terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Lendas Escoteiras. A dor de uma saudade.



Lendas Escoteiras.
A dor de uma saudade.

                     Nunca tive preferencias. Era um Chefe que dificilmente dizia: Este é meu Escoteiro, este é meu monitor. Se todos fossem iguais a Pedro quem sabe João seria melhor. Mano Velho um negro de idade indefinida que conheci próximo de Crenaque tinha tal sabedoria que sempre que podia pegava o trem e ia até a casa dele, uma tapera de folha de bananeira e paredes de barro sobre bambus chineses. Sentado em um banquinho na porta de sua casinha e sempre pitando um cigarrinho de palha sorria mostrando que a maioria dos seus dentes já tinham partido desta para melhor.

                    Foi ele quem um dia me disse: Vado Escoteiro quem mais precisa de ajuda não é o bom o disciplinado o feliz, é aquele que ainda não recebeu amor, não sabe ajudar o próximo e nem sabe fazer o bem. Este precisa de sua ajuda independente de quem seja. Um dia quem pode precisar da ajuda dele é você. Eu amava aquele Velho que nunca foi Escoteiro, mas tinha o escotismo no coração.

                    Mas não era só eu. Todo Grupo Escoteiro tinha um carinho especial por Maria Julia. Meninota dos seus treze anos apareceu um dia com uma velhinha de cabelos brancos andando com dificuldade amparada por uma bengala feita a mão de pau de aroeira. - Chefe eu vim aqui para ser uma escoteira, trouxe minha Avó Doinha, pois minha mãe já foi para o céu. Falou com tanta simplicidade que mesmo não tendo vagas no momento aceitei sem pestanejar.

                   Ela aos poucos conquistou o coração de todos. Nunca há vi franzir o cenho, reclamar, pedir ajuda ou até mesmo falar rispidamente. A Patrulha Javali tinha seis Escoteiras. Sorriram quando ela chegou. Confesso que minha experiência não é pouca e sabia que poucos escoteiros poderiam me surpreender na sede ou em acampamentos. Já tinha visto de tudo o bastante para resolver qualquer problema que surgisse. Acreditei que era forte e um super Chefe até que tudo aconteceu.

                  Josélia Leal, monitora veio correndo me chamar. – Chefe o Senhor não vai acreditar, venha comigo. Ela pegou na minha mão e me levou próximo ao riacho onde Maria Julia sentada acariciava um Lobo Guará que lambia sua mão. Quando sentiu nossa presença o lobo fugiu embrenhando-se na mata. Era comum no cerimonial de bandeira passarinhos voarem sobre ela ou mesmo pousar em seus ombros. Ele me olhava com tanta meiguice como a pedir desculpas por eles.

                 Não ficou muito tempo na Tropa e logo passou para as Guias que tinham por ela um ressentimento por seu estilo religioso e agindo como se fosse diferente das demais. Não era verdade. Ela nunca foi assim. Eu sabia que era dar tempo ao tempo e logo todas tornariam suas amigas. É aquele Velho ditado que não devemos julgar ninguém pelas aparências, mas sim pelo seu coração.

                 Foram quase três anos de convivência. Em dezembro quando íamos fazer a festa de encerramento e em férias ela me procurou: - Chefe não gosto de férias. Sempre sinto muita falta do escotismo. Sei que é necessário, mas eu queria aproveitar mais, não sei quanto tempo terei para ser feliz nesta fraternidade que amo. – Tentei dizer algumas palavras de entusiasmo, esperança, mas não consegui. Despediu-se de um por um. Deste o mais simples lobo ao Pai que na sede ajudava nas lides de escritório. Ela se aproximou de mim e me deu um abraço. Ela transmitia o amor sincero tão grande que me passava seu eu espiritual e eu nem sabia o que pensar.

                Um mês depois voltamos às reuniões Escoteiras e naquele dia de retorno onde os cumprimentos e abraços não vi Maria Julia. Procurei a Chefe Renata perguntando. – Chefe o senhor não soube? Ela foi visitar uma tia em Verdes Mares. Sua Avó e ela pegaram uma carona com Zezito que bêbado caiu em uma ribanceira. Morreram todos! – Impossível! Eu não queria acreditar. – Chefe porque não me contaram? – Ela respondeu que não sabia. O acidente foi próximo à cidade de Verdes Mares e o veiculo acidentado só foi descoberto semana retrasada, quase um mês depois!

              Fui para casa sem saber o que fazer. Meu coração batia e eu pensava em maldizer os santos a Deus e a humanidade. Uma jovem como ela não podia ter este final trágico. Fui até onde ela faleceu e sentado em um barranco olhava o carro todo carcomido e amassado. Comecei a chorar.

               De olhos abertos eu vi uma nuvem no céu parecendo uma estrada cheia de flores e pássaros das mais diversas cores. Ela apareceu do nada e olhando para mim sorria dizendo baixinho como se só eu pudesse escutar: - Chefe não fique triste, o senhor deve viver sabendo que vai morrer um dia, e antes que isto aconteça não se esqueça de suas boas ações, ajude a quem precisa. Não despeça da vida como quem não soube viver direito. Tudo tem seu apogeu e seu declínio... É natural que seja assim. Todavia, quando tudo parece convergir para o que supomos o nada, eis que a vida ressurge triunfante e bela!... Novas folhas, novas flores, na infinita benção do recomeço! Eu chorava e soluçava. Um homem crescido, vivido e agora me portava como alguém que revoltado não sabia compreender. Senti sua mão em minha fronte. Rezei. Pedi a Deus por ela e pedi perdão. Eu agora entendia que a vida é construída nos sonhos e concretizada no amor!

                    Isto aconteceu há muito tempo. Aprendi muito com a filosofia escoteira. Agora eu sei que a árvore aceitou os desígnios da vida que lhe pediam serviço. Mas, quando se acreditou definitivamente despojada, notou que a divina providência a revestiu de folhas e flores novas, ao toque da primavera.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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