quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A maldição do Lobo Vermelho.


A história é a verdade que se deforma, a lenda é a falsidade que se encarna.

Lendas escoteiras
A maldição do Lobo Vermelho.

                        Juraram-me de pé junto que era uma lenda. O povo gostava de contar histórias e inventavam muito. Eu pensava de maneira diferente. Lembrei quando nas eternas competições do passado quando no Quebra Coco nos fogos de conselho, tinha uma quadrinha que gostava de dizer: Minha mãe chamava Caca, e meu pai Caco Maria. Juntando Caco com Caco eu sou filho da Cacaria! Portanto, se o Cacique Boitiguara me contou eu não podia duvidar. Tinha passado para os pioneiros e acampava sempre nas planícies do Vale do Rio Doce lá para os lados de São Mateus e Nanuque. Já conhecia a tribo dos Machacalis, ou melhor, Pataxós como dizem hoje, e me tornei amigo do Cacique e de muitos outros índios da tribo.

                       Eram uma tribo sofrida, lutavam para sobreviver, mas com uma fraternidade que superava algumas vezes a tão falada fraternidade escoteira. Quando você fazia amigos na tribo podia-se saber que eram amigos de verdade. Eirapuã, Piatã e Potira três jovens da tribo, sempre me acompanhavam quando ia ali acampar principalmente na Garganta Montanhosa do Vale do Castanheiro.  Boitiguara o Cacique na última vez que lá estive ficou horas e horas na beira do fogo junto com outros “bravos” me contando a maldição do Lobo Vermelho, uma narrativa que ele com seus gestos contava como se estivesse vivendo a personagem do "Velho" Pajé Porã (aquele que possui beleza) que ouviu de seus ancestrais esta lenda que nunca será esquecida pela tribo enquanto ela existir.

                      Minha vida de Escoteiro nunca me deixava duvidar de um índio, pois não havia motivo para mentiras entre eles. Acampei ali muitas vezes, atravessamos o Rio Doce na curva do Cavalo Doido, mergulhamos na cachoeira do Macaco e quantas e quantas vezes eu Eirapuã, Piatã e Potira subimos a montanha do Lobo Vermelho sempre à luz do sol. Eles eram proibidos de passar a noite lá. Desta vez, que o "Velho" cacique Boitiguara me desculpasse, mas pretendia aproveitar uma bela lua cheia para ir ao cume e ver toda a majestade do Rio Doce, desde Crenaque até próximo a Aimorés. Era uma visão dos Deuses e eu precisava ver.

                       Foi Porã, o pajé meu amigo que me contou a lenda nos seus detalhes. Há muitas e muitas luas que passaram, havia um amor enorme entre dois jovens da tribo, cujos pais eram inimigos de morte. Ninguém na tribo sabia explicar direito o ódio entre eles, mas quem visse a esposa de Nakian, a bela Poranga (beleza) iria entender o ódio dos dois. Nakian era pai de Kalin (bela jovem), uma jovem de deslumbrante beleza e Quaraçã (luz do sol) um jovem esbelto, forte, cuja coragem todos da tribo reconheciam desde que participou da caçada da onça parda nas selvas do Olho Negro, era filho de Mauá, e nunca eles pensaram que seus filhos pudessem se apaixonar. Fugiram um dia e só deram falta dois dias depois. A procura foi grande. Nunca o encontraram. Um ano depois qualquer bravo que se arriscasse na Montanha Cinzenta voltava correndo, pois um lobo enorme, vermelho, com uma loba de olhos de fogo matavam que se aproximasse principalmente em noite de lua cheia. A montanha mudou de nome. Passou-se a chamar a Montanha do Lobo Vermelho.

                      Do Clã só Israel topou ir comigo. Contei para ele a lenda e ele riu. Bitelô (meu apelido) você não quer que acredite não? Afinal quantas passamos juntos? Com minha mochila as costas e meu chapéu de três bicos lá fomos nós no trem rápido da Vitória Minas as oito da manhã. Descemos em Crenaque e partimos rumo a Montanha do lobo Vermelho. Nem passamos pela tribo. Não dava tempo. Era tarde e mais duas horas a noite ia chegar. Subimos já à noitinha. A lua ainda não havia despontado. Quase no topo vimos uma nascente e achamos boa para acampar. Montávamos a barraca de duas lonas e ouvi um uivo que me gelou as veias. Israel parou e ficou ao meu lado. Próximo à curva da Arvore Seca avistamos os dois lobos. Meu Deus! Enormes! Um deles saiam chispas de fogo nos olhos. Não nos atacaram.

                        Ficamos lá dois dias. O que aconteceu não vou contar aqui. Só sei que descemos no terceiro dia e fomos direto até a tribo. Boitiguara se assustou. Estavam na Montanha do Lobo Vermelho? Rimos. Claro Chefe. A tribo inteira veio saber como foi. Pedi licença e usei meu apito. No meio das árvores surgiu os dois lobos, agora não tanto ameaçadores, mas foram até Boitiguara e lamberam suas mãos e desapareceram nas matas próximas ao vale do Rio Doce. Nunca mais, e isto fiquei sabendo de Piatã e Potira, ninguém nunca mais teve medo de ir a Montanha do Lobo Vermelho. Uma lenda que correu o vale, nas fazendas e nas cidades próximas por muitos e muitos anos. Mas soube que todos riam quando souberam da história contada por dois escoteiros. Verdade ou não, até hoje dizem que os lobos da montanha ainda correm pelos picos, pelas encostas, sobem em árvores e seu uivo percorre centenas de quilômetros.  Verdade ou mentira prefiro não dizer. Quem quiser vá a Nanuque. Atravesse o Rio Doce e siga no rumo das Pedras Negras. Lá na aldeia dos índios pergunte ao novo cacique, pois Boitiguara não deve estar mais lá. Talvez quem sabe seu espirito está a correr junto aos lobos vermelhos na Montanha onde vivem. E Chefe, como foi à história? Quem sabe um dia volto aqui para contar.

E quem quiser que conte outra.

Sou lenda, 
porque as lendas são envoltas em Mistérios e Magias.
São uma criação dos caminhos da mente, da vaga imaginação da liberação dos silêncios da alma...



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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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