Lendas Escoteiras.
A lenda de Tiger Joy, o
pássaro preto cantador.
“Tudo em vorta é só
beleza
Sol de abril e a mata em
frô
Mas assum preto, cego
dos óio
não vendo a luz, ai,
canta de dor.
Tarvez por ignorança
ou mardade das pió
furaro os óio do assum
preto
para ele assim, ai,
cantá mió”.
Humberto Teixeira/ Luiz
Gonzaga
Zito
Francesco era um bom Escoteiro. Não era faroleiro e nem mal educado. Almoxarife
na Patrulha Gralha ele fez história. Uma história que até hoje é contada pelos
Escoteiros do sertão do Piaui. Poderia dizer que Zito Francesco era um
gentleman, de uma maneira tal que alguns se incomodavam. Mas ele tinha um
defeito, defeito que muitos jovens ainda não aprenderam que fazer o bem sem
olhar a quem é vida dentro do Espírito Escoteiro. Seu hobby favorito era ouvir
o cantar dos pássaros. Sabia de cor e salteado quando algum cantava. Era comum
a patrulha em reunião ou em marcha de estrada ele parar e dizer: - Parem!
Ouçam, é um Rouxinol da montanha! Todos já conheciam os pássaros cantores por
causa de Zito Francesco. Podia ser um Uirapuru, um Rouxinol, um Curió, um Sabiá
Laranjeira ou um Pintassilgo. Ficou dois dias na Mata do Roncador a procura de
um Inhapim, que muitos diziam estar em extinção. Mas ficou dez dias na Mata do
Azulão só para ouvir o Tuiuiú cantar.
Era amado pela
tropa, pelos chefes e em seu lar seus pais sentiam uma vibração boa quando
estava à família toda reunida. Não foi um Escoteiro que fez carreira. Mal
chegou a Segunda Classe. Poucas especialidades. O cantar dos pássaros o
prendiam mais que o sonho de ser um Correia de Mateiro ou mesmo um Cordão
Dourado. A vida ia passando, as chuvas de verão chegaram e os acampamentos
diminuíram de intensidade. Zito Francesco não se incomodava. Ele tinha aonde ir
e viver seu sonho aventureiro. Gostava da chuva, e elas lhe faziam muito bem,
pois ele sabia que nas chuvas de verão ao aproximar-se a primavera era a época
onde os pássaros cantavam melhor. Ninguém se preocupava quando ele passava de
mochila e Chapelão, com a borrasca no seu auge em direção a Mata do Jaú. Sabiam
que dois ou três dias depois ele voltava sorrindo, cantando baixinho a imitar
seu pássaro preferido.
A história de
tudo que aconteceu ninguém até hoje soube explicar muito bem. Juan Maneco seu
Monitor contou que ele ao passar em frente à Barbearia do Fagundes uma das
poucas existentes em Barra Vermelha, viu uma aglomeração de gente em volta da
porta. Fizeram silêncio e ele ouviu o canto triste de um Pássaro Preto. Triste,
choroso, aflito em sua gaiola azul a olhar para o nada. Zito Francesco viu os
seus olhos opacos, sem destino, com dois buracos negros como se tivesse sido
furados, sem olhar para ninguém. Ele estava cego. Seus olhos ficaram marejados
de lágrimas. Era penoso, era angustiante ver que existia alguém capaz de furar
os olhos de um lindo passado como aquele só para vê-lo cantar diferente. Zito
Francesco não ficou ali a ouvir o cantar do Pássaro Preto. Foi para casa
penalizado e choroso pelo pobre pássaro. Ficou dias sem falar com ninguém. Na
reunião do sábado seguinte todos estranharam sua tristeza. – O que foi Zito?
Todos perguntavam. Ele não disse nada. Se coração estava machucado. Para ele
era uma maldade tão cruel como matar alguém.
Um Chefe um
dia lhe disse que matar alguém é tirar tudo que ele tem e o que ele poderia ter
um dia. O Pássaro Preto perdeu tudo que tinha ao perder a visão e nunca mais na
vida teria nada. Seu cantar era para lembrar o tempo que viveu a voar pelos
céus. Uma tarde a mãe de Zito Francesco foi à casa do Monitor de sua patrulha a
procura dele. – Não sei Dona Mercedes. Ela procurou o Delegado Tonhão. Cidade
pequena impossível sumir assim. Uma semana, um mês, dois três. Zito Francesco o
Escoteiro nunca mais apareceu. Quem sabe estaria ligado ao sumiço do Pássaro
Preto do Barbeiro Tobias? Ninguém sabia explicar. O pássaro desaparecera da
noite para o dia de sua gaiola azul. Enfim a vida passa, as nuvens passam, e as
histórias continuam a ser contadas. Muitos juraram que o viram com o Pássaro
Preto na Floresta Negra. Reviraram a floresta e nada. Outros estranharam porque
uma nuvem de pássaros pretos saia pela manhã e voltava à tarde para a Floresta
Negra. À noite ninguém se arriscava a entrar lá. Histórias, ah! Quantas
histórias fizeram de Zito Francesco.
Uma tarde de outono eu e minha
patrulha Pico da Neblina passamos por Barra Vermelha. Tinhamos amigos lá no
Grupo Escoteiro. Ficaríamos lá aquela noite e no dia seguinte o destino era
Águas do Ventos Sul, uma cidade onde um Grupo Escoteiro estava iniciando. Em
uma gostosa Conversa ao Pé do fogo na sede do grupo e tantos assuntos rolaram.
Escoteiros quando se encontram matam as saudades e deixam chegar os sorrisos
gostosos de bons companheiros. Foi Neco Sartano Sub Monitor da Gralha quem
contou a história de Zito Francesco. Fazia dois anos que ele sumira. Ninguém
nunca mais ouviu falar nele e os poucos que o viram disseram que era um
fantasma da Floresta Negra. A conversa foi até lá pelas tantas. Preferimos
armar a barraca no pátio da sede, pois o local era excelente. Após a partida de
todos eu sabia ao olhar o semblante de cada escoteiro sênior da patrulha que
não podíamos partir sem antes saber o que aconteceu lá na Floresta Negra.
Tínhamos
tempo. Nossa jornada era de doze dias e nada que perder dois ou três dias poderia
fazer falta. Levantamos cedo. Nossas tralhas foram amarradas nas bicicletas e
partimos. Vimos do alto do Monte Sultão a Floresta Negra. Não era grande e era
linda. Achamos uma clareira e ali montamos nosso campo. Era notável o silencio
da floresta e nenhum cantar dos pássaros nativos. Foi à noite que tudo começou.
Um pio angustiado de um Pássaro Preto se fez ouvir. Logo foi acompanhado por
milhares de outros Pássaros Preto. Ficamos estáticos. Ninguém falava nada. Não era
uma sinfonia de pássaros a cantar, parecia mais uma melancólica canção cantada
por tantos pássaros que ninguém via. Um brilho azul reluziu no caminho que
chegamos. Um vulto Escoteiro, só vimos o chapéu e um choro convulsivo. Se for
Zito Francesco não sabíamos. Assim como chegou partiu adentro da Floresta
Negra. O silêncio se fez novamente. A Floresta parecia mergulhar numa mudez
penosa e triste. Alguns segundos depois só um pássaro se fez ouvir. Tinha que
ser o Tuiuiú com sua melodia majestosa. Uma calma gostosa voltou a vibrar
naquela noite sem luar, mas com lindas estrelas no céu.
Dormimos sem
sobressaltos e pela manhã partimos. Nunca em minha vida tive uma noite como
aquela. Onde a tristeza foi substituída pelo cantar da floresta e de um lindo
pássaro que quando canta fica preso na garganta de quem pode ouvir e sentir uma
felicidade imensa. Antes de partir fizemos uma oração para Zito Francesco. Não
esquecemos também Tiger Joy o pássaro Preto cego pela maldade dos homens. Quem
sabe ele devia ter nascido soturno, calado sem voz e assim estaria hoje vendo a
natureza em flor? O desabrochar da Primavera? Ou até mesmo um outono suave ou
um verão onde ele poderia voar pelos campos verdes onde os pássaros voam ao
sabor do vento como se fossem entes mágicos a trazer para os homens o que eles
ainda não tem: A paz e amor no coração!
“Assum Preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá (bis)
Assum Preto, o meu cantar.
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus”.
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá (bis)
Assum Preto, o meu cantar.
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus”.
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