Em cada coração uma sentença.
A história de um Monitor de Patrulha.
Perdoa-me, folha
seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Eu tive a honra
de conhecer muitos Monitores em minha vida. Monitores amigos, gentís, mandões,
morcegos, irmãos mais velho, indiferentes, falastrões, humildes. Uma gama
deles. Existem por aí de todos os tipos. Mas me lembro de um especialmente.
Nonôvat. Nome estranho? Nada disto. Ele se chamava Antonio Medeiros Nonato
Vantuil Paredes da Silva Braga. Grande não? Mas depois de ler a história verão
que grande era o coração de Nonôvat. Nonôvat era o Monitor da Jaguatirica.
Era uma Patrulha nova, menos de dez anos de fundação. Estava no cargo há dois
anos. A tropa ainda não elegia seus Monitores. O Chefe Ricardo escolhia.
Ninguém reclamava, mas sempre a escolha recaia no mais velho da Patrulha. A
escolha de Nonovat foi bem recebida. Na Curimbatá e na Gavião, Josivaldo e
Moreno eram Monitores mais velhos. Eram três patrulhas. Havia mais duas
femininas, mas uma espécie de convivência pacifica houve uma separação amigável.
Em um Conselho das duas Tropas e
decidido em Corte de Honra, resolveram que cada tropa deveria ter sua própria
vida. Acampariam, fariam excursões e atividades aventureiras em conjunto, mas
cada tropa respeitando a individualidade da outra. Francamente falando as duas
eram mais que irmãs. Um respeito enorme. Claro o Chefe Ricardo e a Chefe Neide
sabiam como agir. Para eles nada poderia dar certo se não tivessem bons
Monitores. Eles sempre diziam aos graduados – Para ser um líder, você tem que
fazer as pessoas quererem te seguir, e ninguém quer seguir alguém que não sabe
onde está indo. Eles faziam muitas reuniões em separado, atividades extra-sede
também. Eles conheciam aquela frase de
Mario Quintana que dizia – O segredo é não correr atrás das borboletas... É
cuidar do jardim para que elas venham até você.
Na Patrulha Jaguatirica quase todos
os seis patrulheiros tinham mais de um ano de tropa. O Chefe Ricardo já pensava
em iniciar a quarta Patrulha. Oito jovens estavam na fila de espera. Chefe
Ricardo nunca foi daqueles de ter tropa grande, ter muitos. Ele era um
especialista em compreender as pessoas como elas são. Sempre dizia aos
Monitores que se vocês querem ser bem sucedidos, precisam ter dedicação total,
buscar seu último limite e dar o melhor de sí. Completava com a metáfora de
Steve Jobs – A qualidade é mais importante do que a quantidade. Um gol de placa
é melhor que um gol feito. Ou seja, a qualidade significa fazer o certo quando
ninguém está olhando.
Foram bem treinados e adestrados
os Monitores. Os sub Monitores também. Eles deviam estar preparados para
substituir numa eventual falta. Na Patrulha todos tinham uma responsabilidade e
Nonôvat sabia como cobrar sem gritar, sem exigir só mostrando o que fazer e
claro ajudando. Não era e nunca foi um mandão. Aos treze anos aprendeu o máximo
que deveria saber para liderar a Patrulha. Aprendeu que para liderar é preciso
também saber ser liderado. Dizia aos seus patrulheiros sorrindo – Olhem! Se
ficarem mal humorado tome café! Se não gostarem sigam a luz, se no final dela
tiver um buraco negro, se joguem. E dava boas risadas. Os escoteiros adoravam
sua maneira de liderar.
A parte mais difícil na Patrulha
era ter um bom intendente/almoxarife. Era o patrulheiro responsável pela tralha
da Patrulha. O material deveria ser bem cuidado. Ficavam também acondicionados
na Caixa da Patrulha. Eles tinham um pequeno saco com quatro alças que servia
para jornadas a pé com dois bastões quatro transportavam sem problemas. Ele
sabia que o grupo não tinha condições financeiras para substituir sempre que
estragava ou sumia um item e este iria fazer enorme falta. José Sanho era o
intendente. Pediu ajuda e obteve de Marlon, o escriba. Ficaram ambos como
intendente e almoxarife. Tinham tudo catalogado. Eles aprenderam toda a técnica
de fiação de ferramentas, cuidados e como guardar. Os dois facões, a
machadinha, a enxada, o aríete, a pá de escota, a pequena picareta, além de uma
pequena caixa de pequenas ferramentas tais como um alicate, um córtex, uma
chave de fenda e outros eram a cada quinze dias motivo de uma arrumação,
verificação e limpeza geral. Todos prontos para uso. Sempre afiados e oleados.
Dificilmente iriam enferrujar. No campo tinham um porta ferramentas. E a noite
eram guardadas em uma pequena cabana que faziam e chamavam de intendência. Nunca
voltavam do acampamento sem que uma boa limpeza fosse feita. O Chefe Ricardo
dizia que temos que aprender a levar as tralhas limpas e não limpar na sede.
Claro sempre havia exceções como sair embaixo de chuva. Não era fácil.
Tinham um amor enorme com as duas
barracas. Aprenderam a arte da impermeabilização assim com os dois toldos que
faziam parte do telhado na cozinha e na sala de refeições nos acampamentos.
Tudo era muito bem empacotado. Desde a caneta preta, a régua e o transferidor
para mapas e afins. Sem contar as duas bússolas que foram sua últimas
aquisições. Uma Silva e uma Prismática. Era só falar em acampar que tudo estava
pronto. Nada para depois. O jogo de panelas doados pelas mãos eram quase
perfeitos no encaixe. Orgulhavam-se disto. Não eram só eles que se mostravam
cuidadosos. Também o Marcondes o socorrista da Patrulha. Conseguiu em varias
farmácias um ótimo estoque de remédios tudo conforme uma lista que Dona Zenaide
enfermeira do Hospital Santa Terezinha e mãe de uma lobinha fez para eles. Eles
sabiam que podiam contar com Muriel o cozinheiro. Sua mãe ria quando ele encostava-se
à cozinha de sua casa e dizia que queria aprender. E aprendeu muito bem. Daniel
o Construtor de Pioneirias não ficava só nisso. Ajudava em tudo assim como o
Zezé Ruaça, que se dizia o faz tudo.
Além de aprender tudo que o Chefe Ricardo
dizia, ele aprendia aqui e ali nas esquinas da vida. Na escola era um bom
aluno. Não o melhor, mas não o pior. Seus pais eram boa gente e sempre
confiaram nele. Não deram tudo que ele precisava para ser Escoteiro, mas o
ajudaram em muitas coisas. Para suprir suas necessidades ele trabalhava. Fazia
trabalhos aqui e ali com os vizinhos sem prejudicar seus deveres escolares. Com
sua sanha de querer sem pedir ajuda, comprou para si em dois anos uma Bussola
Silva, uma faca Escoteira, uma machadinha e o chapéu que muito se orgulhava. Nonôvat
e Leozinho seu sub eram unha e carne. Cada
um sabia que podia contar com o outro.
Nonôvat sempre nas reuniões de
Corte de Honra levantava suas dúvidas e tinha uma que todos sabiam de cor. A
competição entre eles ou entre outros grupos.
– Chefe somos irmãos? Se somos porque teremos que ser melhor que os
outros? Porque não jogar, aprender, ajudar e ser Escoteiro com o coração sem
pensar em ser o melhor? Chefe Ricardo sempre pensou sobre isto. Até decorou o
que leu sobre o tema escrito por Bertrand Russell – A raiz do mal reside no
fato de se insistir demasiadamente que no êxito da competição está a principal
fonte de felicidade. Ele concordava com Nonôvat. Já tinha notado que alguns
grupos eram motivados e até levados pela mão pelos seus chefes para poderem
dizer que eram os melhores. Muitos gritos de Patrulha assim o diziam. Havia até
uma motivação que anualmente era aplicada pela direção nacional. Conseguir tal
e tal padrão. Ele achava justo, mas não o que os chefes faziam. Não tinha nada
de Escoteiro nisto. Ficavam semanas e semanas, meses e meses eles mesmos
fazendo tudo ou com seus Monitores para serem os melhores. Se alcançassem o
padrão ouro então era um Deus nos acuda. Falavam para “Deus e o povo”.
Nonôvat gostava do modo do Chefe
Ricardo. Nas inspeções em sede e nos acampamentos ele respeitava a todos. Uma
vez em uma atividade com outros grupos viu um Chefe jogando palito e pequenos
papeis de um lado ou outro só para dizer – Não fizeram o suficiente! Uma
desonestidade. Isto partindo de chefes seria um mau exemplo e o pior, quando
convidavam Monitores alguns deles também faziam o mesmo. Aprenderam com seus
chefes assim. O Chefe Ricardo era um perfeito cavalheiro. Nunca fez isto. Fazia
questão de respeitar e ser respeitado. Em todos os acampamentos ele fazia questão
que os Monitores fizessem inspeção no campo de Chefia. Lá estava ele a Chefe
Neide e alguns assistentes formados e em posição de sentido enquanto os
Monitores olhavam o campo. Ele nunca soube de um Chefe que fez isto.
Assim a vida seguia e a tropa
Escoteira do grupo de Nonôvat seguia seu caminho. Sempre todos com um sorriso,
com um aperto de mão do Chefe, com um tapinha nas costas quando alcançavam um
distintivo, um abraço forte e um "anrê" por um cordão. Já tiveram
cinco Lis de Ouro em épocas passadas, mas há mais de dois anos que a tropa não
revelava ninguém. Não por falta de motivação. Chefe Ricardo incentivava ao
máximo, mas cabia a cada um dar o primeiro passo. Ele sabia que não podia
carregar ninguém. Deveria ser como dizia Caio Vianna Martins. O Escoteiro
caminha com suas próprias pernas. Na última Corte de Honra foram comunicados de
uma atividade de um dia a convite do distrito. – Chefe! Mas não estava
programado! – Eu sei ele disse, reclamei, mas vai ficar mal se não formos. Deixei
bem claro que seria a última vez. Eles não gostaram, mas aceitaram.
Seria uma atividade de um
domingo. Próximo ao Vale Cinzento. Disseram que seria filmado por uma emissora.
Uma grande publicidade para o escotismo. Não podíamos ficar de fora. A vida
continuou na tropa. Claro muitos esperando ansiosos o dia em que iriam
confraternizar com outras patrulhas. Diziam que estariam presente vinte ou
trinta patrulhas. Talvez um pouco mais com as patrulhas femininas. Às oito da
manhã partiram para a Matriz onde seria o ponto de encontro. Muitos lá estavam
e como sempre a tropa do Chefe Jurema foi à última a chegar. Ele um rapagão de
uns vinte e cinco anos, óculos escuros, chapéu a lá exploradores canadenses e
uma vareta embaixo do braço. Chegou sem cumprimentar ninguém e deram o grito de
tropa. Como sempre diziam que eram os melhores, iam arrasar. Nem o demônio
podia com eles enfim um monte de asneira mais próprio de times “fuleiros” que
não respeitam o próximo.
O distrital tomou a palavra e
explicou o jogo. A conquista do Ouro Misterioso. Deu como ponto de partida uma
parte do Vale Cinzento que ia da nascente até a estrada do Astro Rei que
cortava boa parte do Vale. Ali estavam escondidos quinze lenços escoteiros.
Todos numerados. As Patrulhas não precisavam seguir a ordem, mas para achar a
pista final precisavam de pelo menos cinco lenços. Menos que isto não seria
fácil chegar ao ouro perdido. A ordem era clara. Todos deveriam estar sempre
juntos. Em cada ponto haveria um Chefe Escoteiro. Se a Patrulha dispersasse
seria desclassificada. Às treze horas poderiam parar para o lanche.
Obrigatório. Deu outras instruções e depois o debandar. Paulo Cobra Monitor da
Caveira do Diabo (Como deixaram dar esse nome a uma Patrulha Escoteira ninguém
sabia) se aproximou sorrindo e disse para Nonôvat – Não me esperava eim? Não
tem para ninguém. Você sabe que somos os bons, os melhores da cidade. Melhor
reconhecer agora e desistir! E começou a rir se dirigindo para sua Patrulha.
O jogo começou guerra! Gritou o
Comissário Distrital. Eram dez da manhã. Vai aqui, vai ali e a Patrulha
Jaguatirica conseguiu achar três lenços. Faltavam ainda dois. Ao meio dia e
vinte Nonôvat viu Paulo Cobra sozinho correndo sem a Patrulha. Não podia. Era
contra as normas. Chamar um Chefe e dizer? Nonôvat preferiu ir atrás dele e ser
sincero – Se continuar vou informar ao dirigente distrital. E ele sabia que
faria isto. Correu atrás de Paulo Cobra que tinha subido em um penhasco
proibido pela direção do jogo por oferecer grande perigo. Avisou sua Patrulha,
deixou Leozinho no comando. Ao subir uns oitenta metros ouviu um grito de
socorro. Avistou lá em bairro Paulo Cobra estirado em cima de um galho enorme
de uma árvore. Desceu com cuidado.
Paulo Cobra chorava. Gritava de
dor. Dizia ter fraturado uma costela e o braço. Nonôvat achou que deveria ir
buscar ajuda. Mas ventava forte e ele sabia que uma tempestade se aproximava.
Deixar Paulo Cobra sozinho seria pior. Subiu na árvore. Galho por galho foi descendo
Paulo Cobra. Ele gemia. Chorava e pedia sua mãe. Com muito custo chegou ao pé
da árvore. A chuva caiu. Forte. Raios cortando pedras e árvores no fundo da
garganta. Viu uma grande pedra que fazia uma espécie de caverna a uns quarenta
metros. Pegou Paulo Cobra a moda Escoteira e o carregou ombro acima até a
pedra. Não foi fácil. Ele era pequeno. Paulo Cobra forte, meio gordo. Nonôvat
não desistiu. Chegou à pedra e protegeu o Paulo com sua blusa Escoteira ficando
sem nada sobre a pele. Disse que ia buscar ajuda. Paulo gritou que não iria
ficar só tinha medo. Muito medo.
A chuva passou. Nonôvat pegou
novamente Paulo Cobra e o colocou no ombro. Poderia ter ido buscar ajuda, mas
Paulo Cobra choramingava, pedia para não ficar sozinho. Andava tropeçando. A
cada cem ou duzentos metros parava para descansar. Viu que ia escurecer.
Resolveu fazer um SOS. Acendeu um fogo com muitas folhas verdes. Com sua blusa
presa em duas varetas tentava fazer no código Morse as letras S. O. S. difícil.
Se conseguiu ou não noite chegou. Mas menos de uma depois ouviu vozes. Vários chefes chegando. Paulo Cobra foi
levado por uma carroça de um sitiante. Nonôvat soube depois que quebrou duas
costelas, uma fratura na coxa direita e no braço direito. Mas ia ficar bom. Levou
sua Patrulha para visitá-lo em sua casa. Foi muito bem recebido. Paulo Cobra
chorou varias vezes e pediu perdão por tudo que fez. Nonôvat o abraçou. Ficaram
amigos para sempre.
Dois meses depois um
“monte” de chefes adentrou a sede. Nonovat sabia que eram figurões da região e
do distrito. A ferradura foi formada. O Chefe Ricardo usou da palavra para
apresentar a todos. O Presidente Regional chamou Nonovat a frente. Ele se
assustou. Que seria? Então ficou sabendo que iam lhe entregar a medalhar de
valor. Ouro. Não era bronze e nem prata. Seria ouro mesmo. Acharam que ele
mereceu. Nonovat segurou as lágrimas. Ele não era de chorar fácil. As patrulhas
deram o grito. Nonôvat estava tremendo. Emocionado. Viu que seus pais também
estavam lá. Todo o grupo se fechou em circulo fechado e deram o grito do grupo.
Uma festa. Ele Nonôvat não sabia. No salão de festas muitos comes e bebes.
Primeiro entraram os grandões, depois chamaram Nonovat. Ele educadamente disse que
sua Patrulha fazia parte dele. Assim como as demais. Entraram todos. Até tarde
da noite cantaram e brincaram. Nonôvat em hora nenhuma se sentiu superior. Ele
sabia o que tinha feito. Ajudar um amigo Escoteiro. Não importa quem ele seja.
Nonôvat teve muitas outras
histórias. Histórias que não serão contadas. Histórias de escoteiro de valor.
História de Escoteiro amigo e fraterno. Aquele que pensa primeiro nos outros e
que tem amor no coração. Dizem que cada coração tem uma sentença. Tem sim,
Nonôvat tem a sentença de fazer o bem. Espírito Escoteiro antes de tudo. Soube
que ele e seus patrulheiros sempre ficaram juntos mesmo quando passaram para
Sênior. José Sanho, Marlon, Leozinho, Marcondes, Daniel um cozinheiro adorado e
Zezé Ruaça. Uma vez eu disse para mim mesmo, tem gente que nasce para ser
Escoteiro, tem gente que nasce para ser um grande Escoteiro e tem aqueles que
nascem para dar o exemplo de humildade e amor com todos ao seu redor. Nonôvat,
um Escoteiro que nunca será esquecido!
Não vim a este mundo competir
com ninguém. Quem quer competir comigo perde seu tempo. Estou neste mundo para
competir somente comigo: Ultrapassar meus limites. Vencer meus medos, lutar
contra meus defeitos. Superar dificuldades e correr em busca dos meus
objetivos, já me ocupam muito tempo!
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