terça-feira, 10 de setembro de 2013

O enigma da Cidade misteriosa da Vovó Mafalda.


“Nunca se sabe quando portais para outra dimensão são abertos. O que acontece quando isso ocorre? Que efeitos podem provocar? O que atravessa por esses portais? Que caminhos surgem e para onde levam? Isso ninguém sabe, por enquanto...”.

(A Patrulha Touro é formada por Caititu, Fumanchu, Cabeçudo, Vara de Marmelo, Língua Grande, Zé Lorota e eu o famoso Perna Seca!).

O enigma da Cidade misteriosa da Vovó Mafalda.

               Não gosto de contar esta história. Todos me ouvem com um sorriso de incredulidade no rosto. É chato isto. Afinal então porque me pedem para contar historias? Quer saber? Tem hora que dá vontade de não contar, mas eles insistem mesmo não acreditando. Quando contei para eles da cidade misteriosa da Vovó Mafalda eles deram grandes risadas – Perna Seca, você é um pândego! Danado! Além de rir de mim e duvidar nem pelo nome me chama. Tudo bem. Na próxima ele vai ver. Não deveria haver nada de anormal na jornada. Tínhamos feito à mesma rota no ano passado. Carioca de Lagoa Dourada mandara o telegrama na ultima hora. Achávamos que eles iriam cancelar este ano. Não houve problemas e na sexta pela manhã partimos. Todos os anos sempre fomos lá. Era gostoso participar. Na primeira vez os Cucos, os Maçaricos e nós os Touros participamos em conjunto. Carioca tinha uma bela Patrulha. Depois não sei por que desistiram e só nós íamos.

                  A fazenda do pai do Carioca era linda. E a Mata da Coruja sempre me fazia calafrios. Era de uma beleza sem par. Uma aguada de tirar o chapéu. O madeirame existente ajudava em muito na construção das Barracas suspensas. Barraca suspensa? Meu amigo não é uma barraquinha qualquer. Precisava ficar a mais de dez metros de altura e tinha de ter elevador e água potável. Está rindo? Mas isto não tem segredo, não para nós da Patrulha Touro. A pequena cascata na subida do morro do roncador e os bambus gigantes eram uma benção para aqueles que gostam de uma grande pioneiría. Caititu, Fumanchu, Cabeçudo, Vara de Marmelo, Língua Grande e Zé Lorota eram grandes companheiros de patrulha. Só eu com a segunda classe. Os demais todos tinham a primeira classe e acima do bolso esquerdo as estrelas de atividade estavam lá para que todos soubessem que ali não tinha patas tenras.

                  Sabíamos que Lagoa Dourada não era longe. Menos de cem quilômetros. Saindo cedo até o meio dia chegaríamos. O mais difícil era a Serra das Brumas Negras. Difícil e íngreme. Só nela perdíamos mais de uma hora empurrando nossas bicicletas. Naquela sexta o sol estava a pino. Bom sinal. As nove iniciavam a subida da Serra. Interessante que uma cerração forte tomou conta de toda a montanha e mal enxergávamos dez metros a frente. Ouvimos um barulho de carro. Vinte minutos depois encontramos com um jipe. Nele quatro frades capuchinhos. Eles riram ao nos ver e um deles nos benzeu. Pararam o jipe e se aproximaram de nós. Começaram a contar que também foram Escoteiros na Itália. Um deles disse que era Insígnia de Madeira. Achei interessante àquela prosa e estava até gostando.

                   Um dos capuchinhos nos fez um desafio – Tem café? Claro que não, mas Cabeçudo o nosso cozinheiro riu e disse – dez minutos e vão tomar o melhor café que já tomaram em sua vida. Ali na beira da estrada paramos. Uma ração de pó e duas de açúcar era o bastante. O Cantil cheio o restante. Não foi difícil algumas pedras e alguns galhos e capim seco. A serração não tinha formado ainda o orvalho que molhava tudo.  Sentamos em volta do fogo. Os capuchinhos contavam casos e casos. Nós ficamos calados, meninos ainda tínhamos muito respeito com adultos principalmente padres. Um deles de nome Vincenzo era o mais palrador e alegre. Tomando um cafezinho quente na minha caneca, contou como era sua cidade, no sul da Itália, seu Grupo Escoteiro e de um acampamento que realizaram nas proximidades de Pozzuoli uma pequena comuna italiana na região da Campania, província de Nápoles.

                    O tempo estava passando e os capuchinhos não paravam de falar. Vara de Marmelo nosso Monitor pediu desculpas, pois precisamos chegar a Lagoa Dourada antes do meio dia. Eles agradeceram o café, sorriram entre si e um deles nos benzeu dizendo – Que Jesus os proteja. Agora o caminho vai ser fácil. Partiram em grande velocidade. Daquele jeito iriam despencar na primeira curva. Eu jurava que o jipe deles levantou voou. Caititu também achou só os demais não observaram nada. A cerração não diminuía. Vimos que estava dando uma da tarde e já era hora de descer a serra. Foi então que tudo aconteceu. A subida acabou. A serração diminuiu um pouco. Dava para enxergar um pouco mais além. Avistamos uma pequena cidade. Que cidade? Nunca há tínhamos visto. Estávamos curiosos. Chegando mais perto vimos que não era uma cidade. Uma rua somente. Bem calçada com ladrilhos negros e riscas brancas. As casas todas iguais. Avistamos um bar. Lindo bar. Pessoas sentadas nas mesinhas à porta. Não conversavam. Todos se vestiam iguais. Calça cinza, camisa cinza, sapatos cinza e um chapéu de couro.

                     Paramos para perguntar onde seria a saída da cidade, pois nosso destino era Lagoa Dourada. Ninguém respondeu. Cabeçudo me disse que todos tinham a mesma cara. – Perna Seca, observe cara de um focinho de outro. Ele estava certo. Não havia mulheres nem crianças. Um homem de azul se aproximou. – Tem autorização para entrar em Espectro? – Ficamos pasmados. Nunca ouvíamos falar. – Se não tem me acompanhem, vão falar com o Delegado. A delegacia ficava uns duzentos metros à frente. Paramos, Vara de Marmelo pediu a Zé Lorota ficar tomando conta das bicicletas. – Ninguém fica – entram todos! Disse o homem de azul. Entramos. O delegado estava de costas. O homem de azul explicou. Ele nem se virou – Leve-os ao Juiz e veja o que ele diz. – Ora, pensei morrendo de medo – Quem é este juiz? E porque isso? Nunca soube ser proibido entrar em qualquer cidade!

                     O juiz estava no tribunal. Não havia ninguém. O homem de azul explicou. ´- Já estou sabendo disse. Cinco anos de prestação de serviços no Alambique de Vovó Malfada. Vara de Marmelo tentou explicar – Doutor Juiz, somos escoteiros, não fazemos mal a ninguém, só ajudamos.  – O juiz irredutível – Doutor, disse Fumanchu, temos escola segunda. Nossos pais irão ficar preocupados! – Problema seus não meu. Quem mandou entrar aqui em Espectro? Cabeçudo sempre foi valentão. Olhe Doutor não vamos ficar. Não podemos. Somos menores. O senhor não pode fazer isto conosco. O juiz levantou e disse – Levem-nos. Se continuarem a criar caso desçam a borracha! Quatro homens de azuis apareceram. Arrastaram-nos pela rua deserta. Pelas frestas das janelas víamos que estávamos sendo observados.

                      A casa da Vovó Mafalda ficava no fim da rua. Nenhum de nós estava acreditando no que acontecia. Cinco anos? Impossível. Tínhamos de fugir dali. A Vovó Mafalda tinha idade indefinida. Educadamente nos disse que se fossemos obedientes e disciplinados poderíamos ter dias de folga, descanso e muito mais. O Contrário nada disto iria acontecer. Língua Grande disse que viu nossas bicicletas com toda nossa trabalha atrás da casa da Vovó Mafalda. Vara de Marmelo disse que a noite iriamos fugir. Uma da manhã. Todos fingiam dormir. Saímos pé ante pé. Na porta apareceu como um fantasma a Vovó Mafalda. Vão com Deus disse. Vovó, perguntou Caititu, o que é isto aqui? Que cidade é esta? - Vocês sem perceber devem ter passado para a quarta dimensão na Serra das Brumas Negras. Encontram os quatros padres capuchinhos? É sempre assim. Voltem pelo mesmo lugar. Onde pararam parem também. Tentem ver através da bruma, a um clarão corram em direção dele.

                       Ninguém na cidade nos viu. Seguimos as instruções de Vovó Mafalda. Onde fizemos o café para os padres capuchinhos paramos. Desconfiei daqueles padres. Um clarão se fez na estrada. Corremos em direção a ele. Atravessamos uma espécie de nuvem espessa. Uma estrada nova apareceu. Nossa conhecida. Ao longe Lagoa Dourada. Carioca e seus amigos nos esperavam. - Chegaram no horário disse. Combinamos em manter em segredo a história. Ninguém ia acreditar. Voltamos para nossas casas três dias depois. Na serra uma serração baixa. Um jipe apareceu na curva. De novo os padres – Tem café? Perguntaram. Zé Lorota gritou – Tem não! Eles riram – Não dá para fazer? – “Dá não falou Cabeçudo”. Eles sumiram na bruma negra que tomava conta de tudo.

                          Na descida avistamos a estrada federal. Agora sabíamos que estávamos
em casa. Combinamos em não contar para ninguém. Mas eu? Não sei guardar segredo. – Perna Seca, esta sua história é para boi dormir. Diziam. Ninguém acreditou mesmo. Uma tarde comprava um jornal para o meu pai na Banca do Gumercindo quando virando a rua avistei Vovó Mafalda. Corri atrás dela, ela se virou deu um sorriso abanou as mãos em forma de adeus e desapareceu. A Patrulha ficou “Cabrera”. Vara de Marmelo o Monitor nos disse para tomar cuidado. Mas eu gostaria de voltar lá. Um dia li que Albert Einstein escrevera que as coisas mais maravilhosas que podemos experimentar são as misteriosas. Elas são a origem de toda verdadeira arte e ciência. Aquele para quem essa sensação é estranha, aquele que não mais consegue parar para admirar e extasiar-se em veneração, é como se estivesse morto: seus olhos estão fechados.

                        O homem é provavelmente o ser mais misterioso do nosso planeta. Muitas questões para responder. Quem somos de onde viemos e para onde vamos? Como sabemos em que devemos acreditar? Por que acreditamos em alguma coisa, sequer? Inúmeras perguntas em busca de uma resposta, uma resposta que dará origem a uma nova pergunta e a nova resposta dará origem a nova pergunta, e assim por diante. Mas, no final, a pergunta não será sempre a mesma? E sempre a mesma resposta? É como disse Dimos Iksilara, desvendar o misterioso, perceber o extraordinário, realizar o impensável, é apenas parte da jornada de ser humano, na sua busca pela superação do impossível.

No mistério do sem-fim equilibra-se um planeta. E no planeta um jardim e no jardim um canteiro no canteiro uma violeta e sobre ela o dia inteiro entre o planeta e o sem-fim a asa de uma borboleta.



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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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