Lendas Escoteiras.
Lord Falcon, o menino de
rua que um dia foi Escoteiro.
Não
era um mar de rosas. Nunca foi, mas como ele não conhecia outro tipo de vida
achava que não devia reclamar. Deste que passou a pensar sabia que sempre havia
alguém querendo tirar proveito dele. Nunca soube quem era seu pai e nem sua
mãe. Acreditava que era um menor abandonado, um coitado, sem defesa e por isto
em qualquer lugar que fosse batiam nele. No orfanato fizeram dele um escravo
dos mais velhos e ninguém ali o ajudava. Achou que tinha nascido lá e mesmo com
a roupa e comida que lhe davam ele se cansou de tudo e fugiu. Vagou nas ruas
pedindo esmolas, mas poucos davam. Havia outros como ele nas ruas da cidade e
poucos ele podia considerar como amigos. Se os encontravam queriam tomar dele o
pouco que tinha e ele não tinha nada. Procurava não dormir no mesmo lugar. Não
podia fazer um ninho embaixo de um viaduto, uma calçada ou um casarão
abandonado.
Uma vez
uma menina lhe ofereceu um “pito” ele se sentiu mal. Ainda bem que não viciou.
Seu estomago não aceitava e quando arriscava vomitava tudo. Passava mal dois ou
três dias e nem comer podia. Bom isto, um defeito em seu interior não o deixava
drogar. Quando fez onze anos uma gripe o jogou na grama da Praça da Sé. Tremia
de frio, chorava e não sabia a quem pedir ajuda. Dois meninos de sua idade o
socorreram. Ele se perguntou por que fizeram isto. Olhou melhor para os dois
quando o deixaram a porta da Casa de Saúde. Eles sorriam para ele um sorriso
bonito que ele depois que foram embora tentou dar, mas não conseguiu. Uma
enfermeira lhe deu remédios, mas não o deixou entrar. Ali mesmo na porta ele
ficou dormindo e acordou sem tremuras e sem febre. Viu os meninos que o
ajudaram sem pedir nada em troca. Brincavam na grama onde dormia vez ou outra.
Olhou com mais atenção e viu que eram vários. Todos iguais com uma vestimenta
caqui e um chapelão na cabeça. Eles corriam, cantavam brincavam e se abraçavam.
Nunca
prestou atenção neles até que o ajudaram naquela tarde. Foram embora em um
ônibus e passou meses para ele os ver de novo. Sem querer os viu em um pátio de
uma escola onde ele algumas vezes dormia quando as chuvas chegavam. Em cima do
muro ficou olhando a correria que aprontavam. Pensou que seria bom se um dia
fosse como eles, pois viu que quando escurecia eles iam embora com seus pais
nos lindos automóveis azuis e branco. Quando o último partia ele pulou o muro e
ficou embaixo de um Abacateiro enorme, frondoso, sentiu a barriga vazia,
precisava comer, mas sabia que só no dia seguinte conseguiria alguma coisa.
Sentou junto ao tronco da árvore. Alguém saiu de dentro de uma salinha e o viu.
Pensou em correr, pois sempre um vigia, um guarda quando o encontravam enchiam
seu corpo de chutes e tapas. Este foi diferente. Era um homem Velho. Ainda com
seu uniforme igual os meninos. O olhou, pegou pela mão e disse para
acompanhá-lo.
Morava perto, uns quatro quarteirões. Foram a pé. Ninguém antes dera a
mão a ele. Ele se sentiu bem, parecia um calor passando de corpo a corpo.
Entraram e ele sentou na cadeira que o homem lhe oferecera. Lá dentro a casa do
homem era agradável. Deu-lhe um prato com arroz, feijão e um bife. Quanto tempo
não comia um bife. Estava bom demais. Repetiu duas vezes. O homem não ficava
olhando para ele. O deixou a vontade e depois o levou até o chuveiro. Mostrou
uma toalha o sabão e as roupas que ele devia usar quando terminasse. Ele não
estava acreditando naquilo. Ninguém nunca fizera isto com ele. O que ele
queria? Devia ficar prevenido. Tomou um banho, gostoso, quente que maravilha.
Era um banho que nunca tomara. Vestiu as roupas, o homem o levou a um quarto
com uma pequena cama. Ele dormiu. Como era bom dormir em uma cama, um colchão,
um travesseiro e um cobertor.
Acordou de madrugada. O homem estava na cozinha sentado e chorando. Ele
ficou preocupado. O homem enxugou as lágrimas e lhe ofereceu um pedaço de bolo
com leite gelado. Os olhos vermelhos. Não falava. Ele perguntou ao homem porque
chorava. Se ele fosse embora ele parava de chorar? O homem levantou pegou um
porta retratos nele uma moça de azul e um menino de azul com um lenço e um boné
azul sorriam de mãos dadas. Ele não entendeu. O homem disse – Janice e Maninho,
eles foram para o céu. Ele entendeu. O homem foi para seu quarto ele também.
Acordou cedo. Olhou a casa, muito grande, tinha piscina, tinha grama e jardim.
Muita coisa bonita. Quem sabe podia roubar alguma coisa para vender, mas achou
que não devia. Nunca ninguém o ajudou como ele. Ficou lá o dia inteiro na porta
com medo de entrar na casa de novo. À tardinha o homem chegou. Sorriu, disse a
ele - obrigado. Pensei que tinha ido
embora. Não disse mais nada. Jantaram, foram para a sala e viu televisão. Era
lindo ali. Ver naquela telinha coisas que ele pouco tinha visto a não ser nas
vitrines da Paulista.
Uma semana e ele lá. O homem ia trabalhar e ele ficava na porta. Não
entrava, tinha medo de roubar e ele não queria roubar. O homem chegava,
jantavam, ele tomava banho ia ver televisão e depois dormir. No sábado o homem
deu-lhe a mão e saíram. Foram até a escola onde ele o encontrou. Convidou a ele
para ser um dos meninos. Uma patrulha, um grito, um aperto de mão e ele no
final chorou. Quanto tempo não chorava? Nunca viu tantos amigos, gente boa,
gente linda, sorrisos radiantes e ele aprendeu a cantar, a jogar e fazer o nó
direito. Para que o nó? Devia ser para que a vida lhe abraçasse mais, pois até
então a vida lhe negara tudo. O tempo passou. Ele vivia na casa do homem. Foi
para a escola, aprendeu a ler e escrever. Ficou batuta em matemática. Entrou em
um concurso. Ganhou. O homem sorriu e lhe deu um chapéu, um lenço e um uniforme
caqui. Ele cresceu. Tornou-se um homem como o outro homem que o ajudou.
Um
dia o homem que lhe dera a mão ficou doente. Ele o levou até o hospital. O
homem lhe deu a mão. Disse que ele era seu novo filho e contou quantas alegrias ele lhe deu. Ele
chorou, pois alegria foi o homem que lhe deu. Deu-lhe um lar, uma casa linda,
um quarto e comida farta. O homem morreu no hospital. Ele chorou de novo. Agora
tinha de viver sua própria vida. Ninguém o condenou. Todos os meninos que
cresceram com ele o abraçaram e disseram que eram irmãos de sangue. Ele não
entendeu, mas aceitou. Todos os domingos ele visitava o homem que lhe dera a
mão no jazigo que tinha no Cemitério da Saudade. Junto a ele também Janice e
Maninho. Os três que ele não podia ver sorriam. Agora estavam juntos de novo.
Ele nunca reclamou da vida. Do passado e aprendeu um dia que existe um Deus no
céu. Que pode ajudar e resolver e ele o ajudou e resolveu.
E
ele virou outro homem. Agora trabalhava e quando passava na grama do jardim da
igreja via outros meninos que como ele lá estavam a pedir, a roubar a usar o
“pito” e ele pensava se um dia eles não teriam a oportunidade que ele teve.
Agora Velho, ainda vivendo sozinho na casa daquele homem que lhe deu tudo ele
se lembrava das palavras de um poeta: - Cada pessoa que passa em nossa vida passa
sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra. Cada pessoa
que passa em nossa vida passa sozinha, e não nos deixa só, porque deixa um
pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da
vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso.
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