segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A lenda de Tiger Joy, o pássaro preto cantador.


Lendas Escoteiras.
A lenda de Tiger Joy, o pássaro preto cantador.

“Tudo em vorta é só beleza
Sol de abril e a mata em frô
Mas assum preto, cego dos óio
não vendo a luz, ai, canta de dor.
Tarvez por ignorança
ou mardade das pió
furaro os óio do assum preto
para ele assim, ai, cantá mió”.
Humberto Teixeira/ Luiz Gonzaga

             Zito Francesco era um bom Escoteiro. Não era faroleiro e nem mal educado. Almoxarife na Patrulha Gralha ele fez história. Uma história que até hoje é contada pelos Escoteiros do sertão do Piaui. Poderia dizer que Zito Francesco era um gentleman, de uma maneira tal que alguns se incomodavam. Mas ele tinha um defeito, defeito que muitos jovens ainda não aprenderam que fazer o bem sem olhar a quem é vida dentro do Espírito Escoteiro. Seu hobby favorito era ouvir o cantar dos pássaros. Sabia de cor e salteado quando algum cantava. Era comum a patrulha em reunião ou em marcha de estrada ele parar e dizer: - Parem! Ouçam, é um Rouxinol da montanha! Todos já conheciam os pássaros cantores por causa de Zito Francesco. Podia ser um Uirapuru, um Rouxinol, um Curió, um Sabiá Laranjeira ou um Pintassilgo. Ficou dois dias na Mata do Roncador a procura de um Inhapim, que muitos diziam estar em extinção. Mas ficou dez dias na Mata do Azulão só para ouvir o Tuiuiú cantar.

            Era amado pela tropa, pelos chefes e em seu lar seus pais sentiam uma vibração boa quando estava à família toda reunida. Não foi um Escoteiro que fez carreira. Mal chegou a Segunda Classe. Poucas especialidades. O cantar dos pássaros o prendiam mais que o sonho de ser um Correia de Mateiro ou mesmo um Cordão Dourado. A vida ia passando, as chuvas de verão chegaram e os acampamentos diminuíram de intensidade. Zito Francesco não se incomodava. Ele tinha aonde ir e viver seu sonho aventureiro. Gostava da chuva, e elas lhe faziam muito bem, pois ele sabia que nas chuvas de verão ao aproximar-se a primavera era a época onde os pássaros cantavam melhor. Ninguém se preocupava quando ele passava de mochila e Chapelão, com a borrasca no seu auge em direção a Mata do Jaú. Sabiam que dois ou três dias depois ele voltava sorrindo, cantando baixinho a imitar seu pássaro preferido.

             A história de tudo que aconteceu ninguém até hoje soube explicar muito bem. Juan Maneco seu Monitor contou que ele ao passar em frente à Barbearia do Fagundes uma das poucas existentes em Barra Vermelha, viu uma aglomeração de gente em volta da porta. Fizeram silêncio e ele ouviu o canto triste de um Pássaro Preto. Triste, choroso, aflito em sua gaiola azul a olhar para o nada. Zito Francesco viu os seus olhos opacos, sem destino, com dois buracos negros como se tivesse sido furados, sem olhar para ninguém. Ele estava cego. Seus olhos ficaram marejados de lágrimas. Era penoso, era angustiante ver que existia alguém capaz de furar os olhos de um lindo passado como aquele só para vê-lo cantar diferente. Zito Francesco não ficou ali a ouvir o cantar do Pássaro Preto. Foi para casa penalizado e choroso pelo pobre pássaro. Ficou dias sem falar com ninguém. Na reunião do sábado seguinte todos estranharam sua tristeza. – O que foi Zito? Todos perguntavam. Ele não disse nada. Se coração estava machucado. Para ele era uma maldade tão cruel como matar alguém.

             Um Chefe um dia lhe disse que matar alguém é tirar tudo que ele tem e o que ele poderia ter um dia. O Pássaro Preto perdeu tudo que tinha ao perder a visão e nunca mais na vida teria nada. Seu cantar era para lembrar o tempo que viveu a voar pelos céus. Uma tarde a mãe de Zito Francesco foi à casa do Monitor de sua patrulha a procura dele. – Não sei Dona Mercedes. Ela procurou o Delegado Tonhão. Cidade pequena impossível sumir assim. Uma semana, um mês, dois três. Zito Francesco o Escoteiro nunca mais apareceu. Quem sabe estaria ligado ao sumiço do Pássaro Preto do Barbeiro Tobias? Ninguém sabia explicar. O pássaro desaparecera da noite para o dia de sua gaiola azul. Enfim a vida passa, as nuvens passam, e as histórias continuam a ser contadas. Muitos juraram que o viram com o Pássaro Preto na Floresta Negra. Reviraram a floresta e nada. Outros estranharam porque uma nuvem de pássaros pretos saia pela manhã e voltava à tarde para a Floresta Negra. À noite ninguém se arriscava a entrar lá. Histórias, ah! Quantas histórias fizeram de Zito Francesco.

              Uma tarde de outono eu e minha patrulha Pico da Neblina passamos por Barra Vermelha. Tinhamos amigos lá no Grupo Escoteiro. Ficaríamos lá aquela noite e no dia seguinte o destino era Águas do Ventos Sul, uma cidade onde um Grupo Escoteiro estava iniciando. Em uma gostosa Conversa ao Pé do fogo na sede do grupo e tantos assuntos rolaram. Escoteiros quando se encontram matam as saudades e deixam chegar os sorrisos gostosos de bons companheiros. Foi Neco Sartano Sub Monitor da Gralha quem contou a história de Zito Francesco. Fazia dois anos que ele sumira. Ninguém nunca mais ouviu falar nele e os poucos que o viram disseram que era um fantasma da Floresta Negra. A conversa foi até lá pelas tantas. Preferimos armar a barraca no pátio da sede, pois o local era excelente. Após a partida de todos eu sabia ao olhar o semblante de cada escoteiro sênior da patrulha que não podíamos partir sem antes saber o que aconteceu lá na Floresta Negra.

              Tínhamos tempo. Nossa jornada era de doze dias e nada que perder dois ou três dias poderia fazer falta. Levantamos cedo. Nossas tralhas foram amarradas nas bicicletas e partimos. Vimos do alto do Monte Sultão a Floresta Negra. Não era grande e era linda. Achamos uma clareira e ali montamos nosso campo. Era notável o silencio da floresta e nenhum cantar dos pássaros nativos. Foi à noite que tudo começou. Um pio angustiado de um Pássaro Preto se fez ouvir. Logo foi acompanhado por milhares de outros Pássaros Preto. Ficamos estáticos. Ninguém falava nada. Não era uma sinfonia de pássaros a cantar, parecia mais uma melancólica canção cantada por tantos pássaros que ninguém via. Um brilho azul reluziu no caminho que chegamos. Um vulto Escoteiro, só vimos o chapéu e um choro convulsivo. Se for Zito Francesco não sabíamos. Assim como chegou partiu adentro da Floresta Negra. O silêncio se fez novamente. A Floresta parecia mergulhar numa mudez penosa e triste. Alguns segundos depois só um pássaro se fez ouvir. Tinha que ser o Tuiuiú com sua melodia majestosa. Uma calma gostosa voltou a vibrar naquela noite sem luar, mas com lindas estrelas no céu.

              Dormimos sem sobressaltos e pela manhã partimos. Nunca em minha vida tive uma noite como aquela. Onde a tristeza foi substituída pelo cantar da floresta e de um lindo pássaro que quando canta fica preso na garganta de quem pode ouvir e sentir uma felicidade imensa. Antes de partir fizemos uma oração para Zito Francesco. Não esquecemos também Tiger Joy o pássaro Preto cego pela maldade dos homens. Quem sabe ele devia ter nascido soturno, calado sem voz e assim estaria hoje vendo a natureza em flor? O desabrochar da Primavera? Ou até mesmo um outono suave ou um verão onde ele poderia voar pelos campos verdes onde os pássaros voam ao sabor do vento como se fossem entes mágicos a trazer para os homens o que eles ainda não tem: A paz e amor no coração! 


“Assum Preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá (bis)
Assum Preto, o meu cantar.
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus”.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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