Lendas escoteiras.
Uma noite maravilhosa de Natal!
Eu sempre tive um carinho enorme pela noite de natal. Família reunida,
muitos presentes, abraços uma bela ceia isto sempre me encantou. Triste eu
ficava quando lembrava que muitos não tinham esta minha felicidade. Teve um
ano, que após a meia noite e junto com minha esposa admirávamos na varanda os
foguetes e a luzes no céu. Uma enorme tristeza se abateu sobre mim. Lembrei-me da última visita que fiz na casa do
Chefe Maninho. Sempre foi um pai para nós escoteiros de Esperança Feliz. Dizem
que ele entrou para o Grupo em 1943. Ficou mais de sessenta anos no escotismo.
Sempre notei nele uma pessoa triste, um olhar perdido no horizonte, olhos
fundos e sempre com uma lágrima furtiva que ficava tentando esconder.
Chefe Maninho morreu há dois meses. Nas suas exéquias poucos foram.
Nunca entendi isto. Esperava uma multidão e não foi quase ninguém. Claro era
difícil vê-lo sorrir. Acho que ninguém nunca recebeu dele um abraço. Era muito
fechado em si mesmo. Nunca esqueci o que ele me contou um dia. O Fogo do
Conselho havia terminado e ficamos lá eu ele, Rosa uma Chefe Escoteira, Nair
sua Assistente e Paulo Alberto um Chefe de tropa. Ficamos conversando e a meia
noite todos foram dormir. Ficamos só eu e ele. Não sei por que ele estava com
os olhos marejados de lágrimas. – Calma Chefe eu disse. Está se sentindo mal? -
Não meu amigo, respondeu. São as lembranças que não cessam. E então, começou a
contar parte de sua vida. Uma história desconhecida por todos que labutaram ao
seu lado.
- Chefe, eu perdi meu pai quando tinha dez anos. Eu o adorava. Ele era
tudo para mim. Levava-me aos parques de diversões, me levava em alto mar para
pescar, fomos acampar em lugares inóspitos e mesmo já sendo um Escoteiro eu
vibrava em sua companhia. Ele era Militar das Forças Armadas. Segundo Sargento
do Regimento de Infantaria e todos o admiravam pelo seu caráter, por ser tudo o
que hoje não sou. Um pai alegre, prestativo, amigo e muito respeitado não só em
seu regimento como em toda vizinhança. Ele mesmo me contou com orgulho que fora
incorporado ao 3º Regimento do Exercito Brasileiro. Um regimento da Força
Expedicionária Brasileira. Em poucos meses ele partiu para a guerra na
Itália. Eu e mamãe choramos muito quando ele partiu.
Sabe amigo Chefe, ele partiu em uma noite estranha, cuja lembrança nunca mais me
sai. Chamou-me e disse – Filho, seu pai vai lutar lá na Alemanha. Vou me
cuidar. Ainda vamos fazer grandes coisas, eu e você. Eu voltarei.
- Nos primeiros meses ele escrevia sempre. Mamãe, minha querida mamãe!
Ela lia suas cartas, baixinho devagar, eu voltarei em breve ele dizia, pois a
guerra estava prestes a acabar. Todos os dias ele vinha em meus sonhos, e nele
retornava como se estivesse me abraçando. Passou um ano e ele não voltou. No
natal escrevi para o Papai Noel uma carta. Uma carta simples, só pedia ao meu
bom amigo que trouxesse de volta o meu papai que foi lutar na guerra. – Olhe
Papai Noel, você que pode mais que a gente, e tem uma força sem igual, me dê
Papai Noel este presente, se possível nesta noite milagrosa de natal. Mas nada.
Nem resposta. No ano seguinte escrevi de novo. – Papai Noel, meu santo e bom
paizinho, eu tenho meu coração como uma brasa, nesta hora triste em rezar ao
Senhor eu venho. Papai Noel, se todos têm o seu papai em sua casa, só eu Papai
Noel é que não tenho?
Os dias, os meses foram passando. Mamãe só vivia pelos cantos chorando.
As cartas não vieram mais. O silêncio era completo. Lembro-me que um dia mamãe
passou a se vestir de preto e nunca mais sorriu para ninguém. E para piorar
tudo meu amigo, um tarde chuvosa do mês de novembro, bateram em nossa porta e
dois oficiais do Exército Brasileiro entregaram a minha mãe uma medalha.
Disseram a ela que ele tinha sido um herói. Mamãe, mamãe, eu quero meu papai!
Ela calada, taciturna não chorou mais. Seu rosto lindo que nunca esqueci agora parecia
uma mascara de cera. Na missa dos domingos ela disse para o Padre Antonio que
estava perdendo a fé. Perdeu seu marido na guerra, ainda tinha seu filho, mas o
mundo para ela desmoronou.
Sabe meu amigo chefe, aquele mil novecentos e quarenta e cinco foi o ano
que mais chorei. Eu sempre a noite rezava. Não acreditava que ele tivesse
morrido. Jesus, meu amado e bom mestre eu dizia, se os tais heróis não voltam
para casa, será que vale a pena ser herói? Senhor Jesus, meu santo e bom
paizinho, me dê neste natal um presente. Acabe com minha revolta e me traga de
novo o meu papai que foi brigar na guerra. Eu sei que o Senhor pode tudo e sei
que vai dar um jeitinho de mandar o meu papai de volta. – Olhei para ele e ele
chorava. Um "Velho" de oitenta anos chorando. Continuou a me contar -
Olhe meu amigo Chefe. Não dá para esquecer. Acho que mamãe sempre ouvia minhas
preces, pois um dia, naquela noite de natal, eu dormi abraçado com o retrato do
meu pai. E confesso que tive lindos sonhos com ele. E sabe meu amigo Chefe, ao
acordar gritei surpreso, pois lá estava enrolada em meu sapato uma enorme
bandeira do Brasil!
Sem palavras. Chorava ali com aquele velho naquele fogo que aos poucos se
apagava. A brisa vinha de leve a nos dar um pouco de calma, de frescor. As
pequenas fagulhas ainda existiam naquela fogueira que eram agora somente cinzas.
Havia ainda algumas fagulhas que se arriscavam ainda a subir aos céus.
Lânguidas e serenas para logo serem levadas com o vento. Papai Noel. E quem
ainda não acredita nele? O natal, linda noite para alguns, muitas tristezas
para outros. Abracei com força o Chefe Maninho. Ficamos ali até o amanhecer. Nunca mais o esqueci. Que Deus esteja com você
meu amigo, nestes pastos verdejantes do céu, junto ao seu papai e sua mamãe!
(História baseada no poema de Orlando Cavalcante,
“Oração de natal de um órfão de guerra”).
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