Lendas
Escoteiras.
A
cruz do meu destino.
- Sentei na beira do riacho
no lusco fusco daquela tarde fria. Meus olhos estavam cheios de lágrimas,
pensei comigo que não devia ter ido e teria sido melhor ter ficado em casa. Mas
eu precisava pensar. Eu tinha de tomar uma decisão e não sabia qual. Meus
amigos não sabiam como aconselhar, pois nenhum deles passou pelo que eu estava
passando naquele momento. Qual caminho tomar? Quando cheguei em casa depois da
reunião dos Escoteiros encontrei em cima da mesinha seu bilhete, bilhete não,
uma carta. Longa, triste, ela disse tudo que queria dizer. Bateu fundo em meu
coração. Machucou, mas eu merecia. Aquela noite eu chorei. Eu um homem feito
com meus trinta e cinco anos e chorando. Foi uma semana difícil no meu
trabalho. No sábado cedo avisei ao Lucas Monitor da Lobo que não iria a
reunião. Ele meu vizinho ficou ressabiado, não perguntou nada. Como Escoteiro e
Monitor acho que sabia o porquê. Eu precisava pensar e nada melhor que procurar
um lugar longe, onde o vento e a brisa da madrugada pudessem ser um bálsamo
para curar minha dor e quem sabe o meu coração.
Ali naquela montanha
cujo nome eu não sabia, com a cabeça baixa, só ouvindo o cantar dos pássaros e
o barulho borbulhante da cascata meus pensamentos iam a mil. Não fiz meu
almoço. Não tinha fome. Bebia a água da bica, pois achei que ela poderia
purificar minha alma que sofria. Nem mesmo um pintassilgo que resolveu pousar
perto de mim ajudou. Se não fosse quem fosse eu preferia morrer a passar pelo
que estava passando. Mas era tão difícil assim? Quantos chefes passaram por
isto? Afinal só existe a felicidade entre as famílias Escoteiras que participam
juntos? Eu sabia que Verinha tinha razão. Ela sempre fora uma alma caridosa a
tentar entender meu novo estilo de vida. Ela sempre foi uma companheira de
verdade. Não posso até hoje reclamar. Fez tudo por mim e eu achava que também
fazia por ela, mas dinheiro e palavras não foram suficientes. Ela queria
carinho, minha presença, passear por aí, tirar férias na praia, ela adorava Juliano,
nosso único filho. Mas eu cego e estupido achei que meu caminho era aquele em
ajudar o escotismo. Agora via que enganava a mim mesmo. Olhando o cair da água
cristalina da cascata levanto meus olhos para o céu e ele parece me dizer: Você
não soube escolher. Escolheu errado meu amigo. Meus olhos marejados de
lágrimas. Que vontade de gritar de dizer que não era o que queria!
Tudo teve inicio há
três anos, eu era feliz e depois achei também que minha felicidade aumentou. Eu
passeava sempre com ela e meu filho todos os fins de semana, íamos à casa de
amigos, visitava sempre a mãe dela que morava longe, uma viagem de avião
gostosa e nunca faltei com a minha mãe. Sempre íamos ao shopping, um
restaurante, até em teatro fomos diversas vezes. Viajamos a Cabo Frio, na
Bahia, no Ceará e eu tinha planos de ir a Disney com eles. Afinal não era rico,
mas como Gerente da Fábrica eu tinha um bom salário. Um sábado Juliano veio me
pedir para participar em um Grupo Escoteiro. Minha mente voltou ao passado
quando sempre sonhei em ser um e nunca fui. Trabalhava com meu pai, lutávamos
com dificuldade e os dias que a féria era melhor sempre fora nos fins de
semana. Porque não? Pensei. Lá fui eu com ele. Uma meninada alegre, adultos
educados, jogos incríveis e eu me vi ali com eles a correr nos tempos do meu
passado. Agora esquecia que era um
adulto. Juliano entrou. O Chefe Joy insistiu para que eu entrasse também. Eles
estavam com dificuldade de voluntários e ele pensou que eu poderia ajudar.
Para minha promessa foi
um pulo. Logo assumi a tropa, pois Everaldo o Chefe se desentendeu com os
outros e foi embora. Para mim foi à glória. Agora sim eu era o Chefe. A
meninada passou a me chamar de Chefe Corisco. Porque Corisco? Não sei, mas eu
gostava. Não perdia um curso, ia em todos, adorava ficar com eles conversando
correndo brincando. Nestas horas eu não era Chefe era um menino. Tudo mudou em
minha vida, parei de visitar meus pais e os pais dela. Quase não saímos mais,
pois estava sempre fora nos finais de semana. Reuniões, acampamentos,
excursões, indabas e tudo piorou quando fui para o Jamboree. Na volta Verinha
não falou comigo. Vi que ela estava magoada. Pensei comigo que no dia seguinte
tudo iria mudar. Verinha era sistemática. Não falava, não reclamava, mas seu
semblante era um livro aberto.
Tudo piorou muito
mais quando Juliano pediu para sair. Fui ríspido com ele. Chamei-o de mole, sem
força de vontade, disse a ele que não tinha Espírito Escoteiro. Nunca soube por
que ele desistiu. Foi Lucas o Monitor quem me contou – Olhe Chefe, Juliano
cansou. Não quer mais. Acha que o senhor é muito exigente. Sempre a cobrar dele
as provas sempre falando que ele tinha de conseguir o Lis de Ouro! – Será mesmo
que era isto? Porque não conversar com ele? A conversa nunca aconteceu. A vida
de um Chefe Escoteiro hoje eu sei que tem altos e baixos. Exigimos muito de nós
e esquecemos daqueles que nos querem bem e são a razão de ser de nossa vida.
Mas sair do escotismo? Nunca, eu amava o movimento. Depois que entrei me
transformei. O escotismo passou a ser minha filosofia de vida. Juliano não
voltou. Verinha conversava em monossílabos. Tudo estava acabando e eu cego não
via. No grupo ninguém percebia, afinal nestas horas dificilmente temos alguém
com experiência para nos orientar.
Sentado a noite em um
toco que achei, aproveitando uma pequena fogueira que agora era só brasas,
olhei para o céu estrelado pedindo um novo caminho. Pedi ao Senhor pedi a Deus,
pedi aos santos amigos. Meus olhos vermelhos, lágrimas caiam e molhavam a
terra. Tirei do bolso o bilhete de Verinha – Meu amor, eu te amo, demais mesmo,
mas você parece não mais nos amar. Esqueceu que sou sua mulher e até de Juliano
esqueceu. Não fala mais com ele. Nunca aceitei entrar com você no escotismo. Eu
não sentia o mesmo que você. Nem todos nasceram para isto. Sei que você
dificilmente vai deixar de ser um deles. Você já demonstrou isto na festa de
aniversário do meu pai quando foi para a Assembleia, também esqueceu que sua
mãe passava mal e mesmo assim foi para um Acampamento Distrital. Ela pedia sua
presença naquele quarto do hospital e você não apareceu. Só chegou depois que
ela partiu para outros rumos nas estrelas. Desculpe-me meu amor, mas não dá
mais, estou indo embora. Aqui não volto mais. Juliano vai comigo. Quando contei
para ele chorou muito, mas não voltou atrás. Saiba que eu te amo, amo demais,
mas desejo que você seja feliz com seus amigos do escotismo.
Era meia noite quando juntei
minhas tralhas e desci a serra. Minha decisão estava tomada. Eu não ia perder
minha família. Amava o escotismo, mas até então eles não estavam em primeiro
lugar. Agora não seria mais assim. Entre um e outro ficaria com quem convivi
uma vida. Sei que o escotismo não tem culpa, mas quando participamos nos
entregamos demais e esquecemo-nos dos nossos entes queridos. Vou atrás de
Verinha e Juliano. Irei pedir perdão a eles de joelhos. Farei tudo para ela
voltar. Não irei fazer promessas, pois minha escolha estava feita. Espero que
Deus me ajude neste novo recomeço. Quando desci do avião e bati na porta da
casa da mãe de Verinha eu me lembrei de Chico Xavier - Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo,
qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.
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