram a ninguém e nem tampouco pararam para conversar. Entraram na Rua do Cravo e no número 17 desceram entrando na casa do Estranho sem Nome sem bater. Naquele dia não saíram. Dormiram na casa por três dias seguidos. J. Pessoa rondava por perto para ver se ouvia vozes, qualquer coisa que pudesse vender a fofoca a troco de um prato de comida.

                        Ao meio dia da quinta feira partiram como chegaram. Nem no Boteco do Amadeu pararam para um café ou um doce. Três meses depois um carro adentrou no Arraial do Roncador e parou na Rua do Cravo em frente ao número 17. J. Pessoa de butuca tudo via tudo sabia, mas não tinha nada para contar. Ele viu dois homens de fisionomia alegre, também fardados de escoteiros entraram sem bater. Não ficaram muito tempo. Às oito da noite partiram assim como chegaram.

                       Interessante foi à donzela, linda e formosa, cabelos loiros, que ao sol brilhava, chegou no ônibus que seguia para Sol Nascente e com os olhos cheio de lagrimas soluçava. Seguiu sem cumprimentar ninguém direto para a Rua do Cravo no número 17. Estava vestida de azul, com um lenço verde e amarelo no pescoço, um bonezinho com duas estrelas e não olhou para nenhum morador. Interessante, ficou uma semana. Namorada? Esposa? Amante? Ninguém sabia nem mesmo J. Pessoa. Quando ela partiu foi a primeira vez que o Estranho sem Nome apareceu à porta acenando para ela com um sinal que ninguém sabia o que era, mas entre os fraternos se sabia que era Melhor Possivel.

                          J. Pessoa chegou perto demais para tentar ver o rosto do Estranho. Não deu para ver. Um boné de aba comprida tampava tudo. Viu seu corpo, magro quem sabe um metro e setenta. Parecia não ter mais que trinta anos. Viu que ele soluçava quando ela partiu. – Borrasca o entregador do Armazém do Grilo dizia que ele pagava com cheque. Sempre com uma gorjeta para ele. Os cheques nunca voltaram e o Senhor Grilo sorria em saber que diferente de muitos moradores da cidade que lhe deviam há meses e nunca pagavam o estranho era honesto e nunca lhe deu nenhuma preocupação nos pagamentos com cheque.

                       Interessante que o cheque tinha o nome de um banco Inglês e uns rabiscos. Sua assinatura era ilegível, mas e dai? Pensava o Senhor Grilo. O cheque caia e o dinheiro também. Oito meses haviam se passado com a chegada do Estranho. Já não era motivo de fofocas, de indagações e aos poucos o arraial incorporava o estranho como mais um dos seus moradores misteriosos.

                         O tempo no Arraial do Roncador não existia para os moradores e não era medido de nenhuma forma. Ninguem fazia nada. A poeira na rua aumentava. As chuvas da primavera ainda não haviam chegado. J. Pessoa desistiu de investigar o Estranho. Bolonha todas as tardes continuava a tocar seu sino anunciando as seis badaladas da Ave Maria. No rio Corrente as lavadeiras ainda fofocavam, mas o Estranho foi esquecido.

                        Um grito sutil de espanto percorreu todo o Arraial quando viram o Estranho partindo. Partiu as seis em ponto quando Bolonha começava a tocar seu sino na Igrejinha dos Anjos. Pela primeira vez viram seu rosto. Era um belo rapaz, olhos azuis, cabelos negros que se sobressaiam com o chapéu de abas largas solto nas costas preso por presilhas em uma tira de couro marrom na aba do chapéu. Estava fardado de Escoteiro. Parou no Boteco do Amadeu e ao entrar deu de cara com o Cabo Marinho e o convidou para um café. Pagou e foi direto ao Armazém do Grilo. Deu uma bela gorjeta para Borrasca o entregador. Sumiu na curva da estrada dos Aflitos e ninguém nunca mais ouviu falar dele.

                           Vadico O Mestre como era chamado era o único que tinha um computador no Arraial. Assustou e saiu correndo a contar a meio mundo a noticia que acaba de ler no Blog do Matador da Capital do Estado. – Dizia: - Foi preso Monte Cristo, pai de Anita, professor catedrático do Colégio Gentil. Ele confessou que em um momento de fraqueza violentou e matou Tutinha uma Lobinha do Grupo Escoteiro Local. Ela tinha ido acantonar e sumiu.

                           Todas as provas levavam ao Chefe Billy Grant, mas ele fugiu antes de ser preso. A Delegada Dayse Lustosa o procurava para dizer que o inquérito foi encerrado. Ele é inocente e livre para ir e vir. Uma foto do Monte Cristo mostrava um homem já Velho com barba por fazer. Mais embaixo a foto de Billy Grant. Era o Estranho! Explicações, rezas e perdão. Nunca podemos abandonar três grandes palavras que existem para acreditar: - A intuição, a inocência e a fé!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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