Cego não é o
deficiente visual; Mas, sim: - Aquele que a plena luz do dia anda na escuridão
de suas indecisões e objetivos.
Lendas escoteiras.
A saga de Plutão o
labrador de Thereza.
Eu conheci
Thereza há muitos e muitos anos. Minha família era amiga dos seus pais e eu já
estava com meus vinte cinco anos. Quando nasceu ninguém poderia supor que ela
tinha deficiências visuais. A visão é um dos sentidos que nos ajuda a
compreender o mundo a nossa volta. A comunicação por meio de imagens e
elementos visuais nos faz compreender melhor o mundo que vivemos. Thereza aos
dois anos ainda não fora descoberta ser portadora de nenhuma visão. Seus pais
faziam dela a rainha do lar e davam tudo para ela. Foi um choque o dia que
descobriram que ela não enxergava nada. Lagrimas não paravam de cair. Parentes
não acreditavam e corriam a casa de Thereza para saber o que houve, se foi deste
que nasceu ou depois. Quatro meses se passaram até que ela foi levada a um
especialista. Ninguém da família tinha qualquer conhecimento ou treinamento
para ajudar e todos só sabiam reclamar de Deus reclamar da vida e pensavam
sempre em sí próprios perguntando por que tiveram tal infortúnio.
Thereza
cresceu sem amigos. Os pais deram o que podiam a ela. Aulas de adaptações e
deducionais para os deficientes visuais com bons programas e até recebendo o
apoio de um Professor especializado. Thereza tentava a todo custo superar as
barreiras, pois a sensação de impedimento frente a tantas barreiras era uma
dificuldade enorme para ela. A superproteção dos seus familiares sempre a
desacreditarem em sua capacidade de independência trazia enorme mal, pois ela
nunca podia provar que era capaz de andar sozinha e ver o que não via usando os
seus sentidos restantes. Sua autoconfiança não conseguia superar os medos e as
desconfianças. Ela tentava e fazia um esforço descomunal para vencer estas
questões. A escola que frequentava era fraca e as alternativas para superar
isto deviam partir da família o que não acontecia.
Thereza cresceu
taciturna, falava baixinho, não saia na porta de sua casa. Dentro ela conseguia
superar todas suas limitações. Seus pais dificilmente conseguiam um sorriso
dela e sua mãe foi por todos os anos de sua vida, uma professa incansável e
Thereza era uma aluna de uma vivacidade incrível. Ninguém da família nunca a
incentivou a sair, conhecer através de relatos pontos turísticos de sua cidade.
Um dia ela sentava no portão de sua casa ouviu alguém a cumprimentar. – Ola
moça, meu nome é Patrice e sou seu vizinho. Quase não a vejo sair e pensei se
não gostaria de conhecer meu mundo Escoteiro onde participo e onde tenho as
alegrias que antes não tinha. Ela sorriu e ele percebeu que ela tinha
deficiência visual. Nunca percebeu isto. Mas insistiu no convite. Quando ela
comentou com sua mãe foi um Deus nos acuda. – Nem pensar minha filha. O que vai
fazer lá no meio daquela meninada que vão para a floresta, para as montanhas e
fazem suas aventuras? Você nunca poderá ser uma deles.
Thereza não
chorou. Estava acostumada com estas negativas. Uma semana depois alguém bateu a
porta. – Boa tarde senhora, ela ouviu a voz de alguém falando para sua mãe.
Minha patrulha fez uma vaquinha e compramos um labrador para Thereza. A mãe
assustou. Seu pai levantou e foi ver o Cão. Lindo, negro, pele macia, um olhar
doce e um respirar faceiro. Thereza já tinha ouvido falado em cães para deficientes
visuais. Mas ficou assustada com esta possibilidade. Patrice riu quando ela
tremeu e disse – Venha comigo vamos fazer a primeira experiência. Seus pais
tentaram impedir, mas Patrice explicou que seu pai era veterinário e um
adestrador de cães. Eles não precisavam ter medo. – Thereza resolveu enfrentar
esta nova etapa da sua vida. Com suas mãos macias sentiu o pelo do labrador e
sem perceber o chamou de Plutão. Foi amor à primeira vista.
Durante vários
dias Patrice saia com Thereza e passeava com ela puxada pelo seu cão, ou
melhor, por Plutão. Pareciam que tinham nascido um para o outro. O treinamento
foi intensivo e Thereza passou a ter um grande amor por Plutão. Patrice sabia
que ela agora poderia desbravar novos caminhos, era uma questão de tempo,
necessidade e disposição. A locomoção de uma pessoa cega é muito mais fácil do
que parece, mas isto depende exclusivamente dela. Em um mês Thereza perdeu o
medo, mas seus pais nunca acreditaram que ela poderia sair por aí sozinha. Eles
tinham visto sua transformação, já brotava sorriso em seus lábios e tinham
medo. Muito medo de ela sofrer um acidente. No sábado seguinte Patrice apareceu
em sua casa e a convidou a visitar o Grupo Escoteiro. – Patrice, o que eu vou
fazer lá? – Vai conhecer gente Thereza, vai conhecer seus amigos que ajudaram a
comprar o Plutão. E claro vai participar conosco. - Eu? Como? – Esqueça seus
medos Thereza, acredite em você!
Mesmo
contrariando seus pais Thereza foi. Plutão estava aprendendo caminho e a
protegia sempre. Thereza nunca se sentiu tão feliz. Nunca esperou fazer amigos
tão rápido. Ela adorou os seniores e as guias. Sentiu-se em uma grande
irmandade. Cantou com eles e até fez jogos simples. A Patrulha Olavo Bilac fez
dela um dos seus. Ela agora se sentia em casa. Eles não a tocavam. Deixava-a
acompanhar a patrulha. Plutão sempre a seu lado. No shopping todos riam da
alegria daquela turma alegre e disciplinada. Ficavam embasbacados por verem uma
mocinha com um cão correndo aqui e ali e dando belas gargalhadas. Quando se
preparavam para o acampamento anual distrito seus pais foram contra. Não
adiantou o Chefe Manfredo e a Chefe Nair irem até lá e explicarem que não
haveria perigo. Eles foram irredutíveis.
Thereza parou de
falar, de rir e sempre com expressão sombria. Plutão não saia do lado dela.
Punha suas patas em seu colo e lambia seu rosto. Ela afagava Plutão com
tristeza. Sentiu que não havia ninguém em casa. Pegou a correia de Plutão e
saiu com ele. Queria ir para a praça. Queria desabafar, pensar que ela nunca
poderia fazer o que gostaria de fazer. Não se revoltou com seus pais. Plutão
saiu animado e ela sabia que estava em boas mãos. Atravessaram a rua no sinal e
no parque ela sentou na grama em uma sombra. Sentiu uma mão em seu ombro. Uma voz
cavernosa lhe disse que ela era linda. As mãos dele começaram a descer pelo seu
corpo. Ela levantou e tentou correr, mas foi subjugada. Gritou por socorro, mas
naquela hora não havia ninguém perto no parque. Ela ouviu um gemido, um grito
de dor e o marginal pedindo socorro. Agora tudo tinha mudado. Plutão prendeu
seus dentes no seu pescoço.
A policia a levou
em casa. Seus pais alvoraçados e Thereza sorrindo. Os policiais contaram o que
houve. A mãe de Thereza disse que ela não saia mais sozinha. – Mãe eu nunca
estou sozinha. Tenho Plutão. Thereza foi ao acampamento. Como foi lindo. Ouvir
o cantar dos pássaros, sentindo o vento no rosto, sentir á água fria da
nascente, o aroma das flores silvestres. Thereza não precisa ver. Ela sentia
mais que alguém que tinha olhos e nunca enxergaram as belezas vivas da
natureza. Thereza ajudou na cozinha, ia buscar água com Plutão que se divertia
até fez muitas amarras e costuras de arremate nas pioneiras da patrulha.
Thereza voltou outra. Sua mente não esquecia a maravilhosa noite do Fogo de
Conselho.
Nunca mais vi
Thereza. Soube que ela mudou com a família. Um dia no jornal da cidade vi sua
foto. Ela se tornou escritora e estava ficando famosa. Vi que Plutão estava com
ela. Bem velhinho e sorridente. Atrás dela vi o Patrice. Não sei se casaram
ninguém nunca me disse. Mas quem conheceu Thereza como era e possa vê-la agora,
sabe que o mundo dos Escoteiros é único. É maravilhoso. Se ela que não podia
enxergar sentiu isto quando viveu na natureza e os outros que veem e com seu
olfato sentem o cheiro da terra? E com seu tato podem tocar as flores? E como é
doce ouvir o cantar da Ventania no cerrado, os pingos da chuva numa tarde de
verão. Bendito seja Deus por nos dar
esta oportunidade. Cada um escolhe seu caminho. Não importa se enxerga ou não,
mas importa que aceita o que é sem reclamar. Palmas para Thereza!
O milagre não é dar
vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!
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