Lembranças inesquecíveis.
Luar do sertão.
... –
Fui um Administrador de fazenda... Até hoje sinto saudades dos cinco anos
vividos as margens do Rio das Velhas e próximo ao São Francisco. O Velho Chico.
Lembranças, belas lembranças que não se apagam. Escrevi ali tantas histórias
tantas que nem sei como contar sob o céu estrelado de lá. Norte de Minas,
Pirapora, inesquecível, até hoje sinto falta daqueles tempos... Daqueles
momentos!
- Era uma casinha pequenina, pintada de branco,
cheia de flores em volta. Cercada por dezenas de árvores não muito altas.
Buriti, Jatobá, Pequi, Pau Terra, Tingui e tantas outras. Terra de cerrado. A
casinha tinha dois quartos. Eu e Célia em um e os quatro meninos em outro. Uma
salinha de nadinha com uma poltrona, uma cômoda com um pequeno rádio a pilha e
mais nada. Uma cozinha estreita. Eu mesmo com a ajuda do Mané Vaqueiro e
Antonio Tratorista construí um puxadinho atrás. Um fogão de barro, um forno de
barro de onde saia gostosuras de bolos, biscoitos de polvilhos deliciosos e
assados. Era de piso de terra batida e bancos toscos. Na frente da casa uma
diminuta varanda. Uma cadeira de balanço e dois bancos de madeira.
Muitos jarros de plantas e centenas de bromélias,
rosas brancas e vermelhas e outras que faziam um jardim florido em volta
exalando um perfume inesquecível. Célia gostava. Ao lado da casa uns quarenta
passos ela fez uma horta. Tomates, couve, repolho, pés de mandioca, cebolinha,
batata doce, alface, pés de mamão, goiaba, taioba (adoro) e muito mais. Nos
fundos há uns oitenta metros um chiqueirinho. Sempre com dois ou três capados
no ponto. Mais a frente o galinheiro. Como tinha galinhas nossa senhora! Celia
colhia tranquilamente uma a duas dúzias de ovos por dia. Franguinho a molho
pardo uma vez por semana. Amigos da cidade adoravam quando aparecíamos com
cestas enormes de verdura e ovos.
Como a gente era feliz. Sem preocupações das grandes
cidades. Durante o dia o passear dos avestruzes, das galinhas d’angola, um ou
outro veadinho que passava correndo, passarinhada que escureciam o céu fazendo
um espetáculo fantástico. Na época certa as cigarras faziam a festa. À noite
então! Coisa linda! Quando se aninhavam em frente a minha casa os vagalumes aos
milhares eu apagava a luz. (Luz de gerador ligado só à noite). Não precisava,
pois eles os vagalumes davam conta. Um espetáculo digno de se ver. No porto da
fazenda um belo barco a motor. O Rio das Velhas ficava próximo ao grotão onde
uma pequena cachoeira embelezava o rio cheio de esplendor. Na piracema todos
ficavam boquiabertos com os pulos dos peixes querendo subir a corredeira.
Descendo uns três quilômetros o Rio abraçava o Velho Chico. O Rio São
Francisco. Gente, minha mente mexe comigo ao lembrar. – Célia quer comer um
peixe? – Marido traga um pequeno, não tem mais lugar na geladeira. Geladeira
movida a gás. Sempre cheia, carne de porco de vaca, de frango até de tatu e
capivara. Meu cavalo sempre arriado. Sem pestanejar eu saia para pescar e
trazia um dourado ou um pintado. Coisa de trinta minutos. Conversa de pescador?
O Escoteiro tem uma só palavra!
Milhares de cabeça de gado. Quase dez mil. Cria
recria e engorda. De manhã correr as curralamas para “escriturar” os novos
bezerrinhos que chegavam ao mundo e depois ir vaquejar nas largas e a tarde
tratorar um pouco nos piquetes da curralama. Leite à vontade, de graça aos que
espichassem uma viagem até um dos currais. Célia adorava. Queijo mineiro,
requeijão doces, manteiga, bolos e tantas guloseimas que é melhor nem lembrar. Dormia-se
de janela aberta, o som de um veículo era considerado intruso na área. Água à
vontade, até uma pequena piscina nós fizemos para a filharada. Hoje quando meus
filhos me visitam e lembram-se dos tempos na fazenda à gente vê nos seus olhos lágrimas
de saudade de um tempo que ficou marcado. A cidade de Pirapora ficava a menos
de vinte e cinco quilômetros.
- Vovó Lavínia era uma grande amiga. Tinha o apelido
de Vovó, mas era pouco mais velha que eu. Era uma Akelá de um grupo Escoteiro
da Capital. Nunca se esqueceu da gente. Foi fazer uma visita de uma semana.
Ficou lá duas. Só foi embora porque o colégio que ela lecionava mandou um
telegrama raivoso. Rs. Não sabia que ela conversava com a natureza. Vi com
estes olhos que a terra há de comer que a vi uma tarde acariciando o pêlo de um
pequeno veadinho. Selvagem é arisco que só vendo. Eu a vi várias vezes conversando
com os avestruzes que lá faziam sua morada. E olhe que eles eram também
ariscos. Deixar alguém tocá-los? Nem pensar, mas ela tocava. Eu na verdade nunca
tinha visto ninguém fazer isto, mas Vovó Lavínia tinha lá seu encantamento.
Levei o maior susto quando vi uma cobra enorme que não identifiquei atrás dela.
Gritei para ela correr, ela parou olhou para a cobra que se enrolou toda. Vai
dar o bote pensei. Impossível, Vovó Lavínia agachou olhando e sorrindo para o
réptil e parecia falar ou sussurrar para a cobra. Instantes depois a cobra
sumiu no meio do mato e foi embora. Palavra de Escoteiro.
Uma noite sentados na varanda, filharada dormindo
ela pôs os dedos nos lábios e pediu silencio. Eu e Celia prestamos atenção. – Escutem falou baixinho! As estrelas estão
cantando no céu! Gente, na fazenda havia o mais belo céu que tinha visto em
minha vida. E olhe que estive em milhares de lugares por este mundão de Deus. Não
precisava contar, eu sabia que tinha bilhões e bilhões de estrelas no céu. Uma
via láctea que marcava qualquer um. Fizemos silêncio. Olhávamos para o céu. Ouvimos
um som calmo e refrescante como a brisa da madrugada. Se foi o cantar das
estrelas não sei, mas o som, as estrelas brilhantes, o vento calmo e ali ou
acolá um vagalume tornaram aquela e outras noites parte de minhas lembranças
nunca mais esquecidas, parte da minha vida.
Quando ela foi embora sentimos uma tristeza enorme.
Um vazio grande. Tentei várias vezes ouvir as estrelas cantarem. Nunca mais.
Acho que preciso de mais tempo nesta e em outra vida para poder ouvir o cantar
das estrelas. É eu era mesmo feliz e estes tempos ficaram marcados para sempre.
Daria tudo para voltar no tempo. Mas o tempo não para. Dele só fica as
lembranças, gostosas, incrivelmente belas para que possamos continuar a labuta
nesta vida.
- Eu fui um Administrador de Fazenda, e até hoje as
lembranças do gado, dos passeios de barco no Velho Chico, no Rio das Velhas,
das viagens das comitivas, de dias fazendo calo nas nádegas, de ter sido um
professor do MOBRAL de tantas coisas que não esqueço jamais!