Não poucas vezes esbarramos com o nosso destino pelos caminhos que escolhemos para fugir dele.
Jean de La Fontaine
Do destino ninguém foge. Parte I
Acho que o nome dele era Matheus, não tenho certeza. Mas
todos o chamavam de Miltinho, porque não sei. Nunca me disseram. Talvez porque
seu avô era assim chamado e como ele tinha todo o jeito dele, nada como manter
o apelido carinhoso.
Era filho único e com 12 anos já estava no quinto ano do
fundamental. Estudava em um bom colégio pago e mesmo não sendo um estudioso por
natureza, não tinha por que reclamar de suas notas. Não diferia muito dos
jovens de sua idade. Gostava de futebol e sempre que podia, ia para a quadra do
colégio bater uma bola com os amigos. Também não era um futuro craque.
Em seu bairro tinha alguns amigos, não muitos. A noite se
encontrava com eles para um papo ou até uma brincadeira qualquer. Nos fins de
semana nem sempre saia com seus pais. Sempre ia até uma pequena quadra
esportiva, próximo a sua casa e lá passava as tardes de sábado ou domingo.
Seu pai trabalhava como gerente financeiro de uma cadeia
de lojas e nunca chegava em casa antes das 9 da noite. Sua mãe, dona de casa
era quem mais estava junto a ele no dia a dia. Nunca seu pai o levou para
passear nos finais de semana e pouco interessava pela sua vida não perguntando
nada quando se encontravam.
Um tarde de um sábado, vindo da quadra de futebol, viu três
escoteiros vindos em sua direção. Já os tinha visto antes, mas não sabia como eram
o que faziam e onde se encontravam. Passaram por ele conversando entre si e
dobrando a esquina desapareceram como fumaça no ar. Ele ficou ali meditando,
meditando e ponderou o que seria aquilo e como fazer para participar.
Comentou com sua mãe sobre sua intenção. Ela não disse
nem sim e nem não. Resolveu investigar por conta própria. Descobriu o local
deles. Era um colégio a oito quadras de sua casa. Foi lá em um sábado. Viu
muitos meninos e meninas brincando, correndo e um chefe apitando. Não entendeu
muito, mas pelo sorriso estampado no rosto de todos, achou que devia ser bom.
Ficou ali até alguém de uniforme aparecer perto dele e
perguntou como era para participar. O encaminharam para a sala onde estava o
que devia ser o chefão. Ele o olhou de alto a baixo. Perguntou por que queria
ser escoteiro. Ele não soube responder, mas disse que queria experimentar.
Gentilmente explicou o que fazia um escoteiro. Suas
responsabilidades suas atividades e muita responsabilidade quando fizer sua
Promessa Escoteira.
Encantou quando contou como eram os acampamentos, as
excursões às viagens de longa distancia a grande fraternidade mundial que
sempre se encontra nos Acampamentos Nacionais, Regionais ou Distritais.
Emocionou-se ao saber o que era um Jamboree e não
conseguia imaginar mais de 10.000 escoteiros reunidos e acampados em um só
local. Ficou sabendo de um tal General Inglês que foi o fundador. Soube que
mais de 150 países possuíam grupamentos escoteiros.
Pensou que seria bom pertencer a uma patrulha. Jogar com
eles. Tomar decisões, vida em grupo imaginou. Já imaginava ter seu distintivo,
fazer sua promessa, mas logo acordou do seu sonho, pois era apenas narrativa do
Chefe para ele, pois precisava de tomar uma serie de providencias antes de sua
aceitação.
Recebeu uma ficha de inscrição que devia ser preenchida
pelo seu pai e sua mãe. Tudo bem. Ele foi para a casa sonhando acordado e quase
se perdeu no retorno, tomando um rumo desconhecido.
Entregou a ficha e a sua mãe. Com o pai achava difícil de
falar, não se entendiam bem. Quando a noite surgiu viu o barulho do carro.
Estava chegando do trabalho. Um comprimento seco, um banho, o jantar e logo foi
para a sala ver o jornal da noite na TV. Já estava desistindo. Sua mãe se
aproximou e sussurrou para o pai o desejo do filho. Entregou a ele a ficha de
inscrição para sua assinatura.
Ele a principio não estava entendendo. Riu e veio falar
com ele. Parabéns disse agora você escolheu bem. No próximo sábado irei com
você até lá para conversar com o responsável. Ele não acreditou e seu pai o
levou até seu quarto (o dele) e tirou de dentro de uma mala antiga, um uniforme
de escoteiro e o lenço e o presenteou. Era o seu quando jovem. Participara por quatro
anos. Fora monitor e primeira classe. Mudaram de cidade, onde foram não havia
grupos. Mas ele não tinha esquecido.
Sempre pensou em colocá-lo em um Grupo Escoteiro, mas não
sabia onde e ele não tinha se manifestado a respeito. O tempo foi passando e
ele se esqueceu de tudo. O trabalho o absorvia muito. Pediu desculpas ao filho.
Disse que iria apoiá-lo e acompanhar em todas as situações que se fizessem
necessárias.
Foi um dia feliz. Foi para o seu quarto e colocou o
uniforme na cama. Ficou ali a admirá-lo. Não se conteve. Vestiu a camisa,
colocou a calça curta, devagar colocou os meiões. Olhando no espelho colocou o
lenço. Ainda não sabia como colocar. Como gravata ou mais longe do pescoço. Viu
que o uniforme era grande para ele. Não se importou. Achou que era o máximo.
Durante a semana o vestia se olhava e sonhava. Era como
estivesse fazendo a promessa, acampando, junto a novos amigos, vivendo em uma
patrulha e ele sonhava com o dia em que iria participar pela primeira vez. Logo
que o dia amanheceu, acordou e foi até a janela. Sorriu para o sol e fez sua
oração matinal agradecendo a Deus pela oportunidade.
Saiu de casa para conversar com um amigo e contar para
ele a novidade. Vibrava com a possibilidade de ser Escoteiro. Ao atravessar a
rua, foi pego por um carro a toda a velocidade, fugindo da policia que vinha
logo atrás. Foi arremessado à grande distancia. Ficou inconsciente.
Levado ao hospital ficou em coma dois meses. Saiu do
coma, mas sem movimentos no corpo, ficara paraplégico.
Durante um bom tempo não lembrou mais de seus sonhos.
Agora eram outros. Pensou que com o tempo seus movimentos voltariam, ele não
desanimou e o tempo passou. (um dia conto o final da história)
Do destino ninguém foge - parte II.
Prólogo
Quatro anos se passaram quando seus pais o
levaram para casa. Nenhum movimento durante este tempo. Conseguiu mexer os
braços isto depois de muito tratamento em um centro de reabilitação. Mas as
pernas não. O corpo também não. No primeiro ano não falava. Não tinha o que
dizer. A voz engasgada. Uma terapeuta fez tudo para ele sorrir e nada. Não
acreditava em que diziam a ele. O dia mais feliz de sua vida se foi como uma
grande tempestade. Ele agora só via raios e trovões a lhe auscultar o cérebro. Seu
atropelamento foi um desastre. Matou seu sonho e até sua vontade de viver.
Treze anos uma vida a começar assim interrompida. Sua mãe sempre com os olhos
vermelhos. Seu pai fez tudo que podia, gastou o que não tinha até que os
médicos disseram que era melhor ele ir para casa. Seu corpo não mais reagia ao
tratamento.
Em casa pediu a sua mãe que colocasse o
uniforme Escoteiro no baú do seu pai. Ele não queria vê-lo nunca mais. Seu
quarto era aconchegante, a janela dava para um pequeno jardim que sua mãe
cuidava diariamente. Mas ele não sentia mais o perfume das flores e o sol e a
lua para ele não tinha diferença. Dormia de dia ficava acordado a noite. Dormia
a noite e ficava acordado durante o dia. Trocava sempre à noite pelo dia. Nada
lhe faltou. Sua mãe sempre presente. Banhos, fraldas, refeições, virá-lo sempre
para não dar ferida ao corpo, enfim uma mãe incansável para que seu filho pelo
menos sorrisse.
Uma tarde bateram em sua porta. Sua mãe
atendeu. Surpresa. Dois escoteiros uniformizados queriam falar com Miltinho.
Ele não entendeu nada. Não os conhecia. Nunca os viu e esteve na sede deles por
pouco tempo. – O que querem? Falou. Sejam breve estou sem tempo agora! Mal
educado. Nunca pensou que um dia falaria assim. Eles sorriram. Nós não queremos
nada de você. É você que vai querer de nós. Chega de auto-piedade. Você só sabe
sentir compaixão de sí mesmo? Está com dozinha de você? Lastimando-se? Não vê
que tem pessoas sofrendo a sua volta? Afinal, você é um homem ou um rato? –
Quem são voces? Quem dá o direito de falarem assim comigo? – Eles não
responderam. Mudaram de assunto. –
Sábado que vem vamos vir aqui e levar você para a reunião escoteira. Afinal não
era seu sonho? Só porque se acidentou se acovardou?
Miltinho não escondia sua surpresa e eles
foram embora. Chamou sua mãe e perguntou quem eram eles? Eles quem? Ela disse.
Os dois escoteiros que aqui estiveram. – Meu filho, não veio ninguém aqui hoje.
Miltinho ficou mudo. Por quê? Quem eram? Assombração? Afinal ele já estava com dezesseis
anos e não tinha medo de nada mesmo entrevado numa cama. Mas porque, porque,
insistiu com seu pensamento. No sábado bateram a porta. Lá estava os dois de
novo. Vamos – disseram. Ir com voces? Voces são fantasmas! Não ando com
fantasmas. Eles riram. Pegaram Miltinho, colocaram-no em uma cadeira de rodas e
saíram de casa rumo à sede Escoteira. Nem despediu de sua mãe e seu pai. Os
dois a pé empurrando a cadeira de rodas. Uma festa. Aplausos de todos os
jovens. Abraçaram-no, e foi para uma Patrulha Sênior com duas meninas e dois
meninos. Ele era o quinto. Claro na cadeira de rodas.
Miltinho! Largue esta cadeira, agora vamos
fazer um jogo e não dá para você ficar sentado feito um folgado! Um deles sem
ele esperar o levantou e outro empurrou a cadeira para o canto do pátio.
Miltinho pensou que ia cair, mas suas pernas se firmaram. Ele não acreditava!
Vamos molenga! Diziam todos! Miltinho sorriu, correu, brincou, suou e de volta
a sua casa quando entrou viu que esqueceu a cadeira de rodas na sede. Que fique
lá para sempre, disse para si mesmo. Aperto de mão, abraços e Sempre Alerta e
lá foram os dois escoteiros.
Sua mãe o chamou várias vezes e ele custou
para acordar. – Mãe a senhora me viu chegar ontem dos escoteiros? Como? Ela
disse. Eu fui lá com os dois escoteiros. Sua mãe sorriu. Mas e a cadeira de
rodas? Ela não veio! Meu filho, você nunca teve uma cadeira de rodas. Não pode
sentar. É bom que ele sonhe pensou sua mãe. Pelo menos não fica tão triste como
estava. Se isto lhe faz bem vou ajudar. E eis que Miltinho senta na cama, se
levanta e diz a sua mãe – Deixa que eu vá ao banheiro, escovar os dentes e
depois vamos todos nós tomar juntos o café da manhã. Há tempos não fazemos
isto! Sua mãe estava boquiaberta! Meu Deus! Um milagre? Ela não sabia se ria ou
chorava. Gritava de alegria e chamou seu pai que veio correndo. O abraçou. Quem
visse veria uma família maravilhada e sorrindo como ninguém sorriu antes.
Miltinho voltou a estudar. Seu pai o levou
aos escoteiros. Ele se tornou um jovem tão feliz que o mundo mudou e ele
acompanhou. Sei que hoje é muito requisitado na fábrica que trabalha pela sua
felicidade. Os outros querem saber como fazer para ser feliz. Miltinho lembra-se
de tudo que aconteceu. Não sabe explicar o que houve quem eram os escoteiros e
qual o grupo que foi. Não importava. Se Deus quis assim, agradecemos a Deus por
ter me dado à vida de novo. Os escoteiros do sonho nunca mais apareceram. Mas
Miltinho nunca os esqueceu. Casou e teve um filho. Quase não tinha tempo para
ele. Quando fez treze anos disse que queria ser Escoteiro. Miltinho sorriu. Sim
ele também se chamava Miltinho. Deu para ele seu uniforme. Vou lá com você no
sábado, seu filho sorria de alegria.
De manhã abriu a janela, agradeceu a Deus
pela vida e sua alegria em ser Escoteiro. Correu a casa de um amigo para contar
a novidade. Ele seria escoteiro como seu pai fora. Ao atravessar a rua viu um
carro em alta velocidade fugindo de um carro da policia. Pneus rangeram uma
batida forte. Alguém gritava. Miltinho por sorte escapara. Não sabe como não foi atropelado. Alguém o
empurrou antes da batida. O carro dos bandidos bateu em um poste. Um morto e
outro ferido. Miltinho respirava forte. Graças a Deus, Graças a Deus. Olhou no
final da rua e viu os dois escoteiros acenando. Eram os escoteiros do sonho de
seu pai. Acenou também. Meus anjos da guarda pensou. A vida nos reserva
surpresas sem explicação. Fazer o que? Aceitar o seu destino, pois Miltinho
sabia que do destino ninguém foge!
Segue teu destino, rega tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é sombra de árvores alheias..... Vê de longe a vida. Nunca a interrogues. Ela nada pode dizer-te.A resposta , está além dos Deuses.
Fernando Pessoa
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