Lendas Escoteiras.
O último adeus!
Foi sim meu último
adeus. Um adeus triste, choroso, lágrimas que caíram por muitos e muitos anos.
E quando lembro meu coração bate, meu corpo sente a emoção da perda e mesmo
hoje adulto parece que tudo aconteceu ontem. Não me sai da memória. Conto hoje
para meus filhos e eles não entendem muito bem. Bonita minha esposa tenta
entender e quer chorar comigo, mas a dor é minha, não é dela. Enquanto fui
menino fiquei por muitos anos sentado em um banquinho que eu mesmo fiz e que
eles disseram ser uma pioneira onde eles ficaram. Sempre ali proximo ao rio das
flores a espera deles. Sabia que nunca mais voltariam, mas porque não
acreditar? Quantos sonhos eu tive pensando que um dia eles iriam voltar? Ver todos
de novo cantando, brincando naquele ônibus colorido que assim como chegou
partiu dias depois. São lágrimas doidas e nem sei quantas lágrimas derramei.
Foram os dias mais lindos da minha infância. Dias que nunca, mas nunca mais vou
esquecer. Quatro dias de felicidade!
Morava em uma pequena casa de pau a pique, próximo ao Rio das Flores.
Meu pai trabalhava na fazenda do Senhor Coronel Alcebíades, e tínhamos uma
casinha pequena, de adobe. Éramos quatro. Eu, meu pai, minha mãe e meu irmão de
três anos. Uma família feliz. Toda manhã eu ia para a escola na fazenda Rancho
Fundo do Coronel, há única da redondeza. Eram quatro quilômetros que eu fazia
correndo. Ajudava meu pai na lida da capina e a tarde nadava no rio. Diziam que
nadava como um peixe. Numa quarta feira vi um ônibus colorido, cheio de
cantorias que se dirigia a fazenda do coronel. Cortei caminho e do alto da
Morada do Sol vi dois homens de calça curta e chapelão conversando com ele. Ele
fez sinal para mim e disse que levassem eles até A várzea corrente, perto do
rio e do bambuzal. Não falou mais nada. Entrei no ônibus. Todas as
crianças da minha idade, rindo, brincando me dando um tal de Sempre Alerta. Que
seria isto?
Estava com vergonha deles e fiquei em pé bem na frente, mas olhando
todos de rabo de olho. Chegamos, eles desceram juntaram a tralha e ficaram
esperando a chamada. Logo eles fizeram um meio circulo próximo a um pé de Jabuticaba,
o tal do "Chefe" Escoteiro passou uma cordinha, e colocaram a
bandeira do Brasil. Fiquei de longe olhando. Meus olhos estavam fixos na
meninada e na bandeira. Nunca tinha visto nada igual. Eles corriam aqui e ali.
Cada turminha fez um cercado, armaram barracas e foram cortar bambus. Olhei o
sol e vi que mamãe estaria preocupada. Corri até a minha casa e contei as
noticias. Pedi a ela e o papai se eles me deixavam ficar lá olhando. Meus pais
nunca ralharam comigo. Almocei correndo um prato de abobora com peixe frito.
Voltei ao lugar que eles estavam. Várias barracas, e eles construíram alguma
coisa que não entendi e a fumaceira pegou fogo em todos os cercadinhos deles. O
sol já se pondo e foram tomar banho no rio. Um deles tentou atravessar. Começou
a fazer sinais. Corri lá. Pulei de roupa e tudo. Era bom nadador apesar dos
meus doze anos.
Tirei-o da água. Os chefes começaram a beijar sua boca e ele voltou a
respirar. Agradeceram-me. Bateram uma palma esquisita. Chamaram-me de herói.
Disseram que se quisesse ficar em uma Patrulha era só escolher. Nem sabia o que
era isso, mas um loirinho me fez um sinal e fui. Disseram que eram os Touros.
Dei risadas. Aqueles fracotes Touros? Mas foi bom. Ensinaram-me a dar Sempre Alerta,
a gritar o tal grito da Patrulha, a entender os sinais do "Chefe"
Escoteiro para formatura. Durante os quatro dias eu brinquei com eles, corremos
na mata, pulamos a cerca do Boi Lamego, fomos até a subida do Catatáu. Mostrei
a eles o canto do sabiá, do pássaro preto, mostrei como fazer o tatú sair da
toca, ensinei-os a pescar Traíras. Eles me ensinaram nós e quiseram ensinar
sinais de pistas. Dei risadas. Nunca iriam pegar uma seriema contra o vento com
aqueles sinaizinhos mixurucos.
Quatro dias maravilhosos. Comi a comida deles, ruim à beça. Sem sal. Mas
eu ria e eles riam. Um dia cozinhei para eles. Gostaram. Até o
"Chefe" Escoteiro veio tirar um sarro. Um deles deu dor de barriga,
levei para ele a fruta do pastor. Chupou a fruta e sarou. No ultimo dia fizeram
um fogo. Cantaram, gritaram, bateram palmas, contaram causos, fizeram teatrinho
e depois em volta da fogueira cantaram uma linda canção que só guardei uma
parte. “Não é mais que um até logo, não é mais que um breve adeus”. Uma canção
chorosa. Como se estivessem partindo, mas prometendo voltar. No ultimo dia
desmontaram tudo. Fizeram uma limpeza. Na bandeira o "Chefe"
Escoteiro deles me chamou. Dissera que eu era um Escoteiro honorário. Mandou-me
ficar durinho, e fiz o sinal deles. Fizeram-me repetir a promessa deles.
Prometo pela minha honra... Foi lindo. Foi demais. Depois ele me colocou o
lenço verde amarelo deles. Olhos cheios de lágrimas. Estava chorando.
Abraçaram-me. Chorei mais ainda. Deram os gritos que chamavam de Patrulha. Estava
engasgado. Não podia falar. Meus olhos queriam fechar de tantas lagrimas que
caiam.
Disseram-me Adeus e partiram. Eu
chorava. Entraram no ônibus. Eu fiquei ali em pé, ao lado do mastro de bandeira
como eles chamavam chorando. O ônibus virou a curva do rio buzinando. Um
silêncio atroz. Meu Deus! Que dor incrível eu sentia. Chorava. Chorava. A tarde
veio. Não arredei o pé. Não podia sair dali. Nos meus sonhos eu os via sempre,
todos eles cantando, brincando e me abraçando. Se saísse toda essa ilusão iria
desaparecer, acabar. A noite chegou de mansinho. O orvalho caindo. Eu chorando.
Não parava de chorar. Eu queria eles de volta, mas sabia que isso não ia
acontecer. Meus pais chegaram e me levaram. Não queria ir. Mas não podia ficar
ali toda a noite. Não dormi, lágrimas caiam sem cessar. Mamãe me abraçava e não
adiantava. O dia amanheceu. Como sempre voltei a minha rotina. Escola,
trabalhar na roça com meu pai e as tardes ia sentar no meu banquinho lá na
curva do rio. Olhava o horizonte quem sabe, um ônibus viria novamente? Sonhos
de criança, sonhos impossíveis, mas era meu só meu. Meus olhos enchiam-se de
lágrimas. Agora não chorava mais. A dor que sentia era no meu coração. Uma dor
doída. Lembranças, lembranças que machucavam. Que dias lindos maravilhosos eu
tive e se foram. Deus! Oh Deus! Traga-os de novo meu Senhor, juro que serei um
menino diferente!
Durante muitos anos a
minha memória revivia todos os quatro dias felizes que com eles passei. As
saudades permaneceram por longo e longo tempo. Meu Deus! Daria tudo para vê-los
novamente! Sabia que não ia acontecer. Quando foram eu ainda não sabia, mas era
o último Adeus. Um adeus sem volta. Um adeus sem retorno. Durante muitos anos
eu ia todos os domingos sentar próximo no mastro da bandeira deles. Agora seco,
mas firme. Eu cuidava dele e nunca deixei cair. Eu chegava com meu lenço,
ficava durinho e dava sempre alerta, olhava uma bandeira invisível sendo
erguida e chorava. Escoteiros! Como eu queria ser um deles!
Não sei quantos anos se passaram. Cresci, casei,
tenho filhos. Nunca mais vi os escoteiros. Quantas saudades que permanecem na
minha lembrança e não se apagam. O ultimo adeus! Sim, foi o último adeus
daqueles que fizeram de mim, um homem feliz. Quatro dias. Quatro dias que
valeram uma vida!
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