Em algum lugar do passado. Lá em Brownsea:
“Os jovens foram divididos em quatro
patrulhas: Corvos, Lobos, Maçaricos e Touros (assim estes foram os primeiros
nomes usados por patrulhas escoteiras). As patrulhas acampavam por sua conta,
sob a direção de seus próprios monitores, com total responsabilidade pela sua
honra de levar adiante os desejos do Chefe e com grande eficiência”.
O saudoso bastão totem da Patrulha Maçarico.
Eu estava escrevendo um bilhete simples
para uma Chefe de lobinhos que não tinha ido à reunião e por um acaso não
podemos nos encontrar. Minha visita foi exclusivamente a ela, pois fizemos um
curso juntos e queria matar as saudades. O Chefe do grupo me deixou a vontade
na sede enquanto as sessões estavam em atividade no pátio. Era um sábado um
lindo dia. Bom mesmo para atividades escoteiras. Estava ali, pois era Chefe de
tropa e as quatro patrulhas da tropa que colaborava tinham ido acampar. Não foi
o primeiro acampamento sem chefia. Ouve outros. Estavam bem adestrados e o
local oferecia segurança e eu confiava nos monitores. Claro iria lá à noite e
no domingo também. Ficaria pouco tempo. Só ver se tudo estava bem.
Já ia sair
quando ouvi uma voz meiga, triste dizendo – Oi Chefe! Dá-me um abraço? – Olhei
e não vi ninguém. Quem seria? Esconder ali era difícil. Local pequeno. Achei
que tinha me enganado. Virei para a porta e de novo ouvi a mesma voz – Não vá
Chefe, estou sempre sozinho. Dá-me um abraço! Caramba! Prestei mais atenção e
só vi um bastão com um totem da Patrulha Maçarico. Como? Totem não fala. Não
chora e nem diz que está sozinho. – Sou eu mesmo Chefe, o Maçarico. Sinto muita
falta dos meninos. Hoje ninguém liga para mim. Estou sozinho aqui a muitos e
muitos anos. Se tiver tempo lhe conto minha história. Estava deveras surpreso.
Claro, muitos me chamaram de louco. Diziam que só eu escuto vozes assim.
Escondi muita coisa que vi e ouvi. Não iriam acreditar. Primeiro foi o chapéu
de três bicos que falava, depois veio O totem da Patrulha Pantera. E o Lampião
Vermelho? Não faltou o lenço verde amarelo que também falou comigo.
Fui até lá e
peguei o bastão com o totem que estava todo empoeirado. O coitado precisava de
uma limpeza. Devia estar ali jogado há muitos anos. Peguei um pano e fiz uma
boa limpeza. Ele ria e agradecia. – Chefe, tem tempo que não me limpam. Não
estava mais aguentando a poeira. Dei uma melhorada na amarração do totem com o
bastão. Ficou firme. Levantei-o no ar. Ele gostou. Riu de novo. Oh Chefe! Que
bom. Saudades dos velhos tempos! Precisava ficar ali. Precisava entender porque
ele estava tão empoeirado e sozinho num canto. Vi que era só ele, não tinha
outros totens. No mínimo estava com as patrulhas em atividade.
Encostei-o na
mesa e ele me olhou com aqueles olhos tristes (totem não tem olhos podem me
dizer, mas aquele tinha, e olhe lagrimas caíram quando me contou sua história).
– Sabe Chefe, foi há muito tempo. Acredito que tem mais de vinte anos. Foi
quando começou o Grupo Escoteiro. Um Chefe preparou oito meninos como futuros
monitores e submonitores. Havia dezenas de meninos querendo entrar. Formaram
quatro patrulhas. Juninho meu Monitor conversou com todos. Disse que sua
sugestão seria de escolher uma das patrulhas que foram montadas durante o
primeiro acampamento Escoteiro na história. Realizado na ilha de browsea por
Baden Powell (BP). Corvo, Touro, Lobos e Maçaricos. Ele deu a ideia de chamar a
Patrulha de Maçarico. Contou que o Maçarico-pintado é da família “Scolopacidae”.
Também são conhecidos como Baturinha, Maçariquinho, Maçariquinho-pintado e
rapazinho (no Rio Grande do Sul). Contou que ele habita locais com água, tanto
na costa como nas águas interiores. Manguezais, margens de rios e lagos. Vivem
sempre em bandos.
- Continuou o
Totem Maçarico – Todos os patrulheiros ficaram entusiasmados. O próprio Juninho ficou responsável para me
fazer. Sua mãe colaborou. Recortou um feltro e ali bordou o que ela achava ser
um maçarico. Pode olhar, ela me bordou. Não é uma perfeição, mas se aproxima muito.
Juninho o nosso Monitor, ficou cinco dias escolhendo em vários pés de goiaba
quem seria o escolhido para ser o meu bastão. Ele sabia como fazer e o fez com
perfeição. Quando fui apresentado à patrulha e eles deram o grito e meu amigo,
fui às lágrimas de alegria. A Patrulha se orgulhou de mim. Sentir as mãos deles
me segurando sempre quando davam o grito, olhar o Monitor me erguer à frente
olha Chefe, era um orgulho para mim.
- Eu lembro-me
de um acampamento Distrital de Patrulhas que no terceiro dia os Maçaricos
conseguiram a Bandeirola de Eficiência Geral. Quando o Chefe a colocou um palmo
abaixo de mim, olhei para ela e sorri. Seja bem vinda eu disse. A Bandeirola
também sorriu. Devia ter pensado que agora estaria em boa companhia. Mas não
foi o último. A Patrulha Maçarico era valente. Era forte. Não tinha medo,
amigos para sempre. Como eu amava aquela Patrulha. Duas ou três vezes por
semana lá estavam eles na sede. Seja em reunião de Patrulha, ou mesmo para um
trabalho extra eu me sentia em casa. Ninguém se esquecia de mim.
- Estivemos
juntos tantos e tantos acampamentos que até perdi a conta. Juninho nunca se
descuidava. Sempre passando um saboroso óleo que disseram a ele que seria bom
para conservar a madeira. Dava gosto de me ver. Sempre limpo. Sempre impecável.
Lembro e nunca esqueci quando ele a frente da Patrulha nos levou até a uma
elevação bem alta, próximo a nossa cidade, e ali no escuro, noite alta, antes
da lua nascer pediu que fizéssemos um juramento. Não deixar nunca que os
maçaricos esqueçam um dos outros. Manter a Patrulha a todo custo e que sempre o
totem Maçarico ficasse em posição de destaque. Mas o tempo Chefe, o tempo é
cruel. As coisas nem sempre são como nós queremos.
- Juninho
foi com sua família para outra cidade. Ricardinho assumiu a patrulha. Não era
mau sujeito não. Mas nada igual ao Juninho. Esquecia muito de mim. Deixava-me
na chuva, à noite na intempérie sem proteção. Eu via que minha madeira do
bastão já não era a mesma. A continuar assim em breve iria deteriorar e
precisaria de um novo. Mas Ricardinho também se foi. Todos se foram. Os novos
não sabiam de nosso juramento. Não ligavam a mínima para mim. Tornei-me um
pária, um Maçarico abandonado. Sempre jogado em um canto e outro.
- Mas o pior mesmo aconteceu. Eram
todos novos. Não os culpo. Agora diziam que tudo estava mudando e o nome da
Patrulha devia ser mudado. Maçarico era coisa do passado. Escolheram um nome
bonito vistoso. Tiger Man. Não sei se era homem tigre. Meu Deus! Não tinha nada
a ver. Mas era moda. Nomes pomposos, nomes em idiomas inglês, francês, italiano
enfim, me esqueceram mesmo. Fiquei ali onde o senhor me encontrou. Tem mais de
dez anos que estou sozinho e abandonado. Ninguém mais quer saber dos nomes tradicionais.
Onde foram parar os Touros? Os Maçaricos? Os Corvos e tantos outros?
- De um passado de glórias e ainda bem
que as tive, hoje sem nada. Abandonado. Sem valores e esquecido em um canto
qualquer da sede. Espero que não me tirem meu passado me destruindo. – Não
disse nada. Dizer o que? O Diretor Técnico chegou. Não entendeu o porquê eu
olhava fixo para o totem do Maçarico. Sem comentários. Ele não ia entender
mesmo. Coloquei o totem no canto onde o encontrei. Falei baixinho para ele.
Volto sábado que vem. Você vai ter o destaque que merece. Perguntei ao chefe se
ele autorizava eu colocar o Totem na sala principal, em lugar de destaque, pois
afinal era uma das primeiras patrulhas surgidas quando o escotismo começou. Ele
não se fez de rogado. – As ordens meu amigo. Fique a vontade.
Durante a
semana procurei seu Almeida, um bom marceneiro. Expliquei a ele o que queria.
Uma armação para colocar um bastão de um metro e meio em uma parede e que
chamasse atenção. Na sexta fui buscar. Meu amigo ficou linda. Ele deu umas
pinceladas na madeira com diversas flor de lis e como dizem os jovens, ficou
mesmo joia. Mandei fazer um quadro. Eu mesmo escrevi lá. Palavras que saíram do
coração. Cheguei lá cedo. Comecei o trabalho. A armação ficou linda na parede.
Convidei todas as patrulhas para homenagear o Totem do Maçarico. Um Monitor o
colocou lá. Eu mesmo coloquei em cima o quadro.
Nele tinha
escrito. Maçarico, Baden Powell te viu nascer. Aquela Patrulha do passado vive
hoje em você. Você merece nosso aplauso! As patrulhas deram uma palma
Escoteira. Não entendiam bem de tudo. Não podiam entender. Receberam outra
formação. Todos voltaram à reunião. Fiquei só com o Totem Maçarico. Ele sorria
um sorrisos dos mais lindos que já tinha visto. Seus olhos vermelhos com
lagrimas caindo. – Obrigado Chefe. Obrigado mesmo. Você não sabe como me fez
feliz. Uma homenagem que nunca esperava receber. Sabe Chefe, precisamos dar
valor ao passado. Ele pode voltar e novamente encantar a todos. Mas isto só
poderá ser possível se tiver alguém para mostrar que isto faz parte de uma bela
tradição.
Fui embora
prometendo voltar pelo menos uma vez por mês. Nunca deixei o Totem Maçarico sem
um abraço, sem uma saudação. Sempre tirava um dia para uma visita. Onde ele
está vejo que sorri sempre. Ele aprendeu com os escoteiros e eu aprendi com BP.
A verdadeira felicidade é fazer a felicidade alguém!
Em algum lugar do passado. Lá em Brownsea:
“Mas as memórias mais vividas de todas
eram os fogos de conselho, antes das orações e do apagar das luzes. Ao redor do
fogo à noite o Chefe nos contava algumas histórias assustadores, conduzia ele
mesmo o canto Eengonyama e com seu jeito inimitável atraia a atenção de todos”.
“Eu ainda posso vê-lo como ele ficava
diante da luz, alerta, cheio de alegria e de vida, um momento grave, outro
alegre, respondendo todas as questões, imitando o chamado dos pássaros,
mostrando como tocaiar um animal selvagem, contando uma história curta,
dançando e cantando ao redor do fogo, mostrando uma moral, não apenas em
palavras, mas usando histórias e convencendo a todos os presentes, rapazes e
adultos, que estavam prontos para segui-lo em qualquer direção”.
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