terça-feira, 27 de novembro de 2018

Contos ao redor da fogueira. Otávio.



Contos ao redor da fogueira.
Otávio.

Prólogo: - Você ganha forças, coragem e confiança a cada experiência em que você enfrenta o medo. Por isso tem que fazer exatamente aquilo que acha que não consegue. Fortes são aqueles que transformam lágrimas em sorrisos.

                  - Tentei escrever uma frase e não consegui. Apenas dei a ele uma saudação escoteira para mostrar a falta que ele iria fazer. Eu sei que a morte nada mais é do que uma despedida inesperada que não temos o poder de contestar ou evitar. Em pé tirei meu chapéu e fiz um breve aceno com a cabeça. As lembranças bateram forte na minha mente e uma dor esquecida veio machucar meu coração. – Olhei para ele no seu ataúde e falei baixinho: - Você vai fazer muita falta... Seria verdade? Afinal fomos da mesma patrulha, tínhamos os mesmos sonhos, andamos por lugares nunca antes imaginados e o destino deixou na porta da esperança uma partida brusca de alguém que sempre morou no meu coração.

                   - Dava vontade de gritar de chorar e dizer que toda despedida é um encontro que ficou pra depois. Mas quando? Lembrar-se do seu sorriso, do seu canto, dos seus cabelos soltos ao vento na subida do monte Pantaneiro com seu grito de guerra de uma patrulha que não sabia o que era medo. - Ele dizia que despedir não é dizer adeus, é apoiar e desejar sucesso para nova jornada que está apenas começando. – Meu irmão Escoteiro - Ele me sussurrou na entrada da Gruta do Ouro como se fosse contar uma história: - Não fique triste com a despedida. Ela é necessária para que possamos nos encontrar mais uma vez. – Onde? Na eternidade?

                  - Os soluços não paravam. O Chefe passou o braço em meu ombro. – Monitor, na melancolia da despedida a esperança do reencontro nos dá força para suportar a saudade. – Não prestei atenção no que ele dizia. Precisava rezar acreditar que tudo passa, pois até agora eu não sabia se a vida iria passar. – Deus! Se um dia eu estiver prestes a perder as esperanças como agora, me ajude a lembrar de que os teus planos são maiores que os meus sonhos e minhas amizades.  A cada despedida eu morro por dentro. A cada reencontro sinto que estou indo para o céu!

                - A hora chegou. Aquela meninada escoteira triste me ajudou a caminhar ao lado Dele até sua última morada. Eu sabia que não haveria volta. Eu sabia que tinha de aceitar, pois meu Chefe sempre disse que eu devia seguir firme na direção das minhas metas. Lembrei-me das palavras de um Chefe amigo: - Escoteiro, saiba que o pensamento cria, o desejo atrai e a fé realiza. Acredite, amanhã será um dia melhor! – E ele? Onde estaria agora? Ali no campo santo a ver seus amigos com coração partido sem rumo e sem saber aonde ir? – Eu chorava copiosamente.  

                 - Não cantei a despedida. Nem fiz uma saudação. Eu estava morrendo por dentro. Senti alguém por a mão em meu ombro. Ela uma jovem noviça sorriu como a adivinhar que eu precisava ser consolado. Olhei para ela com os olhos rasos d’água. Afinal eu era o Escoteiro e ela uma novata. – Com um doce sorriso disse para mim que nunca é tarde para pegar uma velha história de amizade e escrever um novo final. – Que o azedume alheio não iria me impedir de espalhar doçuras por aí. Meu irmão Escoteiro tempestades não duram para sempre!

                  Ah! Quanto tempo ele se foi? Parece que foi ontem. Não tenho mais patrulha, agora sou um Escoteiro do mundo. Minha vida mudou e Otávio nunca saiu dela. Eu sabia que o destino une e separa. Mas nenhuma força é grande o suficiente para fazer esquecer pessoas que por algum motivo um dia nos fizeram felizes. Nas águas cristalinas do riacho onde estava parece que o vi no remanso sorrindo e dizendo: - Meu amigo vou indo. Quando eu voltar, estarei de volta!

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Histórias da Jangal. A Trégua das águas.



Histórias da Jangal.
A Trégua das águas.

A Lei da Jângal – que é a mais velha lei do mundo – atende a quase todos os acidentes que possam acontecer para o Povo da Jângal. Código mais perfeito, o tempo e os costumes nunca fizeram. Mowgli vez por outra ficava impaciente com as constantes recomendações de Baloo, o urso pardo, que sempre lhe dizia: “Esta é a lei que vigora em nossa selva e que é antiga como o céu!”. Como o cipó envolve a árvore, a Lei do Lobinho envolve a todos nós. E depois que tiveres vivido tanto quanto eu, Irmãozinho, verás que todos os filhos da Jângal obedecem ao menos uma lei, e não vai ser um acontecimento agradável de se ver. 

Essa lição entrou por um ouvido e saiu pelo outro, porque o menino nunca tinha passado por nenhum problema sério. Mas chegou o dia em que as palavras do sábio urso se confirmaram: Mowgli teve oportunidade de ver toda a Jângal agindo sob o comando da Lei. Houve um ano em que as chuvas de inverno foram muito escassas. Mowgli encontrou com Ikki, o porco-espinho, que lhe avisou que os inhames selvagens estavam secando. 

E daí? – perguntou Mowgli. 
Nada, agora, respondeu Ikki, com os espinhos eriçados dum modo desagradável. Mais tarde veremos. Dize-me, Irmãozinho, ainda aparece água na Roca das Abelhas?
Não. Ela esta se indo toda, mas não tenho nada com isso, respondeu Mowgli.
Mau pra ti, rosnou Ikki saindo. Mowgli contou a conversa ao urso. Baloo assumiu uma expressão preocupada porque estava notando que polegada a polegada, o asfixiante calor invadia o coração da Jângal. Estorricava-se a vegetação, lagoas esgotavam-se, transformadas em lameiros. Pressentindo o que estava por vir, pássaros e macacos já tinham emigrado para o norte, cerdos e veados mais se aproximavam das aldeias dos homens, que também sofriam com a seca. Só Chill, o abutre, engordava. Como havia carniça! 

Mowgli que ainda não conhecia o verdadeiro sentido da palavra fome precisou recorrer ao mel azedo, de três anos de idade, das colmeias abandonadas e também aos vespeiros, atrás de suas ninfas para saciar-se. Todas as criaturas da Jângal tinham a pele sobre os ossos. O pior, porém era a falta de água. O calor aumentava sempre, fazendo desaparecer toda a umidade. Por fim o Waingunga, já muito baixo, tornou-se a única reserva de água a correr na Jângal. Quando Hathi, o elefante selvagem, viu aparecer no centro do rio Waingunga um banco de pedra grande, seco e azulado, percebeu que estava olhando para a Roca da Paz e, como seu pai havia feito cinquenta anos antes, levantou a tromba para proclamar a Trégua das Águas: e a partir desse momento ficou proibido matar nos bebedouros, porque beber é mais importante que comer.

A seca foi piorando: os búfalos já não encontravam pântanos para se refrescar, nem pasto para se alimentar; as cobras já haviam deixado a Jângal para os rios que também estavam murchos; as tartarugas de rio tinham acabado muitas delas nos dentes afiados de Bagheera; e a Roca da Paz cada dia se mostrava mais comprida, qual o dorso de uma cobra. Mowgli, com sua pele nua deixava transparecer todo o seu padecimento: tinha os cabelos descorados e ressecados pelo sol, suas costelas pareciam vimes dos balaios feitos pelos homens, suas pernas e braços pareciam bambus, onde seus joelhos e cotovelos eram os nós, mas mantinha-se com o olhar firme e calmo, recomendação de Bagheera para que não perdesse o sangue frio. 

Certo dia vinham os dois conversando com o urso e os lobos sobre os tempos difíceis e como eram grandes caçadores, já que o menino corria atrás de ninfas dos vespeiros e nossa pantera havia atacado um boi na canga... E resolveram ir reunir-se com os outros animais na margem do Waingunga, de onde se avistava a Roca da Paz. Lá estava Hathi, o guardião da Trégua das Águas, tendo ao redor seus filhos, magérrimos, com as pelancas rugosas ainda mais ressaltadas, os veados, porcos-do-mato e búfalos, quando Shere Khan chegou até ali e meteu seu focinho na água, para beber. 

Que coisa abominável é essa que nos traz? – Mowgli perguntou ao tigre manco, enquanto observava manchas escuras e oleosas que flutuavam na água, a partir do ponto onde ele bebia. 
Um homem! – disse friamente Shere Khan – Faz uma hora que matei um homem.
Entre os animais se produziu um silêncio profundo que logo se transformou em murmúrio e terminou virando um surdo clamor. 
Você não tinha outra caça disponível? – perguntou Bagheera. 
Não o fiz por necessidade, mas por gosto – e acrescentou sem dar tempo às queixas dos animais – agora quero beber tranquilo; alguém se atreve a apresentar alguma objeção?

Você matou pelo prazer de matar? – perguntou Hathi, que se mantivera em silêncio até aquele momento. 
Isso mesmo – respondeu o tigre, que sabia muito bem que quando Hathi perguntava o melhor era responder prontamente. – Era meu direito, pois esta noite é minha. Você sabe.
Sim, eu sei – disse Hathi – você já bebeu tudo o que necessitava, agora dê o fora. O rio é para beber, não para sujá-lo. Somente o tigre manco pode ostentar o seu direito nesta estação em que sofremos todos, tanto os homens como o povo da selva. Volte para o seu covil, Shere Khan! 

As últimas palavras soaram como trombetas de prata e Shere Khan, sem pronunciar o menor rugido, se levantou e afastou-se imediatamente. O silêncio que se seguiu só foi interrompido depois de alguns minutos pela voz respeitosa de Mowgli.

Que direito é esse de que fala Shere Khan? – perguntou alto, para que Hathi pudesse escutá-lo.
É uma história antiga, quase tão velha quanto à própria selva. Se quiserem escutá-la, fiquem todos em silêncio, os que estão nesta margem e os da outra, e eu lhes contarei. Então Hathi lhes contou uma velha história, tão velha quanto à selva e que descreve como o medo se apoderou dos seus habitantes. Mas isso é uma outra história...

domingo, 25 de novembro de 2018

Lendas Escoteiras. A dança da morte.



Lendas Escoteiras.
A dança da morte.

Prefácio: - Gostam de histórias de terror para contar a sua tropa? Esta quem sabe seria uma boa pedida. Escoteiros acreditam na bondade e na fraternidade. Alguns jovens gostam de um filme cheio de sustos. Escrevi esta história pensando em um fogo de conselho, um Chefe contando e eles de olhos arregalados pensando que histórias de terror não fazem bem. Divirtam-se!

                Os ponteiros do relógio se aproximavam da meia noite. Em volta do fogo eu Tomazo e Toninho Caixão. Sinceramente? Ele me dava arrepios. Adorava uma história de terror. Não perdia uma oportunidade para tirar do tumulo as almas do outro mundo. Adorava visitar o cemitério da cidade. Era Sênior da Patrulha Cova Rasa. Isto mesmo. Brigou com todos para ter este nome. Dizem que era um bom Escoteiro e a chefia o respeitava. Olhou-me enviesado. Sentado a moda índia não tirava os olhos para o fogo – Vado! Eu conheci Nando. Olhei para ele de soslaio. Sabia que aí tinha treta. Tinha susto tinha capeta. Sei que não vai acreditar, mas nunca achei que ele chegaria a tanto. Se chegue, se sente se estique, pois esta história eu faço questão de contar...

                  - Nado sempre ouviu falar em Deus. Sua mãe exigia a reza em casa, confessar uma vez por mês e ir à missa todos os domingos. Nando queria falar com Deus, mas ele nunca o atendeu. Entrava em igrejas, em templos em busca Dele e nada. Ficou cinco dias no monte Chaparral olhando as estrelas procurando um sinal. Nada. Resolveu jejuar por um mês e ver se Deus iria aparecer. Nada. Nando desistiu. Esse Deus não existia. Se Deus não existe quem sabe o Demônio? O Capeta? Ia provar que ele também não existia. Mas para isso teria que fazer a invocação com a Dança da Morte. Havia lido sobre ela. Horrenda, alguém tinha de morrer para ela existir. O que iria fazer seria horrível, mas valeria a pena provar que o inferno não existia. Nando era magrinho, cara de “fuinha” na escola o chamavam de “porquinho da índia”. Alugou um sitio próximo a cidade. Avisou seus pais que iria fazer uma viagem de um mês para não se preocuparem.

              Conhecia Safira, menina magrinha, treze anos, muda e morava com a avó próximo a sua casa. Safira pouco saia de casa. Olhos pequenos, cabelos escorridos, aparência comum. Nando a raptou quando ela ia a padaria comprar pão. Fazia isso toda a manhã. Colocou-a em seu fusquinha e partiu para o sitio que alugou. Comprou éter e com um lenço viu Safira desmaiar. No sitio, tirou sua roupa e a deixou nua. Pequena, magra, treze anos não possuía nenhum atrativo sexual. No quintal colocou-a dentro de um tanque de agua fria, amarrou seus braços abertos em duas estacas fincadas ao lado do tanque com cordas finas. Ela não tinha como levantar e teria que ficar dentro da água só com a cabeça para fora. Safira quando acordou estava horrorizada. Abria a boca e só saia grunhidos. Seus olhinhos saltavam como se fosse fugir. A dor era incrível.

               Tentava gritar, pedir ajuda, implorou com seus olhos assustados.  Ele com um canivete cortou varias lascas finas de bambu. A cada hora enfiava uma lasca em uma parte do corpo dela. Gargalhava, louco vociferava chamando os demônios. Gritava quando o sangue vermelho dela se mistura com a água do tanque. No segundo dia desmaiou. Com um pequeno alicate, arrancou duas unhas de sua mão direita. E duas do pé esquerdo. A dor era demais. Safira gemia horrorizada tentava gritar era muda não tinha voz e nem um grito se ouvia. Desmaiava e acordava. Uma dor tremenda. Não entendia o que estava acontecendo.

                 À noite Nando ficou nu. Pintou-se de preto. Matou um galo que tinha comprado. Espalhou as penas e o sangue em cima de Safira que estava desmaiada. Sem socorro Safira iria morrer em pouco tempo. Não aguentava mais de tanta dor. A meia noite Nando começou a gritar cacarejara e levava as mãos ao céu dizendo: – Apareça demônio! Mostre sua força! Mostre que você existe! Onde está você demônio dos infernos! E gargalhava como um louco. Dançou por muito tempo a Dança da Morte. Safira acordou assustada. Viu aquela visão dos infernos e pediu a Deus para levar sua alma para o céu. Safira horrorizada via aquele louco, aquele satanás gritando e dançando a dança da morte.

                  Olhe Chefe disse Toninho Caixão. Se não fosse Estônio um Chefe Sênior nem sei o que teria acontecido. Uma noite ele acordou assustado. Dois dias como o mesmo pesadelo. Estônio era investigador de polícia, casado com dois filhos homens. Um de três e outro de cinco anos. Amava os escoteiros. Sentia-se bem quando estava uniformizado. Amava sua profissão e dos meninos e meninas da tropa quando pediam para ele contar historias de bandidos. Considerava-se um bom policial. Nunca abusou e nunca deixou de cumprir suas obrigações dentro da lei. Seu pesadelo o levava sempre ao mesmo sitio que ele não conhecia. Uma menina indefesa na mão de um maníaco. Teria que ser verdade. Isso só podia ser um sinal de Deus. Teria que descobrir onde era o tal sítio. Sem querer comentou com os monitores seu sonho. Estava preocupado.  Rildo um dos monitores lembrou que seu pai alugou um sitio para um homem por um mês somente.

                  Junto ao pai de Rildo ele foi ao sitio. O que encontraram lá era uma verdadeira história de terror. Nunca imaginaria algum parecido. Ele pensava que era um bom policial, temente a Deus e já tinha trocado tiros com bandidos da pior espécie. Mas o que viu deixou-o estarrecido. A maldade não poderia chegar a tanto. Tinha visto muitas coisas na sua profissão, mas o que viu superava tudo. Ainda encontraram Safira com vida dentro do tanque. Desmaiada, machucada, mas respirava. Em volta pedaços de corpo de um homem todo queimado. Tinha sido esquartejado. Seus membros fediam. Acharam sua cabeça fincada em um bambu. Sua língua para fora mostrando que morrera gritando horrorizado. Todos os membros cortados, lascas de bambus pontiagudos. Nas duas mãos e nos dois pés todas as unhas arrancadas a alicate.

                Nando ficou estarrecido. Depois que a ambulância levou Safira, viu uma porteira saindo fumaça como se estivesse queimando. Foi até lá. Viu escrito a fogo nas taboas e o que leu gelou suas veias. Estarrecido imaginou o que poderia ter acontecido ali. Dizia: – “Não se preocupem. Ele queria me ver, duvidava de mim. Ele agora vai morar comigo. Lá no meio dos infernos e vai queimar comigo para sempre” assinado o “Demônio”.

               - Fui dormir. Toninho Caixão ficou em volta do fogo sozinho. Olhei para ele que sorria com os olhos esbugalhados. Nunca esqueci esta história. Contei uma vez em um final de Fogo de Conselho. Todos adoraram, mas ninguém dormiu naquela noite. Até hoje me perguntam se foi verdade. Só respondo para perguntar ao Toninho Caixão. Ele sim sabe da verdade!

Contos de Fogo de Conselho. Um milagre chamado Amizade!



Contos de Fogo de Conselho.
Um milagre chamado Amizade!

Prefácio: - Há um milagre chamado “Amizade”. Você não sabe como ela aconteceu ou quando começou, mas você sabe a alegria que ela traz e percebe que a “Amizade” é um dos dons mais preciosos que o ser humano possui.

                     Nunca esqueço aquele mês de maio de 1961. Desci do Trem na Estação Intendente Câmara pela manhã, o burburinho de gente indo para todo lado, vendedores de doces, salgados e um pastel de carne me chamou a atenção. Quanto? – Dois reais. Leve três e pague dois! Estava com fome, meu dinheiro era pouco, mas não sabia o que ia passar naquele dia. Sentei em um banco de madeira e rememorando meu passado comi os pasteis devagar saboreando cada pedaço.

                    Do Outro lado da linha, o bulício da Usina, arfante na sua montagem com um futuro promissor.  A estação esvaziou. O Chefe da Estação me informou onde ficava o Escritório Central da Usina. Eu era um novo contratado da Usina Siderúrgica de Minas Gerais. Desempregado há mais de um ano precisava trabalhar. Deixei minha vida de vendedor de livros em Belo Horizonte e a procura de novos horizontes ali estava sentado em um banco comendo pastel...

                   Atrás da estação uma estrada, nua, esburacada, empoeirada... Nada dos prédios suntuosos da usina, só vi ao longe uma espécie de armazém de madeira, enorme com uma fila de homens também enorme dando volta em matos espigados e lá fui eu, pisando na terra seca, vento soprando poeira no ar sem saber o que seria o meu futuro dali a alguns anos. Fichado, pés nos costados, agora era achar meu alojamento e no dia seguinte me apresentar ao gerente no Alto Forno número um! Uma saga que um livro inteiro não daria para contar!

                   Aprender... Conhecer... Tentar fazer amigos e compreender minha nova função de programador de alto forno. Eu programador? Era um mero anotador de horários, vendo o gusa liquido cair em uma panela espécie de vagão e depois ligar para a Aciaria e perguntar se chegou... Escoteiro? Você? Já ouvi falar... Era Raimundo, estava ali há seis meses. Foi meu mentor, meu mestre, meu Monitor. – Vado, você precisa conhecer o Carlos só fala escotismo e é um amigo onde moro e durmo na Candangolãndia!

                  Carlos, meu amigo, meu novo irmão escoteiro. Ficamos inseparáveis... Dois jovens meninos escoteiros metido a homens passando horas e horas contando suas nuances, seus percalços, suas idas e vindas em serras distantes, seus amigos de Patrulha que ficaram para trás... Fomos morar em uma pensão, em Melo Vianna, na época distrito de Cel. Fabriciano. Precisávamos fazer escotismo, ele escoteiro Lis de Ouro e eu um mero Primeira Classe...

                 Pelas nossas mãos surgiu o Grupo Escoteiro Tapajós, ele Chefe de Lobos, eu de Escoteiros. Um salto no tempo, Grupo Grande, chefia coesa, Padre no meio abençoando, eu olhava para ele, ele para mim... Vado... Ele dizia... Conseguimos. Cantávamos junto à canção do grupo: “Eu sou um bom escoteiro, ouçam bem a minha voz, vivo alegre o dia inteiro... Pois pertenço ao Tapajós”!

                 Juntou-se a nós o Zé Pedro, o Zé Pontes... O Venâncio, o Odair, cursados escoteiramente na capital, fazendo escotismo naquele pedaço de chão. Amigos... Tempos passaram amizade aumentando, casei, veio à revolução de 64. Pego desprevenido na capital aproveitando uma folga. Soldado prá todo lado. Sem ônibus, sem trem, sem nada para voltar. Um dois três dias e voltei. Chico Mulato motorista de Taxi: - Vado! Cuidado a policia está atrás de você, levaram o Carlos para o DOPS na capital!

                 Padre Júlio com os olhos vermelhos contou: - Disseram que ensinamos aos meninos comunismo. Lenço Vermelho e Branco. Não pode! Quem disse? – Vado, acho que foi o Lourenço, Juiz de Paz! Uma semana, duas o Carlos voltou. Cabeça baixa, acabrunhado, revoltado. – Vado! Olhe o que fizeram comigo! – Arrancaram-me duas unhas de cada mão com alicate! Colocaram-me pendurado de cabeça para baixo, fizeram o “diabo”... Deus do céu! Revolução? Alcaguete, dedo duro, destruiu uma vida de sonhos...

               Fui demitido da Usina. Carlos voltou para Juiz de Fora sua terra natal. Uma semana depois morreu dirigindo seu Karmann Ghia com uma carreta passando por cima do seu carro que comprou com tanto sacrifício. Hã... Vida que te quero viva, vida que vivo todo dia... Talvez um dia... Vida que vivo a minha; 

              Histórias para cantar, Grupos Escoteiros que rodei acampamentos que viajei terras que conquistei sem ser um desbravador! Amigos tantos amigos que ficaram na história de um Velho Chefe Escoteiro que nunca os esqueceu! E o Velho Primeira Classe perdeu sem amigo Lis de Ouro dos belos tempos de outrora!

              Ah! Quantas histórias. Quantas lembranças. Umas ficam marcadas e a gente quando lembra a saudade bate fundo e os olhos ficam molhados como a lembrar de um passado que valeu. Escotismo é assim, traz amigos que entram em nosso coração e ali ficam para sempre!   

                Apenas um relato de um fato de uma lembrança que a gente não quer esquecer. Não é uma história, é apenas um relato de dois amigos que se conheceram, viveram por alguns anos juntos e o destino os separou. Três anos e meio e a amizade parece que veio da eternidade. A vida é assim, uns vão e outros ficam, mas o destino tem um final que ninguém conhece, mas sabe que vai acontecer!

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Conversa ao Pé do Fogo. A arte do aconselhamento.



Conversa ao Pé do Fogo.
A arte do aconselhamento.

                Há tempos visitando um Grupo Escoteiro fui procurado após o final da reunião de Tropa Sênior por uma guia e um sênior.  – Olharam para mim e disseram: - Chefe Fale alguma coisa bonita para nós!

                Pensei comigo sem me dirigir a eles o porquê me procuraram e não o seu chefe Sênior. Quem sabe pela minha idade queriam respostas e não um aconselhamento. - Sorri. Falar o que? Onde estavam as palavras? Eu não os deixaria sem uma resposta. Nunca me neguei a falar o que sinto o que penso sem ofender a quem quer que seja.

            - Sem forçar a voz, disse baixinho para que só eles pudessem ouvir: - Dizer o que para vocês? O que esperam de mim? Meus jovens amigos fico em duvida o que desejam ouvir, saibam que para toda malícia, tem uma inocência. Para toda chuva, tem um sol. Para toda lágrima, tem um sorriso. O mundo fica mais bonito quando a gente carrega coisas boas no peito e no coração.

           - Olhei bem fundo nos seus olhos de ambos e continuei: - Ser bondoso é como plantar um sorriso a cada instante. Se o coração de vocês estiver doendo sorriam, mesmo que ele esteja partido quando há nuvens no céu vocês sobreviverão... Se vocês apenas sorrirem com seu medo e tristeza talvez amanhã irão descobrir que a vida ainda vale a pena. Ilumine sua face com alegria esconda todo rastro de tristeza embora uma lágrima possa estar tão próxima, este é o momento que vocês têm que continuar tentando Sorrir. Afinal para que serve o choro? Vocês descobrirão que a vida ainda vale a pena se vocês apenas... Sorrirem!

         - A Guia me olhou espantada sem saber o que dizer. Não sei se era isto que ela esperava. Mas foram tão curtos na pergunta que eu respondi a minha maneira pensando atingir o ego e o pensamento de cada um.

         – Olhe minha simpática Guia, não perturbe o seu coração com problemas da sua cabeça. Que a gente saiba agradecer o pouco para que possamos merecer o muito. Saiba que quando a gente acha que sabe todas as respostas, a vida muda todas as perguntas. – E completei finalizando: - Não esqueçam que um bom vencedor é aquele que planeja seus passos sem pisar em ninguém.

         - Ambos se foram calados sem comentar minhas palavras. Não sei se me fiz entender. Costumo dizer o que penso sem subterfúgios. Procurei o Diretor Técnico, agradeci pela acolhida, dei nele um abraço, um até logo e parti para minha residência bengalando com calma para não cair nas ruas da minha cidade.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Lendas Escoteiras A cruz do meu destino.



Lendas Escoteiras
A cruz do meu destino.

Prefácio: - Um conto de ficção sobre o vício das drogas. Quem sabe um alerta para nossos jovens e uma viagem no mundo dos traficantes que residem em pontos escolhidos na cidade. Não espere um final feliz. Não espere que tudo seja apenas um conto de fadas sem o dedo do lado mau de Merlin. A vida não é justa, mas é nós quem decidimos para onde vamos. Não leia se espera uma história adocicada com açúcar de cristal.

                    Quando fiz quinze anos ainda tinha esperanças, sonhos e acreditava no mundo bom e na Tropa Sênior encontrei muitos amigos. Dizem que precisamos ter sorte na vida para ela nos sorrir sempre. Nunca acreditei nisso. Acreditava em escolhas, pois estas decidem nosso destino. Afinal minha mãe sempre dizia que livro arbítrio todos tem, mas saber o caminho certo era preciso cair muitas vezes para aprender. Fiquei três anos como escoteira. Quando fiz a promessa chorei. A emoção era demais. Jurei para mim mesmo que iria seguir a lei escoteira. Nunca repeti o ano, boa aluna e tinha uma plêiade de amigos escoteiros que achava seriam para sempre. A vida da volta eu sei. Venâncio apareceu em minha vida. Menina escoteira me entreguei a ele. Todos diziam que aquela não era minha vida, Venâncio com seus 22 anos nunca seria meu príncipe encantado.

                     Não sei se ele foi o culpado de tudo. Afinal eu mesmo menina com quinze anos, Monitora da Tigre devia saber onde pisar mesmo sabendo que é errando que aprendemos. Chefe Leonor me deu tantos conselhos que passei a não ouvir mais. Minha mãe desesperada adoeceu e um dia a internaram em uma casa de repouso. Disseram-me que era para sempre. Venâncio me acalentou. Disse que eu não preocupasse. Ele seria meu esteio para toda a vida. Um dia descobri que estava grávida. Venâncio franziu a testa e insistiu que eu fizesse aborto. Não fiz. Venâncio sumiu da minha vida. Foi Franciele quem me deu apoio. Sub Monitora sempre fomos grandes amigas. – Vamos enfrentar juntas ela disse.

                     Já estava no sexto mês de gravidez. Ramirez apareceu em minha vida. Não sei explicar como. Convidou-me para fumar o baseado. Insistiu tanto que experimentei. Tossi muito, mas este primeiro foi o começo de tudo. Não sei se Ramirez era um ingênuo ou uma má companhia. Descobri depois que era traficante e eu o ajudava. A Lei do Escoteiro que um dia jurei em cumprir foi esquecida. Meus amigos e irmãos escoteiros ficaram no passado. Lembranças dos acampamentos, das excursões dos jogos dos sorrisos quando caiamos na lama da estrada foi esquecido. Não ia mais a escola, A Chefe Leonor tudo fez para me ajudar, mas eu não queria ouvir. Um dia me disse que estava suspensa. Aproveitasse para colocar a cabeça no lugar e pensar o que estava fazendo da minha vida.

                     Ricardo nasceu sem eu saber. Tanto drogada que nem vi me levaram para uma casa vazia e lá outros drogados fizeram o parto. Até hoje não sei onde meu filho foi parar. Era perita em usar a seringa. Nunca me preocupei quanto custava meu vício. Meu corpo era o caixa eletrônico que eu nunca tive. Lico Boca Torta drogado como eu me ajudava. Um dia contei para ele meu passado, o escotismo que amei e minha promessa que não cumpri. Ele era bom ouvinte. Rosangela apareceu em minha vida. Assistente Social tentou me convencer a me internar. – Joelma, a Cracolândia é como um cemitério de mortos vivos. Tente, faça força, você pode recomeçar.

                    Eu sabia que a droga estava me matando. Sabia que os traficantes só queriam dinheiro. Como reagir? Não entendia o que Rosangela queria dizer. Foi então que Deus apareceu em minha vida. Rosangela me procurou com o uniforme escoteiro. Chorei. – Você é Chefe? Ela sorriu. Abraçou-me. Cantou para mim canções que há tempos não ouvia. Cantou o Stoldola, a Árvore da montanha a canção da Promessa que me fez chorar copiosamente. Não sabia o que pensar. Se eu morresse ali, sabia que ninguém se importaria. Não tinha mais vida, não tinha família, não tinha amigos. Era uma maldita prostituta drogada sem futuro. Agora um anjo escoteiro queria me ajudar. Minha mente não sabia o que dizer.

                   Rosangela todos os dias ia me visitar. Ficávamos juntas conversando. Trazia comida que não parava mais em meu estomago. Pesava menos de 45 quilos. Estava pele e osso. Ela trazia roupas que eu vendia, trazia comida que eu trocava em troca do crack. Ela nunca desistiu. Um dia me disse que errar era humano persistir no erro era burrice. Olhou-me, me abraçou e disse: - Não vou mais insistir com você. Pela última vez quer ir comigo? Lembrei-me daquele fogo de Conselho onde o Chefe Mano Velho contou aquela história de Mariana que soube dar a volta por cima. Fui com ela para uma clinica. Exigiam muito. Pensei em fugir, mas Rosangela sempre ao meu lado. Não foi fácil. Meu corpo tremia febre alta, garganta seca, estava sendo envenenada e não sabia.                                         

                  Com uma semana diminuiu um pouco aquela vontade louca de me drogar. Mas estava longe de alcançar o ideal para me curar. Rosangela era incansável. Um dia uma surpresa. Norma, Daiana, Flores e Rebeca vieram me visitar. Foram da minha patrulha e estavam de uniforme. Chorei demais. Precisava dar um rumo a minha vida. Precisava recomeçar. Nunca perdi a fé, a vontade de vencer e cumprir a Lei voltou. Afinal eu devia fazer o Melhor Possível e isto não era difícil. Dois anos depois me senti curada. Rosangela conseguiu um emprego para mim como vendedora em uma loja. Ainda não voltei para o grupo de Escoteiros. Sei que não serei aceita por todos. A fama de drogada não é fácil de tirar.

                    Conheci Murilo e nos casamos. Não foi amor à primeira vista. Quem sabe a espiritualidade o mandou para me ajudar a caminhar novamente. Nunca mais soube onde andava o filho que perdi. Não digo que recuperei de tudo. Noêmia nasceu para alegrar a nossa vida. Vez ou outra visito o grupo de Escoteiros. Tanto tempo se passou que poucos ainda se lembram do que eu passei. Ainda rezo pelos amigos da Cracolândia com que convivi por tantos anos. Pensei em voltar lá e tentar ajudar um ou outro. Mas tenho medo. Sei que não é fácil abandonar o vicio. Muitos já terão morrido. Outros irão morrer logo. Sei que Deus na sua suprema bondade irá amparar a todos. Agora tento uma nova vida. Um novo recomeço. Pois assim é a vida. Nascer, viver, morrer. Nascer de novo, pois esta é a lei!

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Lendas Escoteiras. A morte do bandido Gaudêncio Cicatriz.



Lendas Escoteiras.
A morte do bandido Gaudêncio Cicatriz.

Nota - “Há ruídos, vozes e murmúrios estranhos, povoando a solidão, da selva misteriosa”. É a oração das almas, dos pagés ou os borés. Soprados pelos espíritos dos guerreiros ou o canto das virgens índias Rudá. Deus do amor ou os gritos do Anhagá! (terra grande de Lindolfo Barreto).

               - Venha Chefe se assente, aproveita o fogo quente, pois este inverno vai ser de lascar. Se quiser tome um cafezinho, esquente a goela, vale a pena para enfrentar este frio que está a gelar. Na lata do doce de mamão, tem biscoito, bolo de agrião, torta de avanhagá. Portanto não se faça de rogado, você é meu convidado e nesta fogueira pequena muitos causos eu vou contar. Mas não só eu, pois se você tiver um “contozinho” está livre para narrar.

                 São noites como esta que nos fazem lembrar-nos dos tempos que já se foram, das noites de acampamentos, das viagens contra o vento, portanto se assente, sorria, divirta e preste atenção, pois histórias Escoteiras nunca perdem o lugar. Agorinha mesmo eu pensava, em uma patrulha falada, que correu mundo e viram tantas coisas que um dia ficou famosa, eita patrulha formosa das bandas lá do sertão. Já dizia o seu lema, Patrulha vai com calma, o luar é a luz do sol que está dormindo, não deixem ele acordar.

                    Tunico, Paulinho e Nonato, eram um triunvirato mateiro e como bons escoteiros em pouco tempo e em qualquer lugar sabiam fazer um abrigo, daqueles que não temiam o vento, a tempestade, a força da chuva molhada. Janílson o monitor completava os quatro amigos, que não se faziam de rogados quando iam acampar. – Acho que foi Tunico que contou da festança que ia acontecer na cidade do Odorico, aquela do cemitério que defunto não tinha lugar. Isto tinha acontecido há muito tempo atrás.

                  A cidade agora todo ano, pipocava de festejos, comida farta, as moçoilas na praça a passear e querendo namorar. O Padre da procissão na Igreja lotada fazia a turma rezar. – Porque não ir lá? Vai ser de rachar e quem sabe uma nova aventura vai começar? O Conselho da Tropa Sênior aprovou. Coloque na ata disse Janílson, e não se esqueçam de assinar. Tropa Sênior? Bem eram quatro somente, dizem que Escoteiro não mente, pois onde tem um Sênior ele faz a Tropa funcionar.

                   Partiram de madrugada. A ideia era chegar lá à tardinha, menos de doze léguas não era longe o lugar. Na subida da Serra do Berimbau eles avistaram uma manada de homens maus. Quem seriam? Devem ser vaqueiros do lugar. Um monte, um punhado deviam ir à cidade rezar. Passaram por eles na curva do Sol Poente, fizeram a saudação disseram tchau e seguiram em frente. Às cinco da tarde chegaram. Odorico não era grande, três ruas calçadas de pedra sabão uma praça de aluvião, toda incrementada e na igreja cheia o povo rezava.

                 Barriga roncando de fome. A quem procurar para esquentar pança? Um homem bigodudo deu as boas vindas, e perguntou: - Pança cheia ou vazia? Lá foram eles na casa do prefeito para jantar. Sujeito bom e direito sempre a bater no peito: - Esta é minha cidade aonde um dia vão me enterrar! Barriga cheia demais comeram até fartar. O sol já ia se pondo, na Serra do Maribondo e a Patrulha Estrela não querendo fazer besteira lá foram eles para a praça paquerar.

                         Tunico e Paulinho foram até o campinho e as barracas em minutos estavam prontas para morar. Voltaram logo prá praça, meninas cheia de graça, Nonato e Janílson rodeados de moçoilas bonitas, com seus vestidos de chita, cabelos longos jogados para trás. Eita vida boa de Escoteiro, um olhar sempre treteiro, Tunico namorava Maria, Paulinho com Janaina, Nonato com Sebastiana e Janílson com Isabel com seus lábios cor de mel.

                        E viva Baden-Powell pensavam se não fosse o general não teriam cabedal para tão belas “guapas” namorar. Contavam suas façanhas, nem deram em suas entranhas que entrava no lugar os cavaleiros que passaram por eles bem rentes na curva do sol poente. - Devem vir para a festança, quanto mais melhor. Sejam bem vindo turma, mesmo não sendo escoteiros viajantes bem ligeiros são bem vindos no lugar.

                E eis que um corre, corre acontece. A tarde se foi anoitece. O prefeito chegou esbaforido falando espavorido pé na taboa escoteiros, pois esta bandidada vai tomar conta do lugar. Não dava mais prá correr e até o anoitecer ficaram presos no lugar. As moçoilas chorando a rodo, famílias se consolando, bandidos avançando tomando o rico dinheirinho do povo do lugar. Passa a carteira sô moço! Se me matar de desgosto te mando para aquele lugar.

                Tiraram a calça do delegado, que por sinal um folgado, um tiro pipocou no ar. O delegado caiu, e suas calças sumiu. Pelado dançava tango, fazendo graça para o bando e depois ficou a chorar. O povo todo na praça, ninguém a mostrar que tem raça. Cada um se defendia, seu dinheiro escondia mais eis que de repente um tiro silvou o ar. Gaudêncio Cicatriz, que já escapara por um triz, levou um balaço na testa e sem fazer nenhuma festa caiu de maduro no ar.

                Os capangas de Gaudêncio, chorando tirando o lenço ameaçavam matar, quem foi? Estavam a perguntar. Ninguém soube ninguém viu. Nesta hora a escoteirada sumiu. Em menos de uma hora, temendo levar um pito, atravessaram correndo toda a serra do cabrito. Seis horas pedalando, lá iam eles cantando. Que aventura danada, vamos contar prá escoteirada que na cidade de Odorico, deixamos fama no lugar.

                “Eita” turma da estrela cadente, não perderam nenhum dente, e toma sossego agora, rezem prá Nossa Senhora, conseguiram escapar e tudo ficou anotado, A ata escriturado e depois bem assinado, para postergar no presente e claro no futuro também. Dizem que Sênior não chora, só pede ao Santo Expedito, gente boa não é mito, proteger a turma escoteira, que não tem mais pasmaceira quando contam da cidade. Cidade do Odorico, cemitério de cabrito, defuntos ali não tem vez.

                  E agora meu amigo, em volta do fogo amigo. A história da cidade de Odorico, em volta deste “foguito” já contei o que ia contar. Agora é sua vez de narrar. Conte agora uma história, para ficar na memoria, pois sei que não carrega andor, és bamba e de historias sei que é um bom contador. É bom demais conversar, ao pé do fogo contar, belas histórias ligeiras, como aquelas Escoteiras que todos adoram contar.

                 A lua no céu sorria, ao amanhecer sabia que de novo ia encontrar o seu amado sol, cantando rataplã do arrebol! As fagulhas coloridas, vão para o céu sofridas, agora quem conta é você, ou quem sabe uma canção, eu não vou dormir agora, não passou da minha hora, que vai meu boa noite, durma bem e até mais!

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A história de uma flor. Apenas uma flor... Sem nome.



A história de uma flor.
Apenas uma flor... Sem nome.

Prefácio: “Escoteiro Escoteira! Saiam da sede, vão para o campo, aproveitem o sol e tudo o que a natureza tem para oferecer. Tentem capturar a felicidade que há dentro dos escoteiros. Pense na beleza que existe em tudo ao seu redor, e sejam felizes. A beleza continua a existir mesmo no infortúnio. Se procurá-la, descobrirá cada vez mais felicidade, e recuperará o equilíbrio. Uma pessoa feliz tornará as outras felizes; uma pessoa com coragem e fé nunca morrerá na desgraça”.

                Um acampamento volante. A pé, coisa de dezoito quilômetros. Devagar sem correr. Apreciando cada passo, cada nuvem no horizonte. Sentir e ouvir o chilrear dos pássaros voando no ar. O prazo foi calculado, três paradas três noites. A patrulha sorria na estrada. Estradinha linda gramada. Desconhecida. Nunca passamos ali. Não era nosso primeiro houve outros. Alguns assim e assim e outros menos ou mais ou menos assim. Coisas de aventureiros, de uma turma de escoteiros que só querem descobrir onde o sol se escondeu o horizonte.

              O rumo foi calculado, passo duplo bem armado, se preciso um passo Escoteiro, pois todos são bem mateiros. Um riacho cantante ao lado, coisa já bem calculada, sempre um riacho a acompanhar para a sede matar. As horas iam passando, uma curva aqui, uma subida ali, e então avistamos um local para acampar. Era coisa de minutos para armar barraca, um fogo estrela ou um fogão tropeiro.

               Nas costas do intendente um caldeirão médio, nas costas do aguadeiro uma frigideira e nas costas do cozinheiro uma panela com alça. Dava para o gasto. O cardápio de um Chief francês a gosto do freguês. - Arroz, batata e macarrão, quem sabe uns pedaços de linguiça para adoçar o paladar eram levados em pequenas porções nas mochilas de cada um. Diziam ser a famosa lista de comes e bebes chamada de Ração B.

              O Monitor e o sub levavam em pequenos vidros de pimenta jazia lá dentro gordura de porco, outro com sal e distribuído com os demais uma faca de cozinha, um facão mateiro, uma concha e uma espumadeira pequena. Precisava de mais? Um sorriso, um cantar, alguém grita para parar. Os sete valentes escoteiros sabiam o que iam fazer. Três nas duas barracas de duas lonas, dois na cozinha e dois no serviço de exploração. Descobrir novas guloseimas que sempre existiam espalhadas na mata próxima. Os da barraca terminando iam jogar uma linhada, quem sabe uma traíra ou um bagre para o jantar.

                  Os pés doíam da caminhada. Melhor jogar para cima as pernas cansadas e deixar o sangue circular. Primeira noite. Não houve fogo, não houve contos, não houve causos.  Estavam exaustos e precisavam dormir. Acordaram cedo. O sono se foi, a porta da barraca foi aberta e o sol brigava com a noite na montanha distante para aparecer. Como disse o poeta esta é a hora, cada dia que nasce é um novo amanhecer. Um escoteiro olhou para uma árvore próxima. Pensou: - Ver o mundo como um grão de areia, ver o céu como um campo florido, guardar o infinito na palma da mão, e a eternidade em uma hora de vida.

                Alguns saíram da barraca ainda descalço. Separadamente esticaram os braços e as pernas, levantando o corpo para um longo e gostoso espreguiçar. Nas narinas sentiram o bafejar do orvalho da manhã, o movimento febril dos insetos da madrugada, o bailar dos pardais anunciando um novo dia. Desentorpecer o corpo é bom demais. Hora de vestir o uniforme, colocar a botina. Um deles olhou estupefato:

                - Incrível! Debaixo do Jequitibá uma flor. Nossa mãe! Que flor linda! Fascinante! Ficou olhando não acreditando no que via. Não era grande e nem pequena, apenas uma flor segura por um pequeno ramo que ia se esconder na terra molhada do orvalho da manhã. Era grená? Ou então cor vinho com verde e azul? À medida que o sol nascia ela se transformava. Dizem que nunca houve uma noite, ou um problema que pudesse derrotar o nascer do sol ou a esperança.

                Alguns sentaram em sua frente, seus olhos vidrados a olhar a flor sem nome. Estavam fascinados. Gostavam de flores amavam as flores e o seu perfume, a sua maneira singela de aparecer para a gente assim tão linda e formosa. O sol espantou a lua, as estrelas desapareceram no céu. Um comentou que ouviu falar que os jovens têm a memoria curta, e os olhos para apenas o nascer do sol. Para o poente olham apenas os velhos, aqueles que viram o ocaso tantas vezes. Os demais patrulheiros apareceram na porta da barraca. O sol quente se mostrou na lona levantada onde agora nossas bugigangas estavam a secar.

                    Alguns que chegaram agora não viram a flor. O aguadeiro não sabia por quê. Ele amava todas elas, vermelhas, rosas, azuis e formosas. Foi alvissareiro ajudar a patrulha e olhando sempre seu novo amor. Quem tenta possuir uma flor verá sua beleza murchando. Mas quem apenas olhar uma flor no campo permanecerá para sempre com ela. Ele sabia que ela nunca seria dele, mas no seu coração a teria para sempre. Um café, um pequeno biscoito do intendente, campo limpo e a partida.

                 Pediu licença ao Monitor e foi pela última vez olhar sua flor, seu novo amor que sabia nunca mais iria ver. Partiram e alguém começou a cantar o Rataplã. Os demais acompanharam. Viram que a estrada era longe demais. Mais um dia outra parada, no longínquo céu azul acompanhando o vento que os levava aonde o sol iria se por. Vida de Escoteiro, sempre alegre a marchar, aonde vão? Onde vão parar novamente? Ah! O aguadeiro pensou que na próxima parada iria plantar uma flor. Serão sementes de amor. E quando voltasse ali um dia iria colher os frutos da felicidade.

domingo, 18 de novembro de 2018

Conversa ao pé do fogo. Um monitor a beira de um ataque dos nervos.



Conversa ao pé do fogo.
Um monitor a beira de um ataque dos nervos.

Prefácio: - É sempre gostoso contar histórias de escoteiros. Histórias como do Monitor Visconde e do Escoteiro Anthony Lambert existem milhares por aí. Se acheguem, imaginem que estão em volta do fogo, comendo uma banana assada deliciosa. E vamos viajar nas asas do tempo e da imaginação...

                Pois é Chefe, foi isto mesmo que aconteceu. Se para outros monitores fosse normal para mim faltou pouco para desisti de ser Escoteiro. Quer saber? Se não fosse minha promessa e minha lei deixaria o cargo de Monitor para outro. Bem, eu tinha treze anos e nenhuma experiência de liderança a não ser aquela vivenciada na Patrulha. Não era um pata-tenra como monitor isto não, assumira no ano passado quando Nonô foi embora com seus pais. Como ele chorou Chefe. Marcou-me muito sua saída. Todos nós tínhamos por ele uma enorme amizade e o considerávamos um irmão. Por ser muito emotivo não fui à estação despedir dele, depois mandei uma cartinha que contribuiu durante anos manter uma correspondência.

               A patrulha me recebeu bem. Não esperava ser escolhido. Jairo o Submonitor seria a escolha certa. Mas ele mesmo me indicou e disse que não gostaria de ser monitor. Nem sempre éramos os primeiros, mas também nunca fomos os últimos. Saímos bem em qualquer acampamento. Quando assumi no acampamento de julho no Vale dos Sinos ficamos dois dias em primeiro lugar. Um orgulho danado Chefe. Mas tudo que é bom dura pouco. Com a saída de Nonô a patrulha ficou com seis. Abriu-se uma vaga e o Chefe Djalma me chamou na sala da chefia. - Visconde outros estão na lista de esperava, mas resolvemos dar preferência ao menino Anthony Lambert, filho do meu Chefe na fábrica que trabalho. Pediu-me a vaga. Eu não podia negar. No próximo sábado será apresentado à patrulha. Preciso de você para conversar com a patrulha e explicar o motivo da escolha. Diga a verdade. Não sei o que vai acontecer, mas abri uma exceção e não pretendo abrir outra.

                 Não disse nada, afinal a escolha era do Chefe. Fiz minha parte e a patrulha ficou ansiosa para conhecer o novo membro. Pois é Chefe ninguém estava preparado nem eu. O menino era um chato, exigente, pensava ser o dono da patrulha. No primeiro dia pegou o bastão da monitoria e disse que seria dele a partir daí. Tomei dele educadamente e saiu chorando procurando o Chefe. Era sempre assim. Se sentisse tolhido corria chorando para o Chefe. Um mês depois a patrulha se reuniu e pediu a saída dele. E agora? O que fazer? Mas eis que ele chegou naquele sábado com uma pasta cheia de papéis. – Monitor! No próximo acampamento quero fazer estas pioneiras. Tirou da pasta um amontoado de desenhos que nem sei se foi ele quem desenhou. Não disse nada. Já pensava como aguentar o dito cujo por três dias na Fazenda Aconcágua de Dona Iraci.

                 Chefe não sei se o senhor passou por isto, mas eu passei e não quero passar de novo. Falei para o Chefe Djalma para prevenir seus pais sobre o que seria. Mas sabe o que ele me disse? – Seu pai deu ordens para ele ir. Colocou a caminhonete da empresa a disposição. Caso ele não goste ou se sinta mal, eu devia trazê-lo de volta! Ele tem de aprender a ser homem! – Chefe! O senhor aceitou? – Fui obrigado. Vamos dar um crédito. Afinal quem sabe tudo acaba bem? No dia da partida lá estava sua mãe com uma lista enorme. – Chefe Djalma dizia ela – Ele deve tomar tais e tais remédios. Ele deve comer quatro vezes por dias nos horários certos. Ele não gosta disto e daquilo. Se tomar sopa ele vomita tudo. Gosta de dormir tarde e levantar depois das dez... Fiquei pensando no que ouvia. Por mim não vai ter folga. Ou come o que comermos ou passa fome. E tem mais vai levantar as seis em ponto!

                  Quando chegamos ele todo serelepe queria escolher o campo da patrulha. Ameaçou pegar um berreiro se não fosse com os monitores. Pela primeira vez vi o Chefe Djalma perder a paciência. Ele correu e se escondeu atrás das árvores. Preveni o Jairo para não dar folga a ele. No primeiro dia foi bem. Ajudou nas pioneiras, fez sozinho as fossas de liquido e detrito que se abriam a um simples toque de pé ou mão. Mas nem bem escureceu me procurou. – Monitor, quero ir embora, a comida do almoço foi uma droga. Aqui tem muito mosquito. Vou e volto amanhã, chame o Chefe para me levar! Chefe Djalma gritou: - Você come aqui, dorme aqui, vai fazer tudo que os outros fazem e se chorar amarro você naquela árvore e vai dormir ali toda noite.

                  É... O Chefe estava arriscando seu emprego. Podia ser demitido. Seria ruim, pois teria de mudar de cidade para arrumar outro. Mas Anthony Lambert nem aí. Gritou, esperneou, chorou tanto que muitos acreditaram nele. Lá pelas nove da noite me pediu um pouco de comida. Flávio o cozinheiro tinha guardado para ele. Ficou manso, sentou-se a mesa de patrulha e comeu com gosto. Tinha de comer, fiz questão de limpar sua mochila dos doces chocolates e biscoitos que sua mãe colocou lá. Chefe, Anthony Lambert mudou e como mudou. Na chegada sua mãe veio correndo abraçar o seu filhinho. Ele disse: Mãe espere tenho de ajudar a patrulha a descarregar o material e guardar. – Seu pai gritou: - Que o Chefe Djalma o faça você vai pra casa! Ele respondeu para o pai: - Aqui sou Escoteiro, vá gritar com seus empregados. Só vou quando terminar e saiu de perto carregando uma barraca!

                   Olhe Chefe, nunca vi uma mudança tão rápida. Precisava ver o novo Escoteiro Anthony Lambert. Eu mesmo não acreditava no que via. O melhor é que ficamos amigos. Ele ia a minha casa e eu na dele. A patrulha fazia muitas reuniões em sua casa. Sua mãe era ótima nas guloseimas e fazia questão de fazer no lugar de Lourdinha a cozinheira. Quando passei para os seniores ele me disse: - Visconde me espere, breve estarei lá com você! E o tempo passou, cresci estudei e hoje sou o Gerente na Fabrica de Anthony Lambert!

                 – Olhei para Visconde. Estava eu ele JF e Juliano sentando em volta de um fogo amigo, na montanha do Grilo. Passava da meia noite. Todos os escoteiros já tinham ido dormir. Visconde! Perguntei, e onde anda Anthony Lambert? Chefe! Oh Chefe! Ele hoje mora em Paris. Casou com a Duquesa de Windsor, vive bem, tem mais cinco fábricas na Europa. Fez questão de me fazer sócio e depois me vendeu sua parte! Olhe me garantiu que viria aqui fazer uma visita. Saiu de Paris as três e deve estar chegando no seu jatinho particular.

                 Um farol iluminou a estrada dos Afonsos. O carro não podia prosseguir, pois não havia mais estradas. Meia hora depois ele chegou respirando fundo. Em carne e osso Anthony Lambert. Gordo, barrigudo, mas com um sorriso encantador – Preciso voltar ao escotismo disse: - Deu um abraço apertado em cada um. Sentou na beira do fogo, pegou uma banana assada, no caneco tomou um cafezinho. - E então? Vamos continuar a prosa?

Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

Bem vindo ao Blog As mais lindas historias escoteiras. Centenas delas, histórias, contos lendas que você ainda não conhecia....